Não adianta só fazer planos, planos e mais planos, é preciso reconstruir a biodiversidade nas cidades

Nas 14 primeiras semanas deste ano, Brasil atingiu 3,1 milhões de casos prováveis de dengue e 1.292 mortes; inércia das autoridades, visão limitada do problema e a busca desenfreada por lucros criam um cenário caótico

JOSE LUCENA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDOFumacê para combate ao mosquito transmissor da dengue no entorno do Hospital Estadual Alberto Torres, em São GonçaloAção de conscientização para o combate à dengue em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro

Matéria recente publicada pelo Worl Economic Forum, intitulada Every Decision is a Climate Decision (Cada Decisão é uma Decisão Climática) destaca uma série de “anormalidades globais” que vem ocorrendo nos últimos anos em todo o planeta. Inundações devastadoras, ondas de calor brutais, secas prolongadas e incêndios florestais descontrolados marcaram o ano de 2023 e tornaram-se cada vez mais frequentes e intensos, causando perdas humanas, danos materiais e impactos socioeconômicos devastadores. Consequência direta da perda de biodiversidade provocada pela interferência humana, o desequilíbrio ambiental gera impactos materiais e riscos diversos à vida e saúde das pessoas. Proteger todas as espécies de seres vivos do planeta ou, ainda, a biodiversidade terrestre, especialmente em áreas urbanas, é uma tarefa urgente, de caráter global, e que requer ação imediata de governos, empresas e pessoas. O Conselho Nacional da Saúde (CNS) apresentou estatísticas, em publicação recente, informando que, em 2024, o Brasil enfrentará a pior epidemia de dengue dos últimos anos. E dengue pode matar.

Dados divulgados pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) apontam que o Brasil atingiu 3,1 milhões de casos prováveis de dengue nas 14 primeiras semanas deste ano e 1.292 mortes causadas pela transmissão do vírus, enquanto 1.875 estão sob investigação. Embora complexa, existe uma relação entre a destruição da biodiversidade urbana e as alterações climáticas. Com o aumento da temperatura e eventos climáticos extremos, como chuvas intensas, criam-se condições mais favoráveis para a reprodução dos mosquitos. O crescimento urbano desordenado, com ausência de planejamento adequado, resulta em precariedade na provisão de infraestrutura de saneamento básico, levando à formação de áreas propícias à proliferação, como locais com acúmulo de lixo e falta de drenagem adequada. Tratar futuros surtos e epidemias que ocorrem nas cidades demanda bem mais do que tentar eliminar o foco do mosquito transmissor por meio de campanhas de educação da população e fiscalização. Embora a educação seja crucial para conscientizar as pessoas sobre sua responsabilidade na redução da proliferação do mosquito, é igualmente vital reconsiderar a importância da reconstrução da biodiversidade nas cidades.

Planos, planos e mais planos voltados a soluções pontuais proliferam em guichês e secretarias municipais, como se a simples redação de seu texto tivesse o poder de garantir os resultados e benefícios planejados. Se por um lado sua existência apresenta um esforço dos agentes públicos para alinhar-se ao cumprimento das metas da Agenda 2030, por outro, a descarbonização urbana enfrenta um hiato gritante entre a intenção e a ação. A inércia das autoridades, a visão limitada do problema e a busca desenfreada por lucros imediatos por alguns setores criam um cenário caótico, onde a efetividade das políticas e ações urbanas se perdem em meio à burocracia e à falta de compromisso, dificultando respostas rápidas e eficazes às mudanças socioambientais. A falta de coordenação entre diferentes órgãos, com conflitos de interesse e duplicação de esforços, gera atrasos, desperdício de recursos e desigualdade na distribuição de investimentos. É urgente a adoção de uma abordagem integrada e colaborativa, envolvendo todas as partes interessadas, para garantir a preservação da biodiversidade urbana.

É neste contexto que o Índice de Biodiversidade de Cingapura (SI) surge como uma ferramenta complexa que, ao abranger 28 categorias de análise, pode, por meio da mensuração e monitoramento, não apenas fornecer uma visão abrangente do estado da biodiversidade, mas também, colaborar na formulação de planos e políticas urbanas eficazes, servindo como base sólida para decisões estratégicas e ações direcionadas por meio da coleta, análise e utilização de dados. Como medir e monitorar a eficácia do que vem sendo feito por governos para recuperar a biodiversidade urbana e melhorar a capacidade de uma cidade de resistir, se adaptar e se recuperar dos impactos ambientais provocados pelas mudanças climáticas? Desde a adaptação às mudanças climáticas até a resiliência urbana, passando pela gestão de recursos naturais e o controle de espécies invasoras, é necessário construir métricas e, principalmente, dados capazes de fornecer um panorama detalhado das estratégias e políticas implementadas para melhorar as condições ambientais e climáticas, com o objetivo de proteger a saúde e a vida dos cidadãos. Isso colaboraria para a construção de um futuro no qual surtos e epidemias de doenças geradas por insetos, por exemplo, sejam reduzidos significativamente.

Ao examinar questões como participação pública, educação ambiental e infraestrutura verde, o índice busca promover a colaboração entre entidades públicas, privadas e da sociedade civil, visando garantir um ambiente urbano mais sustentável e resiliente para as gerações futuras. Além das categorias de análise mencionadas anteriormente, o índice de biodiversidade urbana também aborda temas como a conservação de habitats naturais, a proteção de corredores ecológicos, a promoção da agricultura urbana, a preservação de áreas de recarga hídrica e a mitigação dos impactos da urbanização na fauna e flora nativas. Essas adições ampliam ainda mais a compreensão e a abordagem holística para lidar com os desafios da biodiversidade nas cidades, incentivando a implementação de políticas e práticas mais eficazes para a proteção do meio ambiente urbano. As cidades, apesar de ocuparem apenas 3% do território, concentram grande parte da população e do consumo, excedendo os limites do planeta. A reorganização do planejamento ambiental nas cidades com foco na recuperação da biodiversidade associado à adoção de métricas para a avaliação e monitoramento do impacto das estratégias adotadas por governos, sociedade e setor econômico, e sua eficácia frente às questões de resiliência urbana, são fundamentais para a garantia um futuro sustentável para todos.

Calçada tem de ser vista como parte importante da vida urbana, e não como lugar de passagem rápida de pessoas

Cidades civilizadas são construídas, literalmente, a cada passo, e é na infraestrutura de mobilidade a pé que se mede o respeito dedicado à população pelas prefeituras

Por Helena Degreas 10/02/2024 08h00 – Atualizado em 10/02/2024 12h39

Gestão eficiente e reorganização de prioridades podem transformar muitos lugares inadequados em excelentes espaços públicos – Fonte: freepik

Lembrei-me do jornalista Gilberto Dimenstein e do seu hábito saudável de, literalmente “andar por aí” e descobrir coisas e detalhes que só o passo lento, o olhar livre de intenções e o prazer estético são capazes de proporcionar. Tento, em vão, manter o hábito das longas caminhadas, mas “tá difícil”, Gilberto. É sério. O descaso para com o andar das pessoas é histórico e remonta o tipo de colonização de nossas terras. Está entranhado na gestão da coisa pública. Uma visita às cidades colonizadas pelos espanhóis mostra padrões rigorosos na forma urbana impactando diretamente na qualidade da paisagem vivenciada e nas calçadas. As ruas organizadas em um padrão de grade ao redor de uma “plaza” central revelam uma estrutura planejada, onde a igreja e o governo ocupavam lugares proeminentes. Essa disposição não apenas determinava a paisagem urbana, mas também exercia influência direta na construção das calçadas públicas. Ruas largas e alinhadas continuam a oferecer espaços generosos para a circulação de pedestres, enquanto a “plaza” central, frequentemente dominada por uma igreja de estilo barroco, transformava as calçadas em locais centrais para atividades sociais e religiosas.

Separados por um oceano de distância entre os continentes, a autoridade portuguesa presenciou o surgimento de povoamentos espontaneamente originados de expansões territoriais decorrentes de atividades econômicas, como bandeiras e mineração, religiosas, militares e indígenas. As ruas, frequentemente sinuosas, e, por extensão, as calçadas, ainda hoje, se adaptaram às características dos terrenos acidentados, seguindo as inclinações e larguras possíveis impostas pela topografia natural.

Poucos são os projetos urbanos de bairros e cidades executados por prefeituras e demais entes federativos. O que vivenciamos hoje é resultado de uma abordagem mais abstrata e centralizada proveniente de um planejamento urbano por meio do uso de taxas, coeficientes, indicadores e regulações que permitem ao proprietário de lotes e glebas praticamente definir a forma final do lugar por onde andam as pessoas. Para os bairros periféricos, mais distantes das áreas centrais, a abordagem da forma urbana final é ainda mais complexa pois a ausência de regulamentações urbanas e políticas públicas de habitação secularmente frouxas no atendimento das populações, levou e ainda leva, à autoprodução de bairros em áreas urbanas que ainda hoje resultam em vielas e becos prejudiciais aos cidadãos além de caminhos de acesso informais, rotas improvisadas que conectam diferentes partes do assentamento, frequentemente sem planejamento formal, enquanto vielas e becos formam estreitas passagens entre edificações, ocasionalmente constituindo redes complexas de caminhos sinuosos.

Embora a demanda por moradia cresça exponencialmente, os projetos urbanos de bairros e cidades implementados por prefeituras e outros entes federativos desde o século XX são insuficientes. A abordagem predominante, baseada em taxas, coeficientes e indicadores numéricos, prioriza o planejamento abstrato e centralizado, relegando a segundo plano as necessidades das pessoas que vivem e circulam nas cidades. Essa lógica coloca nas mãos dos proprietários de terrenos a responsabilidade final pela forma do lugar, sem considerar o impacto social e ambiental das decisões tomadas.

A situação nos bairros periféricos apresenta uma complexidade ainda maior. A histórica negligência do Estado na regulamentação urbana e na implementação de políticas públicas de habitação levou à autoconstrução de grande parte desses assentamentos. Isso se reflete em vielas e becos estreitos, muitas vezes sem planejamento formal, dificultando o acesso e a circulação dos moradores e configurando redes complexas de caminhos sinuosos. Frequentemente, essas áreas carecem de infraestrutura básica adequada, como pavimentação, iluminação e saneamento. A inexistência e a difícil implantação das calçadas é apenas um reflexo dessa realidade desafiadora.

No projeto #UmaRuaCadaDia, o Portal Mobilize especializado no conteúdo exclusivo sobre Mobilidade Urbana Sustentável vem publicando desde o primeiro dia do ano várias imagens que retratam as diferentes realidades das ruas e calçadas do território brasileiro. Rondon (PR), Hortolândia (SP), Caucaia (CE), Rio Formoso (PE) apresentam ruas com calçadinhas de pedra, ruas de terra, com mesinhas sobre o asfalto, estreitas e com carros estacionados sobre as calçadas, um mosaico das distintas realidades brasileiras dos locais por onde caminham os brasileiros. Questões de design/projeto frequentemente não são insolúveis; uma ênfase equivocada no tráfego automotivo ou medidas de segurança excessivamente rigorosas pode ser a linha que separa o fracasso do sucesso. A gestão eficiente e uma reorganização de prioridades podem transformar muitos lugares inadequados em excelentes espaços públicos.

A infraestrutura de mobilidade a pé, englobando calçadas, pistas e travessias, é importante para a eficiência da mobilidade urbana, seguindo diretrizes dos planos de mobilidade de implantação obrigatória nas cidades brasileiras. Infraestrutura de mobilidade a pé abrange espaços viários como calçadas, pistas, canteiros centrais e travessias, incluindo elementos como calçadões, faixas elevadas, passarelas, sinalizações específicas e mobiliário urbano. A rede de mobilidade a pé opera em conexão, seguindo uma hierarquia viária para integrar elementos e fluxos de pedestres, sendo essencial para planejar e operar a mobilidade a pé de maneira eficiente. Não é um lugar de passagem rápida de pessoas. É parte importante da vida urbana.

As calçadas, em particular, são medidas da civilidade de um lugar público, sendo elementos fundamentais para consolidar laços sociais e promover qualidade de vida urbana. O espaço público transcende definições jurídicas e normas urbanísticas. Primordialmente, é um resultado do uso social, influenciado pelas variadas formas como as pessoas o ocupam e dele se apropriam. A qualidade desse espaço encontra-se na construção social e política, levando em conta os modos de utilização, os significados atribuídos, a acessibilidade e as dinâmicas sociais que o envolvem. Desta forma, as calçadas como integrantes do espaço público, emergem como uma métrica da civilidade e qualidade urbana. Ao repensarmos nossos espaços públicos, considerando usos, acessibilidade e dinâmicas sociais, podemos transformar não apenas as calçadas, mas toda a experiência urbana. Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou no Instagram: @helenadegreas

Espaços verdes urbanos para crianças têm poder transformador no desenvolvimento infantil

Espaços verdes urbanos para crianças têm poder transformador no desenvolvimento infantilInvestir na expansão e densificação de áreas verdes nas cidades é promover o crescimento saudável, garantindo o desenvolvimento pleno das próximas gerações

Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Helena Degreas > 

  • Por Helena Degreas
  • 04/02/2024 08h00
  • coluna originalmente publicada para a Jovem Pan News

Standret/Freepik

Espaço verde urbano para crianças fortalece o desenvolvimento, incluindo equilíbrio motor, redução do estresse, melhor desempenho acadêmico e até mesmo menor incidência de problemas de saúde mental e física

Desde os primeiros dias de vida até a adolescência, as crianças podem colher inúmeros benefícios dos espaços verdes urbanos. O relatório “A Necessidade de Espaços Verdes Urbanos para o Desenvolvimento Ideal das Crianças” (título original The Necessity of Urban Green Space for Children’s Optimal Development: a discussion paper), publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), destaca os inúmeros benefícios dos espaços verdes na saúde e desenvolvimento infantil, assim como ações para melhorar o acesso a esses locais. Dentre as intervenções recomendadas, o texto defende a mobilização de grupos comunitários para reivindicar e zelar pelos seus espaços verdes locais, buscando o apoio do governo para a criação e aprimoramento de áreas verdes nas ruas, nos bairros e em ambientes escolares.

A definição do termo “espaço verde” ainda não é universal e, até o momento, não existem critérios mínimos internacionalmente aceitos para tais áreas em ambientes urbanos. Em sua essência, um espaço verde refere-se a uma porção de terra vegetada, abrangendo desde parques públicos e privados, a gramados, jardins residenciais e condominiais, calçadas, sistemas viários, playgrounds, terras agrícolas, terrenos abandonados, árvores ao longo de ruas, áreas adjacentes a estradas e coberturas verdes. Citei apenas alguns exemplos. Não cheguei a propor os espaços de água que incluem lagos, represas e orlas diversas. Fica para uma próxima coluna.

Embora observar um espaço verde pela janela seja benéfico para o desenvolvimento infantil, os benefícios aumentam significativamente quando as crianças dedicam algum tempo do seu dia para explorar, brincar, criar, relaxar e refletir dentro de um ambiente verde seguro. A configuração específica de um novo espaço verde (ou já existente) dependerá do contexto local, levando em consideração fatores como restrições de espaço, condições climáticas, influências culturais, preferências da comunidade e disponibilidade orçamentária. Isso pode variar desde a incorporação de uma simples árvore na rua até a criação de extensos parques públicos. É crucial que as crianças e a comunidade local participem ativamente e tenham suas vozes ouvidas em todo o processo de design. Estratégias para envolver as crianças incluem a utilização de modelos, desenhos coletivos e grupos focais, entre outras abordagens.

Estudos em várias partes do mundo (226 papers publicados em periódicos científicos foram utilizados como referência na redação do relatório da Unicef) destacam a correlação entre o acesso a áreas verdes e o desenvolvimento das crianças incluindo equilíbrio motor, redução do estresse, melhor desempenho acadêmico e até mesmo menor incidência de problemas de saúde mental e física. A importância da integração efetiva dos espaços verdes em ambientes urbanos densos é inquestionável e vem sendo posta em prática em diversas prefeituras.
Exemplos globais inspiradores, como o modelo de Singapura, Londres (Inglaterra), Buenos Aires (Plano BA Cidade Verde), além de Bogotá (Colômbia), mostram como é possível integrar efetivamente espaços verdes em ambientes urbanos densos. Parques, jardins em sistemas viário, redução do número de áreas de estacionamento rotativo substituídos por corredores arborizados e até mesmo telhados verdes tornaram-se partes essenciais da paisagem urbana, proporcionando oportunidades valiosas para as crianças conectarem-se com a natureza.

O documento aponta ainda alguns desafios nas questões relacionadas à facilidade com que as pessoas podem acessar e utilizar os serviços ou espaços existentes nas áreas verdes considerando as necessidades de específicas das pessoas fazendo um apelo para que as autoridades municipais ajam em resposta a esses desafios. Em muitos casos, a acessibilidade permanece como um grande desafio: distância, barreiras físicas e a falta de conscientização de pessoas e de empresas e mesmo das prefeituras limitam a capacidade das crianças, especialmente nas comunidades de baixa renda, de desfrutarem desses ambientes saudáveis. Neste momento, a atuação municipal eficaz na eliminação dos problemas por meio da escuta às reivindicações das crianças, seus principais usuários, é crucial para a transformação do local num ambiente vibrante, cheio de vida.

Destaco aqui algumas recomendações que podem servir de inspiração aos senhores prefeitos das cidades brasileiras:

  • É imperativo que os municípios incorporem espaços vegetados em todos os projetos de desenvolvimento urbano, integrando áreas de lazer, praças e parques como componentes essenciais do planejamento urbano. A acessibilidade universal, obrigatória não apenas pelo atendimento das leis e regulamentações urbanas, mas também como respeito à dignidade do cidadão, devem ser promovidas por meio da redução das distâncias e implementação de trilhas e caminhos seguros, criando corredores verdes que conectam áreas urbanas, estabelecendo uma rede verde acessível a todas as crianças;
  • Prefeitos devem lembrar-se que, embora trabalhosos na execução, o envolvimento dos usuários locais é importantíssimo no sucesso da criação dos espaços verdes por meio da participação ativa da comunidade no planejamento e manutenção de espaços verdes pois fortalece o senso de pertencimento por meio de atividades como plantio de árvores e limpeza levando à garantia de sucesso na manutenção do local. Os usuários conhecem melhor do que qualquer burocrata e tecnólogo o que importa para a melhoria do local;
  • Oferecer incentivos fiscais a empresas que adotam práticas sustentáveis, como inclusão de áreas verdes em projetos, beneficia as crianças e contribui para a saúde geral da comunidade. A promoção de zonas livres de carros e de seus estacionamento em ruas melhora a segurança e cria ambientes propícios para atividades ao ar livre, especialmente essenciais para garantir espaços seguros para as brincadeiras das crianças.

Em síntese, o relatório destaca a ligação inseparável entre cidades sustentáveis e o bem-estar das crianças, sublinhando a importância do papel desempenhado pela ação municipal na criação de ambientes urbanos propícios à saúde e ao desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes. Assegurar acesso equitativo a espaços verdes em toda a extensão da cidade, abrangendo desde as áreas centrais até as periferias, é uma responsabilidade compartilhada entre poder público, cidadãos, associações e empresas. Ao incorporar a arborização e a vegetação urbana nas estratégias de planejamento, as cidades não apenas investem no presente, promovendo a saúde e a felicidade das crianças, mas também moldam um futuro sustentável para toda a cidade. 

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Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

Como seriam as cidades projetadas pelas crianças? Uma reflexão sobre mobilidade urbana e cidadania ativa

Transformação do espaço público através da visão única e criativa dos pequenos é o desafio proposto pelo Instituto Corrida Amiga, que reimagina o tecido urbano e traz a perspectiva infantil para o centro do debate

Transformação do espaço público através da visão única e criativa dos pequenos é o desafio proposto pelo Instituto Corrida Amiga, que reimagina o tecido urbano e traz a perspectiva infantil para o centro do debate

Por Helena Degreas para a Jovem Pan News
20/01/2024 08h00

Espanha e Portugal já realizam experiências com a participação de crianças em projetos urbanos

As crianças possuem uma maneira especial de enxergar o mundo. Suas mentes curiosas não são limitadas por convenções, permitindo-lhes sonhar com possibilidades ilimitadas O Instituto Corrida Amiga propõe uma abordagem inovadora ao pensar nas cidades a partir da mobilidade urbana ativa, buscando alterar a forma como nos movemos e transformar nossa relação com o ambiente urbano. O relatório “Diagnóstico: A Cidade sob o Olhar das Crianças A Partir da Mobilidade Urbana” teve o apoio do programa CAU Educa (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil) e destaca o papel crucial de crianças e jovens como agentes de transformação, visando um futuro melhor para toda a sociedade. Ao focar na mobilidade ativa, as atividades envolveram reflexões sobre o papel do espaço público na promoção da saúde e bem-estar

A caminhabilidade e o ciclismo não são apenas formas de se locomoção, mas meios para a construção de uma comunidade mais conectada e consciente, pois estimulam a interação com as pessoas e tudo o que está à sua volta. É uma resposta aos princípios adotados pelo urbanismo modernista, que, consolidados no século XX, promoveram, pelo zoneamento funcional, a segmentação de espaços urbanos para atender a diferentes necessidades, resultando na criação de áreas específicas destinados a públicos específicos. É como se os locais destinados às crianças fossem apenas os parques, cabendo aos idosos, por sua vez, os bancos de jardins existentes em praças. Cada um no seu lugar, como se a vida urbana pudesse ser dividida em atividades definidas por tecnocratas. Apesar de visar à eficiência no funcionamento das cidades, essa especialização colaborou com a segregação social e limitou a interação intergeracional, fragmentando a cidade em um conjunto de espaços distintos para funções específicas. Atrelado a estes princípios, o urbanismo motorizado destruiu a fluidez do andar, do caminhar, do flanar como prazer estético, sem pressa, priorizando a fluidez e eficácia do trânsito automotivo, e redefiniu os espaços dos caminhantes em calçadas e faixas de pedestres, entupindo a paisagem urbana com sinalizações voltadas à segurança viária.

Se as crianças fossem urbanistas, priorizariam espaços públicos como elementos essenciais, promovendo interação social. A segurança emocional seria prioritária, com espaços inclusivos e acessíveis. A ideia de acesso à cidade seria ampliada, eliminando barreiras econômicas no transporte público. Educação para mobilidade ativa seria parte do currículo, preparando gerações futuras para cidadania comprometida. A segurança seria prioridade, não apenas em termos de tráfego, mas também no sentido emocional. Espaços públicos seriam projetados para serem inclusivos, acolhendo a diversidade de todas as crianças. A acessibilidade seria a norma, garantindo que todos, independentemente de suas habilidades físicas, pudessem desfrutar plenamente de todos os locais que hoje estão ocupadas por carros. 

A ideia de acesso e direito à cidade, muitas vezes negligenciada, ganha destaque nessa visão alternativa. Se as crianças fossem as planejadoras, o acesso à cidade não seria restrito, mas ampliado. As crianças, ao serem envolvidas nesse processo de transformação, tornando-se agentes ativos em suas comunidades, aprendendo, desde cedo, sobre a importância da mobilidade consciente e como suas escolhas impactam não apenas a si mesmas, mas toda a cidade. A educação para a mobilidade ativa se torna parte integrante do currículo escolar, preparando as gerações futuras para serem cidadãos comprometidos e participativos.

A participação infantil seria uma prática real, por meio de conselhos e projetos participativos, influenciando políticas públicas. Oficinas e consultas seriam processos contínuos. A participação em projetos urbanos seria um direito, reconhecendo a experiência única das crianças. Experiências como esta já existem em outros países como Portugal e Espanha. Nesse contexto, iniciativas bastante relevantes e promissoras envolvendo a participação das crianças e adolescentes — e suas experiências e vivências na cidade — já são realidades. O diagnóstico apresentou o projeto “A Cidade das Crianças”, onde em Valongo, Portugal (2022), foi realizada uma sessão do “Conselho das Crianças”, na qual o poder público português incluiu, em seu planejamento urbano, a visão das crianças.

Outro exemplo citado foi a criação de “Conselhos Infantis” em Rosário, na Argentina, que tem por objetivo, levar melhorias urbanas locais a partir da sugestão de seus principais usuários: as crianças. A maneira como elas experimentam a cidade exerce uma influência significativa em sua infância. Repensar a mobilidade urbana com base na visão infantil é uma provocação à imaginação e uma chamada à ação. Um lugar projetado por crianças investe no futuro, construindo cidadãos comprometidos, saudáveis e plenamente engajados na vida urbana.

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Quais são os desafios e oportunidades que nos aguardam em 2024 na busca por um desenvolvimento urbano sustentável?

*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.

Quais são os desafios e oportunidades que nos aguardam em 2024 na busca por um desenvolvimento urbano sustentável?

Sustentabilidade, resiliência climática e inclusão social são alguns dos temas que ocuparão as manchetes dos principais meios de comunicação no ano recém-iniciado

Por Helena Degrea 06/01/2024 09h00 para a Jovem Pan News (texto original)

EDI SOUSA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO – 03/01/2024Pedestres enfrentam a primeira chuva de verão do ano de 2024, no fim de tarde desta quarta-feira (3), na região central de São Paulo

Planejadores urbanos e gestores públicos devem preparar cidades para enfrentar e mitigar impactos dos extremos climáticos

As discussões previstas na Agenda Urbana Internacional para o ano de 2024 (e que se estenderão para a próxima década) apontam para cinco temas que ocuparão as manchetes dos principais meios de comunicação e que visam o planejamento de cidades mais sustentáveis, inclusivas e resilientes. Espera-se de gestores e técnicos públicos: 

Sustentabilidade urbana

O crescimento inevitável das áreas urbanas destaca a imperatividade dos governos investirem no desenvolvimento de políticas públicas e estratégias com ações que visam causar o menor dano possível aos ecossistemas, recursos naturais, biodiversidade e à qualidade do ar, água e solo. Ao promover políticas e práticas ecoeficientes, governos estimulam ambientes urbanos ecologicamente equilibrados e saudáveis. Investir em energias renováveis, desenvolver sistemas de transporte público integrado com a inclusão dos modais ativos e adotar políticas de gestão inteligente de resíduos são algumas das medidas concretas nesse caminho. Essas iniciativas não apenas respondem ao desafio ambiental, mas também contribuem para o desenvolvimento sustentável das áreas urbanas, garantindo uma qualidade de vida mais elevada para seus habitantes.

Resiliência climática e adaptação

Com as preocupações crescentes em relação aos impactos causados pelas mudanças climáticas que recaem sobre a população, as cidades (seus planejadores urbanos e gestores públicos) devem se preparar para enfrentar e mitigar impactos adversos. Embora afetem todos os cidadãos, os impactos recaem, sobremaneira, sobre a população mais pobre que reside em áreas distantes dos centros e cuja infraestrutura é, comumente, precária. Adaptação dos sistemas de drenagem e gestão de águas pluviais, infraestrutura de abastecimento de água e saneamento, transporte público e mobilidade urbana, parques e áreas verdes urbanas, estruturas costeiras e portuárias, redes elétricas e de energia deverá sofrer adaptações para sua eficiência e eficácia para fortalecer a resiliência das cidades diante dos desafios climáticos emergentes, garantindo a segurança e qualidade de vida dos habitantes urbanos.

Inovação tecnológica e cidades inteligentes

Avanços tecnológicos oferecem a oportunidade única de transformar as cidades em ecossistemas inteligentes a partir da integração de tecnologias emergentes, como a Internet das Coisas (IoT) e inteligência artificial, otimizando serviços urbanos e melhorando a qualidade de vida dos cidadãos. Aplicações como gestão inteligente de tráfego e transporte, monitoramento ambiental, e planejamento urbano baseado em dados, considerando padrões climáticos futuros, são algumas das diversas possibilidades que melhoram a qualidade de vida. O uso inteligente de água com integração de sensores para monitoramento do consumo em tempo real, sistemas de irrigação adaptáveis às condições climáticas, gestão inteligente de resíduos por meio da implementação de sistemas de coleta de lixo que otimizam rotas com base na demanda, reduzem a emissão de poluentes. A mobilidade sustentável e sistemas de transporte, quando conectados e interativos, oferecem informações por meio de aplicativos e plataformas em tempo real sobre transporte público, permitindo aos cidadãos planejar rotas eficientes e reduzir a dependência de veículos individuais, contribuindo para a redução das emissões de carbono. Outo exemplo é a gestão eficiente de redes de energia com a implementação de redes elétricas inteligentes que ajustam automaticamente a distribuição de energia com base nas demandas sazonais e das condições climáticas locais. E, por fim, sensores urbanos para monitoramento ambiental para identificar padrões de poluição e alertar sobre eventos climáticos extremos.

Inclusão social e equidade

Diante das desigualdades sociais evidentes em muitas áreas urbanas, os próximos anos exigirão um esforço conjunto entre gestores e técnicos públicos dos três entes federativos, empresas e população para garantir o acesso universal à moradia, à infraestrutura urbana, equipamentos e serviços públicos e o fortalecimentos dos instrumentos adequados para a participação de grupos sociais diversos na tomada de decisões sobre a gestão das intervenções necessárias à realidade local. O urbanismo local, que afeta o cotidiano das pessoas, precisa se integrar ao planejamento urbano generalista, que muitas vezes ignora as necessidades cotidianas. Planos de bairro e planos de rua precisar ingressar na prática de gestão urbana municipal. 

Governança urbana participativa

A participação cidadã na tomada de decisões urbanas é crucial para assegurar representação diversificada e transparente. O desafio é fortalecer instituições governamentais urbanas para garantir governança eficaz, transparente e responsável. Estimular a participação cidadã, fortalecer instituições de controle social e garantir a transparência governamental são passos fundamentais nesse percurso por meio do desenvolvimento de plataformas online e aplicativos que permitem aos cidadãos relatar problemas ambientais em tempo real, como pontos de alagamento ou áreas com poluição do ar, por exemplo.

Complexos e interligados, os temas voltados ao cumprimento das metas presentes na Agenda 2030 refletem a busca por soluções que permitam que as cidades prosperem diante de desafios globais. Ao adotar estratégias ambientais, fomentar inclusão social e garantir transparência e participação cidadã na governança pública, as cidades fortalecem a resiliência e constroem comunidades sustentáveis. A busca pela sustentabilidade urbana não apenas promove eficiência e resiliência, mas também compromete-se a distribuir equitativamente os benefícios, trilhando o caminho de um futuro mais justo e sustentável para todas as pessoas.

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Cada rua, um capítulo, cada esquina, uma promessa, cada praça, um encontro: a cidade que eu quero para mim e para todos

Todo mundo deveria ter o direito de viver em uma urbe inclusiva, um abraço coletivo, reconfortante

Por Helena Degreas – 30/12/2023 10h00 – Atualizado em 30/12/2023 10h07 para a Jovem Pan News

EDI SOUSA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Tomo o ônibus. Ao longo do trajeto, esbarro meu olhar no tanto de gente, gente e mais gente que se move sem rumo aparente. Atravessam ruas, entram e saem, nem sei bem para onde vão, nem de onde vêm. Penso que nem eles sabem o motivo. Encontram-se nas esquinas, olham o céu, repletos de esperanças, aguardando que o ano novinho em folha possa trazer as conquistas e os abraços tão desejados que 2023 não pôde entregar. Adultos, criançasidosos, pessoas, enfim, são todos feitos de sonhos e, como na poesia que ouço na forma de canção enquanto escrevo, sonhos não envelhecem (salve Milton Nascimento!). Envelhece o corpo, mas nossos sonhos permanecem intocados, resilientes à passagem do tempo, resistindo, latentes, aguardando sua realização.

Comecei o dia assim, pensando na cidade em que desejo morar, onde estão as pessoas que amo, meus amigos e que quero chamar de lar. É a cidade que “todes” deveriam ter o direito de viver. Uma urbe inclusiva, um abraço coletivo, reconfortante. Entre suas vielas, sentimentos e aspirações ganham vida e se materializam em paisagens inimagináveis, lindas, únicas, construídas a partir da participação e interação de toda a gente. Suas ruas, calçadas e caminhos pulsam as emoções de seus habitantes, cujas formas urbanas concretizam sonhos compartilhados. Cada rua, um capítulo; cada esquina, uma promessa de pertencimento; cada praça, um encontro público, sem restrições. Penso no aroma do café e no sabor do pão na chapa lá da padoca da esquina, no mercadinho que nem sempre tem o que quero, mas que tem a dona Yumi, que guarda Nira porque sabe que gosto, no som alegre das gargalhadas das crianças e adolescentes nas praças e parques verdinhos, que, distribuídos em todos os bairros, dão sombra fresca e acolhem, como lar, toda a bicharada e insetos que uma cidade grande pode acolher. Nas paredes, longe das galerias e museus, a arte das ruas expressa, com seus grafites, pinturas, intervenções e apresentações de artistas anônimos, as diversas vozes, nem sempre ouvidas pelos meios de comunicação e políticos, os discursos e falas que também deveriam compor o debate público.

É de gente que são construídas as cidades. E gente busca, em cada ação diária, do despertar ao adormecer, sentir-se feliz, ao menos por um instante. É nas pessoas, nas suas histórias entrelaçadas e nos sonhos compartilhados que as cidades se constroem. É o “rio de asfalto e gente”, quadro vivo da urbanidade que se desenrola pelas ladeiras e que entorna pelos meios-fios. Esquinas que abrigam milhões de histórias, lugar perfeito para que desejos, culturas, vidas e o inesperado misturem-se expondo a identidade e a riqueza que não se repetem em lugar algum. Desejo para 2024 uma cidade plural, que acolha histórias e sonhos, e que se torne um lar para todas as pessoas.

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Coletivos ambientais remodelam o cenário urbano e promovem a infraestrutura verde nas cidades

Busca por cidades mais verdes e ecologicamente equilibradas é uma empreitada que encontra inúmeros desafios, especialmente quando impulsionada por coletivos urbanos e grupos de ativistas dedicados ao plantio de árvores

Originalmente publicado Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Helena Degreas  em 21/12/2023 17h14 – Atualizado em 21/12/2023 18h31

Fotos Gratuitas/Freepik

Imersa em uma realidade natalina para lá de estranha, vejo pessoas carregando árvores de plástico já decoradas com a tão esperada neve tropical enquanto enfrento temperaturas de 38 °C em ruas desprovidas de sombras. Nas redes sociais, cidadãos reclamam das ondas de calor enquanto arrancam árvores da calçada com o objetivo de “melhorar a entrada do estacionamento” do condomínio onde residem, regozijando-se com os valores irrisórios das multas e a falta de fiscalização pública. Este último fato ocorreu na semana passada em uma discussão acalorada em um grupo de WhatsApp do qual, para minha infelicidade, sou obrigada a participar. Apesar do caos cotidiano que nos envolve, no último ano, encontrei grande satisfação em dedicar meu tempo livre ao voluntariado ambiental, participando ativamente do plantio de árvores com pessoas comprometidas em aprimorar as condições climáticas para as gerações futuras. No Brasil, onde aproximadamente 85% da população reside em ambientes urbanos, e globalmente, com mais de 50%, a empatia, generosidade e afeto são valores que prevalecem nestas iniciativas que, para o benefício do planeta e de todos nós, transformam positivamente nossas vidas.

A busca por cidades mais verdes e ecologicamente equilibradas é uma empreitada que encontra inúmeros desafios, especialmente quando impulsionada por coletivos urbanos e grupos de ativistas dedicados ao plantio de árvores. Nas discussões online dos grupos dos quais participo, surgiram algumas postagens que revelaram os entraves enfrentados por comunidades engajadas, destacando as barreiras encontradas no relacionamento e apoio do poder Executivo municipal encontradas em seus esforços para transformar o ambiente urbano. A história que descrevi no começo da coluna, foi apenas uma situação comum e reafirma visões individualistas, egoístas do ser humano, expressas no ditado popular “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Graças à educação, nossos jovens tendem a compreender e a agir em prol de uma realidade em que o comprometido com o bem-estar de todos os seres vivos do planeta, prevalece. Ególatras e “carrocêntricos” são uma espécie em extinção, portanto.

Apesar das dificuldades, ao longo do tempo, observei um aumento no número de cidadãos envolvidos em coletivos movidos por razões voltadas para o bem público. Eles persistem e buscam beneficiar toda a comunidade de maneira abrangente, contribuindo para o bem-estar da sociedade e a preservação sustentável das cidades. Essas ações geralmente são realizadas de forma colaborativa, envolvendo a participação ativa da comunidade local, grupos de voluntários, coletivos ambientais e organizações não governamentais, apontando para um futuro promissor em que a sustentabilidade apresenta-se como diretriz para a construção de um urbanismo verde.

Nas discussões dos grupos, os maiores entraves encontram-se na atuação e interferência do poder público municipal. Guiado por um funcionamento burocrático, cuja tomada de decisões contrasta com abordagens voltadas à atuação desses grupos, a ação que visa a eficácia do processo de intervenção urbana por meio do plantio de corredores ecológicos no contexto climático, praticada e reivindicada pelo ativismo ambiental, expõe a falta de alinhamento e congruência do discurso público de constituição de cidades resilientes aos extremos climáticos. Suas ações, cujo tempo de implantação esbarra em um sistema de governo onde o cumprimento de regras e procedimentos burocráticos é mais valorizado do que a própria ação, engessam uma realidade viva e diversa. Não faltam exemplos dessas barreiras, que vão da dificuldade, quando não da relutância persistente, do poder público municipal em fornecer mudas para projetos que buscam criar jardins de chuva em bairros alagáveis, até o adensamento de áreas vegetadas com a inclusão de espécies nativas ou o plantio em calçadas para proporcionar sombra aos pedestres, que se mostram, dentre tantos outros, obstáculos constantes para essas iniciativas, gerando frustrações em seus esforços para o plantio.

Esforços mais recentes deste grupo mostram a busca pelo plantio em “corredores ecológicos”. A implementação de corredores ecológicos urbanos, derivada das deliberações e atividades desses grupos, mostra-se alinhada com as metas da Agenda Urbana Ambiental Internacional. Desde 2020, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) está apoiando uma iniciativa para coordenar, de forma técnica, a plantação de um trilhão de árvores no mundo objetivando reverter centenas de danos causados a florestas, pantanais e ecossistemas em todo o mundo. Em suas conferências, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o período entre 2021 e 2030 como a Década da Restauração dos Ecossistemas. 

Embora suas atuações se restrinjam ao âmbito local, observei que as diretrizes propostas visam integrar porções de ecossistemas naturais ou seminaturais ou na criação de novas áreas verdes, buscando facilitar a dispersão de espécies, revitalizar áreas degradadas e sustentar populações de organismos vivos, tanto da fauna quanto da flora, que necessitam de extensões mais amplas para sua subsistência. Ao destacar a participação ativa dos grupos ativistas, especialmente o coletivo Corredor Ecológico Urbano Butantã, dedicado ao plantio de árvores, arbustos e forrageiras em áreas públicas como calçadas e outros espaços livres públicos disponíveis em sistemas viários, essas ações estabelecem a conectividade biológica, facilitando a mobilidade de flora e fauna, promovendo a troca genética e estabelecendo uma malha contínua de áreas verdes com habitats interconectados. Nesse contexto, Nik Sabey, idealizador do movimento “Novas Árvores por Aí” (SP), mobiliza a realização de plantios coletivos, envolvendo escolas, organizações não governamentais e diversos interessados, assim como novas iniciativas como o Corredor Ecológico Ipiranga (SP), que busca unir o Parque Fontes do Ipiranga ao Córrego Jaboticabal, e a proposta de criação do Corredor Ecológico Urbano Ibirapuera (SP), conectando o Jardim da Aclimação ao Parque do mesmo nome, reforçando o compromisso desses grupos com a preservação ambiental e a integração de espaços verdes na cidade.

Ao fortalecer a resiliência ambiental do sistema ecológico urbano, essas ações possibilitam a adaptação e migração de espécies diante de perturbações, contribuindo para a melhoria da qualidade ambiental, favorecendo a regulação térmica e a gestão das águas pluviais. Adicionalmente, promovem o bem-estar da comunidade por meio de espaços verdes contínuos em áreas residuais provenientes das sobras do sistema viário, atuando de maneira ativa na preservação da biodiversidade, mesmo em ambientes densamente construídos. Nessa jornada em que estive envolvida nos últimos dois anos em busca de cidades resilientes, destaco a ascensão e o protagonismo do ativismo urbano como agente catalisador das ideias de um urbanismo verde voltado ao cotidiano dos cidadãos.

Além de remodelar o cenário urbano, esse movimento impulsiona a melhoria da qualidade de vida e a promoção da infraestrutura verde nas cidades, exemplificando boas práticas em diversas esferas. Acredito que o ativismo instiga o diálogo público ao realizar campanhas educativas e workshops, sensibilizando a população sobre a importância do plantio de árvores e cuidados necessários para aprimorar as cidades. Ao envolver as pessoas em eventos como plantios coletivos, observação de pássaros locais, criação de pequenas hortas em praças ou a instalação de colmeias de abelhas sem ferrão, promove-se a valorização da vida comunitária, congregando moradores, escolas e empresas em esforços conjuntos para construir ambientes mais sustentáveis. Adicionalmente, práticas como a defesa incansável de políticas públicas robustas, o uso de tecnologia inovadora para o monitoramento ambiental, intervenções artísticas, parcerias estratégicas com o setor privado e o estímulo ao voluntariado consolidam o ecossistema do ativismo urbano. 

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Enquete Jovem Pan para esta coluna:



Incluir as pessoas nas deliberações de planejamento dos espaços urbanos é fundamental para construir um futuro mais inclusivo

Mirar na fluidez do transporte individual motorizado e esquecer dos cidadãos revela uma visão anacrônica de planejar o projeto das cidades 

Originalmente publicado Por Helena Degreas para a Jovem Pan News
12/12/2023 11h00 – Atualizado em 12/12/2023 11h09

Passarela flutuante liga o Parque Bruno Covas à ciclovia Franco Montoro – Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

A busca por soluções para os eventos climáticos extremos que incorporem e priorizem a integração da perspectiva de gênero nas diretrizes de projeto e planejamento urbano é o caminho para a construção de cidades sustentáveis. Emergência climática e a injustiça de gênero no acesso aos serviços urbanos é uma das questões transversais que encontra-se na pauta da agenda internacional de discussões urbanas que vem sendo debatidas na 28ª sessão da Conferência das Partes (COP28) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) entre os meses de novembro e dezembro de 2023 na Expo City, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU).

Questões de gênero permeiam como categoria relacional e simbólica as construções sociais, influenciando a qualidade de vida das pessoas. Cidades não são “neutras”, pois materializam valores de grupos sociais que, embora subjetivos, manifestam-se em sua estrutura espacial. Pelas hierarquias e prioridades daqueles que exercem o poder, ruas e bairros vão se modelando, gerando as desigualdades que se apresentam na vida cotidiana. Pesquisadores urbanos afirmam que o viés androcêntrico tem demonstrado falhas significativas na provisão de espaços públicos adequados para atender às necessidades de mulheres de baixa renda e residentes em comunidades onde a autoconstrução é predominante. Mesmo nas condições mais simples, essas mulheres constroem lares, locais onde criam seus filhos, cuidam de seus familiares e se encontram com amigos. Sua vidas e suas tarefas diárias diferem e muito daquelas exercidas pelos homens. “Cidade predominantemente a pé” é uma expressão que resume o cotidiano de todas elas: levar os filhos à escola, comprar algo próximo r cuidar da casa são situações corriqueiras. A qualidade de vida, sob a ótica da sustentabilidade, estabelece uma relação intrínseca entre as condições de vida, o entorno social e o meio ambiente, integrando, em outras palavras, aspectos econômicos, sociais e ambientais, ampliando a compreensão do conceito para além de meros indicadores monetários ou visões rodoviaristas há muito descartadas pelo urbanismo voltado às pessoas em cidades cujos gestores públicos e técnicos urbanos são sensíveis ao tema.

Ao não incorporar ou ignorar aspectos fundamentais da vida cotidiana das pessoas como o cuidado, a distribuição assimétrica de tempo e tarefas ou a violência de gênero enfrentada por mulheres, perde a cidade, perdem as mulheres e deixa-se de investir em nossas crianças e jovens. Essa falta de neutralidade se reflete nas estruturas urbanas que frequentemente ignoram ou excluem as experiências específicas das mulheres, criando ambientes que não são verdadeiramente inclusivos.

Recentemente, tive acesso ao “Relatório dos Acessos ao Parque Linear Bruno Covas Novo Rio Pinheiros,” de autoria do Instituto Caminhabilidade (Laboratório Rio Pinheiros), que descreve como a predominância de decisões conduzidas por homens resulta em cidades desiguais, onde as experiências e necessidades das mulheres são sub-representadas, transformando o Parque Linear Bruno Covas em um estudo de caso em que barreiras de acesso predominam, o que evidencia a falta de adequação das políticas públicas às realidades específicas das mulheres. A pesquisa, realizada em 97 comunidades lindeiras ao parque (em um raio de 2,4 km em toda a extensão do parque das quais 60 comunidades encontram-se num raio de 2,4 km dos acessos existentes), apresenta diagnósticos e soluções para melhorar o acesso das pessoas ao local, considerando a situação de possibilidades de acesso a pé e por bicicletas (entre outubro de 2021 e abril de 2022). Por meio de entrevistas e mapeamentos realizados com as lideranças locais, foram comparados os tempos de deslocamento (a pé, de bicicleta e de transporte público) das comunidades até a entrada do parque mais próxima (Ponte Cidade Jardim e Ponte Laguna), com as distâncias geográficas entre comunidades e o parque (a distância em linha reta da comunidade até a margem do rio). Tão perto, mas tão longe: curiosamente, apesar da proximidade física, as pessoas levam muito tempo para poder alcançar as instalações do parque. De que adianta ver o parque e não conseguir chegar nele? Qual o sentido de investir na construção de um elemento espacial tão importante, que compõe a tão escassa infraestrutura de lazer urbano, se não há entradas suficientes para as pessoas que moram em frente a ele? Desenvolvam o projeto de acesso às comunidades do entorno, por favor. Mirar na fluidez do transporte individual motorizado e esquecer as pessoas? Planejamento e projeto urbanos anacrônicos. Corrijam o equívoco.

A mobilidade urbana é um dos pontos focais destacados no relatório do Parque Pinheiros. A presença limitada das mulheres nas ruas, muitas vezes moldada pelo machismo estrutural, gera uma sensação de insegurança que impacta diretamente a forma como elas se movem e acessam a cidade. As barreiras de deslocamento, frequentemente relacionadas aos padrões de cuidado atribuídos às mulheres, são identificadas como obstáculos significativos ao acesso a empregos e educação. O urbanismo feminista, uma abordagem evidenciada no relatório, surge como resposta a esses desafios. Reconhecendo que uma cidade boa para as mulheres é benéfica para toda a comunidade, esse movimento propõe a caminhabilidade como componente essencial para criar ambientes urbanos mais equitativos. A implementação desses princípios no Parque Pinheiros catalisa mudanças significativas, tornando os espaços mais acessíveis, seguros e promovendo uma participação mais ativa e igualitária na vida urbana.

No âmbito climático, a conexão intrínseca entre uma cidade mais equitativa e a luta contra as mudanças climáticas é evidenciada. O modelo urbano centrado nos carros é desafiado pela ênfase na caminhabilidade e no transporte sustentável propostos no relatório. Reduzir a dependência de veículos motorizados contribui para a diminuição das emissões de carbono, alinhando-se aos esforços globais para enfrentar a crise climática. A criação de espaços multiuso, conforme sugerido no relatório, reduz a necessidade de deslocamentos desnecessários, promovendo a eficiência no uso do espaço urbano e contribuindo para a redução do tráfego e da poluição associada. A parceria estratégica com escolas públicas locais, integrando o parque ao currículo educacional, destaca uma visão holística da sustentabilidade ao educar as gerações futuras sobre a importância da equidade de gênero, acessibilidade e cuidado com o meio ambiente. A formação de grupos de representantes comunitários para decisões mais participativas na construção do parque ressalta a importância do envolvimento da comunidade. Esse processo não apenas promove um senso de propriedade local, mas também assegura que as soluções sejam contextualizadas e verdadeiramente representativas das necessidades da comunidade.

Em resumo, o Parque Pinheiros perde a chance de ser tratado pelas autoridades públicas com políticas inovadoras no âmbito do planejamento urbano ao incorporar a perspectiva de gênero em seu projeto. Ao enfrentar os desafios específicos enfrentados pelas mulheres nos espaços urbanos, o parque não apenas poderia melhorar a qualidade de vida das mulheres e seus filhos, mas também desempenhar um papel vital na construção de cidades mais sustentáveis e justas. Queremos um futuro urbano mais inclusivo, igualitário e ecologicamente consciente? Incluam os cidadãos e as cidadãs nas deliberações de planejamento dos espaços urbanos.

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Aumentar as vagas de estacionamento ao invés de ampliar transporte público? o que é isso, prefeito?

Prédios próximos da Estadão Vila Madalena do Metrô: A lei atual permite que os empreendimentos nos eixos construam “gratuitamente” um número de garagens igual ou inferior ao total de apartamentos, sem que sejam consideradas “áreas computáveis”. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Na contramão das boas práticas de gestão urbana que atuam na direção de construir cidades compactas e resilientes, o prefeito Ricardo Nunes pretende mudar o Plano Diretor estimulando o uso de automóveis justamente onde há oferta de transporte público, ou seja, nas áreas onde já existem corredores de ônibus e estações de metrô. Criar mais vagas para o estacionamento de automóveis particulares na cidade vai contra todas as discussões e ações que foram sendo construídas ao longo de quase duas décadas no que tange às questões de mobilidade urbana com ênfase na integração dos modos ativos de locomoção, na melhoria da qualidade de vida urbana com a criação de espaços públicos verdes e áreas de estar sombreadas, iluminadas e mobiliadas em frente às calçadas para provimento de espaços públicos de qualidade para a fruição dos caminhantes.

A única justificativa plausível para a alteração seria a de atender a demanda do mercado imobiliário (e todo o seu ecossistema) nos eixos de estruturação da transformação urbana. Ignorância ou má fé?

O ecossistêmica composto por empresas imobiliárias e de construção civil entendem que a oferta de vagas para estacionamento de automóveis particulares incentivará a venda dos micro apartamentos. São aquelas unidades habitacionais que em muitos casos são menores do que um quarto de hotel popular. Os estúdios de menos de 20 metros quadrados viraram investimento (fundos imobiliários) de proprietários que, encarando de frente uma bolha imobiliária prestes a explodir, estão desesperados com a possibilidade de perda iminente de seus ativos.

Os efeitos desse dispositivo são visíveis, por exemplo, na Avenida Rebouças e na Vila Madalena, áreas nas quais há uma profusão de obras. Nesses locais, há especialmente um boom de apartamentos pequenos. Em artigo recente publicado pelo Estadão, cerca de 250 mil compactos foram lançados entre 2014 e 2020 ao longo dos eixos de estruturação e transformação urbana. Incentivados pela gratuidade das garagens (áreas não computáveis no coeficiente de aproveitamento), espaços compostos por “estação para preparo de alimentos”, local para dormir proliferaram lembrando muito o boom imobiliário provocado pela construção de flats décadas atrás que deixou vários investidores com um prejuízo razoável vez que não havia tantos locadores para aquele tipo de imóvel.

Lembro-me de quando o plano diretor ainda estava em elaboração. Nele, urbanistas e técnicos municipais depositavam a confiança na construção de uma cidade mais justa em que unidades habitacionais dignas fariam parte de um “estoque” habitacional da municipalidade para compor parte da política habitacional destinada à população de baixo poder aquisitivo não atendida pelo sistema de crédito bancário. A redução na oferta do número de vagas para estacionamento ao longo de eixos de transporte público, pretendia incentivar seu uso juntamente com outros modos de locomoção não motorizada.

Anos depois e regulamentações urbanas várias, o PDE, antes inovador, vai transformando-se num Frankenstein, costurado por interesses diversos do alcaide e dos vereadores de plantão. Em tempo: eleitos pela população.

O que pensam os candidatos à Presidência sobre as questões que envolvem a habitação e o ambiente?

Instituições que representam arquitetos e urbanistas sugeriram 20 propostas sobre esses temas, mas nenhum incluiu ao menos uma delas no programa de governo
  • Por Helena Degreas
  • 20/09/2022 09h00 – Atualizado em 20/09/2022 11h08
Lula, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Simone Tebet, os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência

Fonte: Jovem Pan News

Em carta aberta, as instituições que representam arquitetos e urbanistas sugerem 20 propostas para compor os programas de governo dos candidatos como parte da agenda nacional e regional de desenvolvimento social e econômico, enfatizando a importância do planejamento e projeto das cidades, das intervenções urbanas, do patrimônio e das edificações como meio para alcançar a qualidade e o cuidado com a vida dos cidadãos. Assinaram o documento o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU Brasil), o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA), a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP) e a Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA).

O documento propõe a reconstituição do Ministério das Cidades e a ampliação dos mecanismos de participação popular e dos segmentos técnicos nas discussões e decisões sobre políticas públicas de planejamento urbano e habitação, incluindo o resgate das Conferências e do Conselho das Cidades. Extinta pelo atual governo Bolsonaro, a pasta era composta por profissionais, lideranças sindicais e sociais, ONGs, intelectuais, pesquisadores e professores universitários e foi responsável pela formulação de uma política nacional de desenvolvimento e planejamento urbano em sintonia com Estados e municípios, os poderes de Estado (Legislativo e Judiciário), além da participação da população por meio da criação de instrumentos institucionais que deram voz aos cidadãos, objetivando a integração e racionalização dos investimentos e ações nas cidades. Partem do princípio de que as cidades devem ser pensadas e estruturadas a partir do planejamento territorial, enfatizando que tanto a habitação quanto a mobilidade urbana precisam receber investimentos que priorizem as regiões periféricas e assentamentos precarizados. Para a mobilidade, o documento propõe a criação de mecanismos de financiamento e subsídio ao transporte público urbano a nível local e intrarregional, além do necessário investimento e integração da rede ferroviária e hidroviária. Reforçam a necessidade de políticas de reforma urbana construídas a partir da função social da cidade (habitaçãotrabalholazermobilidadeeducaçãosaúdesegurança, planejamento, preservação do patrimônio cultural e natural, e sustentabilidade urbana) que, listada na Constituição (artigo 182 da Constituição Federal de 88) e regulamentada pelo Estatuto da Cidade (L10257 – Planalto), prevê a recuperação de imóveis vazios em áreas centrais para destinação à habitação e equipamentos comunitários. Em relação à dimensão ambiental, as propostas apresentadas reiteram a necessidade de valorização dos ecossistemas locais no âmbito do planejamento territorial e urbano, fomentando a implementação de infraestrutura verde urbana e espaços públicos inclusivos e saudáveis. O avanço na reforma agrária, bem como a demarcação de terras indígenas, quilombolas, a delimitação de parques nacionais e áreas protegidas são tidas como fundamentais para a preservação e integridade dos ecossistemas brasileiros. Incentivo à pesquisa para a geração e distribuição de novas matrizes energéticas e a adoção de uma visão integrada das políticas de recurso hídricos, saneamento básico, saneamento ambiental e resíduos sólidos atentas à emergência climática e ao passivo ambiental são algumas das várias sugestões encaminhadas pela carta aos presidenciáveis.

Dos programas apresentados pelos quatro primeiros candidatos nas pesquisas de intenção de voto, nenhum deles propôs a recriação do Ministério das Cidades, situação que dificulta a unificação de políticas e programas entre Estados e municípios nas questões habitacionais, de mobilidade urbana e de planejamento territorial e ambiental com vistas à proteção de ecossistemas. Exemplo da visão fragmentada de nossas lideranças políticas é a recente aprovação da municipalização de regras de proteção de rios em área urbana. As várzeas de um rio precisam de proteção desde a nascente, passando pela vegetação que corre ao longo do seu leito até o seu final, quando desemboca em outras águas, quer rios, quer o mar. Como pode uma unidade de água, conhecida por córrego, riacho, rio, corredeira, ser esquartejada em unidades administrativas? Os resultados encontram-se disponíveis em ações relacionadas aos extremos climáticos. 

No programa do candidato Lula é proposta a retomada de garantia ao direito à cidade por meio da reforma urbana por meio de investimentos em infraestrutura de transporte público, habitação, saneamento básico e equipamentos sociais e promovendo o incentivo às cidades criativas e sustentáveis. Embora não esclareça no texto de onde virão os recursos, o candidato propõe criar programas de acesso à moradia por meio de financiamentos adequados a cada tipo de público e, claramente, entende que morar não se resume a um teto, mas ao acesso integral ao ambiente urbano, como escolas, modos diversos de transporte público, saneamento, entre outros serviços públicos. Seu programa está comprometido com a proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais. Como ação de Estado, irá assegurar a posse de suas terras, impedindo atividades predatórias, que prejudiquem direitos adquiridos. Reitera o compromisso por um país inclusivo e acessível, garantindo direitos e respeito a pessoas com deficiência, assegurando o acesso à saúde, à educação, à cultura e ao esporte, e à inserção no mundo do trabalho, rompendo as barreiras do capacitismo. Pretende combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico por meio da recuperação das capacidades estatais, do planejamento e da participação social, fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai. O candidato não esclarece no texto de onde virão os recursos necessários para implantação de suas propostas nem como pretende executá-las em grande parte dos casos.

No programa do candidato Bolsonaro, mantém-se o estado atual, ou seja, o acesso à habitação a partir do programa Casa Verde e Amarela por meio de financiamento com taxas de juro de 4,5% ao ano. Cabe ressaltar que os repasses do governo federal que dão suporte à construção de moradias às pessoas mais pobres preveem redução de 95% nos recursos do Casa Verde Amarela. Seu programa pretende elaborar tópicos que atendam ao necessário planejamento regional, levando em consideração as condições e as peculiaridades de cada região do Brasil, enfatizando que pretende manter o programa de regularização fundiária que vem promovendo e continua descrevendo seus feitos neste tema. Questões relacionadas à necessária integração de políticas e programas habitacionais e de mobilidade, além de questões territoriais e ambientais entre entes da federação, não foram mencionadas. Também não deixa claro, em seu texto, de onde virão os recursos para financiamento de suas propostas tampouco como pretende implantá-los.

O programa do candidato Ciro Gomes propõe ampliar o acesso a serviços básicos, como água limpa e tratada, saneamento, transporte, moradia e iluminação, à cultura e ao lazer. Prevê a regularização fundiária e a escritura da casa e do terreno, além de financiamento para a reforma de moradias populares utilizando a mão de obra da própria família ou da comunidade. Na dimensão ambiental, o programa pretende reduzir o desmatamento, a emissão de gases danosos à atmosfera, e viabilizar o crescimento econômico sustentável, sempre de forma soberana em relação aos demais países. Incentivará a manutenção da floresta em pé, por meio da realização de um zoneamento econômico e ecológico no país, em especial na região amazônica, associando-o à regularização da situação fundiária. Propõe incentivar a produção de energia limpa como a solar, eólica e a baseada na produção de hidrogênio verde, além de contar com a cooperação do setor privado para a geração e comercialização das diversas fontes de energia limpa. Apresenta inúmeras propostas de proteção às mulheres, indígenas, população negra e comunidade LGBTQIA+, aplicando-as, inclusive, em espaços públicos urbanos. Os recursos para subsidiá-las são citados no programa de governo, destacando-se a alteração da carga tributária no país, a junção de impostos, a taxação de grandes fortunas (0,5% sobre fortunas acima de R$ 20 milhões, que poderão gerar cerca de R$ 60 bilhões de receitas), recriação de imposto sobre lucros e dividendos distribuídos (podem gerar cerca de R$ 70 bilhões), entre outros. Em alguns casos, descreve a maneira como pretende implantar suas propostas.                  

A candidata à Presidência Simone Tebet pretende promover a regularização fundiária, com certificação e documentação dos imóveis a todos, reiterando seu compromisso em relação às comunidades indígenas e quilombolas (acelerando a emissão de títulos para povos remanescentes) e dando condições de acesso a diversos serviços de infraestrutura, notadamente aqueles vinculados ao saneamento básico em comunidades urbanas, periurbanas e rurais, além da melhoria da mobilidade nas cidades e entre comunidades por meios de baixo impacto ambiental. Propõe reduzir o déficit habitacional do país, adotando instrumentos como locação social, compra de unidades prontas para morar e aproveitamento de imóveis ociosos nos grandes centros. Seu programa apoia a melhoria da mobilidade nas cidades e regiões metropolitanas, reduzindo as emissões e incentivando opções mais limpas, ao promover a integração dos modais e o bilhete único. Visa implementar todos os direitos previstos na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência em seus 127 artigos e em todas as suas dimensões: combate à discriminação, reabilitação, saúde, educação, moradia, trabalho, assistência social, previdência social, cultura, esporte, turismo e lazer, transporte, mobilidade, acessibilidade, comunicação e informação e acesso à justiça para alcançar a inclusão dos cidadãos brasileiros com deficiências. Não deixa claro de onde sairão os recursos ou como serão realizadas suas propostas.

O breve relato sobre algumas das propostas apresentadas pelos candidatos não incorpora algumas das sugestões propostas pelas instituições que representam arquitetos e urbanistas brasileiros. Lamento muito. As 20 sugestões dos colegas descrevem o que pode ser realizado para romper com o ciclo de construção de uma sociedade injusta e desigual na distribuição de infraestruturas, serviços e equipamentos públicos para uma sociedade com milhões de brasileiros que moram em condições inadequadas espalhados por todo o país. O desmantelamento das políticas habitacionais e ambientais, associadas à desintegração dos programas de planejamento territorial entre entes federativos geraram impactos negativos na vida dos cidadãos, prejudicando sobremaneira as populações mais pobres e vulneráveis. Antes de decidir em quem votar, leiam os programas dos candidatos e tenham a certeza de que de fato serão devidamente representados. Vale também para os candidatos ao Senado, às câmaras e aos governos de Estado.

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