Aumentar as vagas de estacionamento ao invés de ampliar transporte público? o que é isso, prefeito?

Prédios próximos da Estadão Vila Madalena do Metrô: A lei atual permite que os empreendimentos nos eixos construam “gratuitamente” um número de garagens igual ou inferior ao total de apartamentos, sem que sejam consideradas “áreas computáveis”. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Na contramão das boas práticas de gestão urbana que atuam na direção de construir cidades compactas e resilientes, o prefeito Ricardo Nunes pretende mudar o Plano Diretor estimulando o uso de automóveis justamente onde há oferta de transporte público, ou seja, nas áreas onde já existem corredores de ônibus e estações de metrô. Criar mais vagas para o estacionamento de automóveis particulares na cidade vai contra todas as discussões e ações que foram sendo construídas ao longo de quase duas décadas no que tange às questões de mobilidade urbana com ênfase na integração dos modos ativos de locomoção, na melhoria da qualidade de vida urbana com a criação de espaços públicos verdes e áreas de estar sombreadas, iluminadas e mobiliadas em frente às calçadas para provimento de espaços públicos de qualidade para a fruição dos caminhantes.

A única justificativa plausível para a alteração seria a de atender a demanda do mercado imobiliário (e todo o seu ecossistema) nos eixos de estruturação da transformação urbana. Ignorância ou má fé?

O ecossistêmica composto por empresas imobiliárias e de construção civil entendem que a oferta de vagas para estacionamento de automóveis particulares incentivará a venda dos micro apartamentos. São aquelas unidades habitacionais que em muitos casos são menores do que um quarto de hotel popular. Os estúdios de menos de 20 metros quadrados viraram investimento (fundos imobiliários) de proprietários que, encarando de frente uma bolha imobiliária prestes a explodir, estão desesperados com a possibilidade de perda iminente de seus ativos.

Os efeitos desse dispositivo são visíveis, por exemplo, na Avenida Rebouças e na Vila Madalena, áreas nas quais há uma profusão de obras. Nesses locais, há especialmente um boom de apartamentos pequenos. Em artigo recente publicado pelo Estadão, cerca de 250 mil compactos foram lançados entre 2014 e 2020 ao longo dos eixos de estruturação e transformação urbana. Incentivados pela gratuidade das garagens (áreas não computáveis no coeficiente de aproveitamento), espaços compostos por “estação para preparo de alimentos”, local para dormir proliferaram lembrando muito o boom imobiliário provocado pela construção de flats décadas atrás que deixou vários investidores com um prejuízo razoável vez que não havia tantos locadores para aquele tipo de imóvel.

Lembro-me de quando o plano diretor ainda estava em elaboração. Nele, urbanistas e técnicos municipais depositavam a confiança na construção de uma cidade mais justa em que unidades habitacionais dignas fariam parte de um “estoque” habitacional da municipalidade para compor parte da política habitacional destinada à população de baixo poder aquisitivo não atendida pelo sistema de crédito bancário. A redução na oferta do número de vagas para estacionamento ao longo de eixos de transporte público, pretendia incentivar seu uso juntamente com outros modos de locomoção não motorizada.

Anos depois e regulamentações urbanas várias, o PDE, antes inovador, vai transformando-se num Frankenstein, costurado por interesses diversos do alcaide e dos vereadores de plantão. Em tempo: eleitos pela população.

Autor: Helena Degreas

Sou arquiteta e urbanista. Sou curiosa profissional. Gosto de ler, pesquisar, empreender e amo viajar. Sou colunista da Jovem Pan News e do Portal Acesse. Comento sobre cidades. ambientes e acessibilidade do ambiente construído.

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