As cidades estão preparadas para o envelhecimento da população?

texto original publicado aqui

Idoso caminha de bengala em área residencial de Londres

Como no restante do mundo, a longevidade não é apenas uma tendência, é uma certeza.

Organização Mundial da Saúde (OMS) define como idoso o indivíduo com 60 anos ou mais. O mesmo entendimento está presente na Política Nacional do Idoso (instituída pela lei federal 8.842), que assegura os direitos sociais nos âmbitos da saúdetrabalhoassistência socialeducaçãoculturaesporte, habitação e meios de transportes, criando condições para a promoção da autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Já o Estatuto do Idoso (lei 10.741) regula todos os direitos citados, concedendo atendimento preferencial em estabelecimentos públicos e privados e prioridade na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas.

A idade cronológica nada mais é do que uma convenção social que determina quais grupos sociais têm acesso a direitos e políticas públicas. Recentemente, o prefeito Bruno Covas e o governador João Doria alteraram a gratuidade do bilhete único para pessoas entre 60 e 64 anos. Eles argumentaram que se tratava de uma adequação das políticas públicas que incidem nesta faixa etária, a exemplo da ampliação da aposentadoria compulsória no serviço público, que passou de 70 para 75 anos, e a reforma da Previdência, que fixou a idade mínima de 65 anos para aposentadoria dos homens e 62 a das mulheres. Até mesmo o próprio Estatuto do Idoso foi revisado e incluiu uma nova faixa etária: 80+ como prioridade dentro da prioridade, por assim dizer.

Mas o que significa isso em nosso dia a dia nas cidades? Em 2030, o número de idosos no Brasil deve ultrapassar o número de crianças, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, isso representa 14,03% da população, o que equivale a 29,3 milhões de pessoas. É muita gente. Considerando que cerca de 85% da população brasileira vive em cidades, que a longevidade é cada vez maior e que o envelhecimento acontece de forma desigual, a qualidade de vida de todos já está sendo afetada. Maior ou menor grau de dependência nas atividades diárias e isolamento social são alguns dos aspectos mais tristes que vêm ocorrendo com nossos idosos. Não é uma questão relativa apenas à saúde, mas à incapacidade de cuidar de tarefas simples (para os digitais), como pagar uma conta por celular ou ler uma placa de sinalização de rua para localizar-se, por exemplo. Aliás, este assunto será futuramente tratado em outra coluna, mas antecipo uma questão: por que sou obrigada a ler uma placa de rua com aquelas letrinhas miudinhas colocadas na altura adequada para um motorista de ônibus e não para um ser humano?

À exemplo de cidades no mundo, gestores públicos estão conscientes do processo de envelhecimento pelo qual suas cidades estão passando e preparando-se por meio de políticas públicas, programas e ações projetadas para curto, médio e longo prazos. Assim fez Londres. Ainda nos anos de 1980, gestores públicos em todas as instâncias de governo identificaram a redução no ritmo de natalidade, o crescente número de aposentados e problemas de saúde causados pelo sedentarismo dos cidadãos. Como resultado, adotaram programas de incentivo à mobilidade ativa, adaptando toda a infraestrutura de circulação de pedestres ao caminhar das pessoas, melhorando a sinalização viária, trocando pisos e pavimentos e reorganizando tempos semafóricos com o objetivo de evitar gastos públicos com a saúde no século XXI.

As ações adotadas por estes gestores visam ainda hoje ampliar a independência e a liberdade dos indivíduos por meio de um envelhecimento ativo e saudável, prevendo a redução futura da sobrecarga do sistema de previdência, saúde e assistência social, bem como também eventual dependência familiar. As adaptações requerem um processo de planejamento urbano contínuo que pode durar décadas, pois prevê não apenas alterações culturais e comportamentais, mas também interferência direta na forma de projetar e planejar as cidades e as habitações. Para as cidades brasileiras, as ações para atendimento das pessoas idosas são direcionadas para suprir a demanda atual da população. A questão que se coloca é mais complexa, pois determina a previsão das adaptações urbanas necessárias ao longo do tempo visando o envelhecimento ativo, saudável e independente.

Outras formas de pensar a habitação são necessárias, dimensões e programas de atividades precisarão ser repensados. Bairros com usos mistos, nos quais as necessidades do dia a dia podem ser resolvidas a pé, em no máximo 15 minutos, são desejáveis. Programas sociais que incentivem o uso da interação digital podem melhorar a qualidade da informação, da comunicação e da solução de problemas triviais de quem mora na cidade sem a dependência de alguém mais jovem, um filho ou neto, por exemplo, para comprar um produto ou pagar uma conta. E, por fim, desenvolver ações que integrem gerações nos vários ambientes sociais, garantindo que as pessoas continuem ativas, afastando o isolamento por vezes resultante de preconceitos associados à velhice.

Não basta que o poder público faça a zeladoria dos espaços públicos. Tapar buracos, trocar lâmpadas, consertar bancos de praças são assuntos inerentes à manutenção corriqueira e obrigatória do espaço urbano realizadas por agentes públicos. Uma boa ação é analisar dados de longevidade e permanência nos distritos urbanos, avaliando, no tempo, as necessidades de um distrito para daqui a dez, quinze, vinte anos, preparando toda a infraestrutura pública e equipamentos urbanos locais para atender a essa nova demanda lá no futuro. É o que faz a cidade de Nova York, dentre outras cidades estadunidenses. Portanto, oferecer festinhas sociais como bailes e concursos de misses em clubes e centros comunitários para esse grupo etário é bem interessante, mas não o suficiente para manter um indivíduo ativo e independente ao longo da vida. Cidades são feitas por pessoas e para pessoas, portanto cabe aos gestores públicos prever demandas, tendências e utilizar dados estatísticos a favor da qualidade de vida da população no futuro próximo.

Acessibilidade Universal na produção do espaço urbano contemporâneo: requalificação, envelhecimento e os planos de mobilidade urbana do Grande ABC

Resumo Executivo
Esta Nota Técnica apresenta critérios de adaptação das cidades contemporâneas ao processo de envelhecimento da população a partir da adoção de princípios de planejamento da mobilidade urbana com ênfase na acessibilidade universal sob a ótica das discussões que envolvem questões da agenda urbana internacional. Descreve as alterações promovidas nos planos diretores a partir da instituição do Estatuto das Cidades e os impactos sobre o grupo identificado como idoso pela OMS – Organização Mundial da Saúde. Levanta questões sobre mudança de paradigma nos processos de produção e gestão pública dos espaços urbanos ao incluir as populações vulneráveis e mostra breve relato do Grande ABC.

Muito feliz por ter um texto escrito em parceria com o arquiteto e Prof. Enio Moro Junior publicado na Revista Cartas que é fruto das discussões realizadas pelo Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da USCS – Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

Nota Técnica 10

Acessibilidade Universal na produção do espaço urbano contemporâneo: requalificação, envelhecimento e os planos de mobilidade urbana do Grande ABC

Figura 1: O cuidado com a sinalização horizontal e vertical associados à boa manutenção das calçadas é fundamental para a segurança das pessoas. (Foto: autor)

Corre! Olha o farol!

Publicado originalmente em: https://www.portalacesse.com/estatuto-pedestre/

Helena Degreas é arquiteta e atua como professora da Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS. É pesquisadora em Acessibilidade do Ambiente Construído junto ao Grupo de Pesquisas Paisagem & Ambiente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

‘Ville du 1/4h’: bairros resilientes às diferentes etapas da vida

Descrição da imagem #pratodosverem: Um idoso caminha na calçada. Ele usa uma bengala e ao fundo vemos um local organizado e arborizado. Fim da descrição. do governo francês. Fim da descrição.
Cidades precisam ser projetadas para a população em processo de envelhecimento (Foto: Reprodução)

A cidade está preparada para o processo de envelhecimento de sua população? É possível planejar os bairros de tal forma que em algumas décadas seus moradores continuem ativos, independentes e felizes no mesmo lugar?

Hoje falaremos sobre o conceito de ‘Cidade de 15 minutos’ aplicado ao bairro. Dito de outra forma: bairro em que você pode fazer tudo o que precisa a pé. Para quem mora em regiões metropolitanas, o simples ato de sair de casa para ir ao mercado, tomar sol numa praça ou encontrar os amigos em um evento cultural é tarefa difícil pois o trajeto em muitas situações pode levar horas tanto de carro ou transporte público.

No Brasil o debate acerca do envelhecimento da população tomou as manchetes dos meios de comunicação em decorrência da Reforma da Previdência e não deslanchou para o tema que deveria ser objeto de preocupação de políticas públicas no âmbito dos municípios, estados e união: o envelhecimento ativo da população brasileira e a necessária adaptação dos bairros com vistas à independência e à saúde de seus moradores mais velhos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o conceito de Envelhecimento Ativo como o processo de otimização das oportunidades para saúde, participação e segurança que tem como objetivo promover a qualidade de vida das pessoas à medida que envelhecem.

Trata-se de fazer com que os espaços urbanos viabilizem uma convivência mais fácil, mais confortável, agradável e segura para toda a população. É transformar a “cidade dos automóveis” em uma “cidade para pessoas”. Não se trata apenas de uma Cidade Amiga do Idoso. Trata-se de uma cidade para todas as idades. Para todos.

Londres e várias outras cidades europeias iniciaram ainda no século XX, uma série de estudos que geraram planos, programas e projetos visando a adaptação de suas cidades ao envelhecimento de sua população. Não se tratava de resolver questões cotidianas. Tratava-se de levar a cidade de ‘Londres ao futuro’.

Os primeiros diagnósticos apontavam para uma sociedade composta por indivíduos sedentários, obesos e consequentemente mais dependentes dos programas de assistência social e dos equipamentos públicos de saúde. Dirigentes públicos preocupados com a redução das taxas de natalidade e dos altos custos advindos de uma população não produtiva e socialmente dependente, iniciaram políticas, planos, programas e projetos para reduzir a incidência de doenças associadas à obesidade e ao sedentarismo.

Descrição da imagem #pratodosverem: Uma calçada projetada para garantir a segurança de todos os usuários. Fim da descrição.
Lugares para sentar, calçadas em sistema de rede que conectam bairros e lugares públicos facilitando a circulação e jardins sempre bem cuidados são algumas das diretrizes que começaram a ser concebidas pelo poder pública ainda no século 20 com o objetivo de atender as necessidades e o conforto de uma população em processo de envelhecimento (Imagem: Reprodução)

Com isso, políticas públicas de mobilidade urbana foram as responsáveis pelas mudanças físicas na cidade de Londres. A mobilidade ativa ou ainda, a capacidade de locomover-se de um lado para o outro a pé ou de bicicleta virou destaque. Ações para a ampliação e reforma de calçadas, melhoria do transporte público, revisão da sinalização horizontal (placas de rua e totens com letras e imagens que permitem a leitura para quem já não enxerga tão bem assim) e vertical (semáforos com tempo para atravessamento tranquilo para pessoas com mobilidade reduzida) foram aplicados: e continuam sendo com o apoio da população. Décadas depois, a cidade de Londres está envelhecendo como previsto. Sem sustos e com a população ativa, independente e envelhecendo no mesmo bairro confortavelmente.

Descrição da imagem #pratodosverem: Uma placa com letras grandes. Fim da descrição.
Em Paris, a sinalização de rua foi substituída: as antigas placas pequenas localizadas nas esquinas dos edifícios foram substituídas por sinalização à altura do pedestre e instaladas nos gradis e muros externos das edificações. Suas letras são grandes e indicam a rua em que o cidadão se encontra (Imagem: Reprodução)

Dos exemplos mais recentes e marcantes, destacamos o que vem ocorrendo na cidade de Paris. A prefeita Anne Hidalgo lançou sua candidatura à reeleição com o lema ’Cidade de um quarto de hora’ ou ainda, a cidade de 15 minutos. Ela pretende incentivar a existência de comunidades autossuficientes em cada distrito da capital francesa. A independência de sua população do transporte motorizado diminuiria o estresse causado pelo trânsito bem como as taxas de poluição, melhorando a qualidade de vida.

Descrição da imagem #pratodosverem: Ilustração de um projeto do governo francês que mostra a Paris do Futuro. Fim da descrição.
Ilustração que representa a Paris do Futuro. Nela é possível identificar a proposta de governo de Anne Hidalgo. Uma cidade em que os habitantes se locomovam a pé, encontrem-se nas ruas e realizem suas vidas de maneira confortável em ‘um quarto de hora’ (Imagem: Reprodução)

Para tanto, seu plano de governo prevê uma série de incentivos públicos (que também irão gerar empregos locais para os mais jovens) à instalação de mercearias, parques, cafés, equipamentos esportivos, feiras de artesanato local, centros de saúde, escolas e até locais de trabalho a uma curta caminhada ou de bicicleta. Destaca-se a previsão de investimento de cerca de 1 bilhão de euros por ano de governo para a criação de uma rede de micromobilidade com ênfase em ruas pedestrianizadas e na manutenção e embelezamento de praças e jardins.

Em entrevistas, Anne afirma que seu projeto de governo é sobre proximidade, participação, colaboração e ecologia. Destaca que o parisiense se sente como alguém que corre de um lado para o outro e nunca tem tempo para nada e por isso, ela está convencida de que a cidade redesenhada para ser agradável, confortável e funcional para todas as pessoas. Um lugar em bairros e comunidades possam ter cuidados com a saúde, andar, fazer compras, entreter-se em cerca de um quarto de hora a partir de sua casa.

Em seu plano, pode-se ler: ‘Isso levará Paris ao futuro”.

Publicado em: Portal Acesse

Bairros calmos, seguros e confortáveis: o direito de envelhecer dignamente

Este post traz um podcast que trata do direito de envelhecer no lugar que você escolheu para morar. Na rua, no bairro e na cidade que você escolheu. De maneira, confortável, segura e digna.

E o que vem a ser isso?
É o lugar em que tudo que você precisa no dia a dia pode ser realizado a pé em até 15, 20 minutinhos da sua casa.
O podcast é um complemento ao post publicado no Portal Acesse.
No artigo chamado –  ‘Ville du 1/4h’: bairros resilientes às diferentes etapas da vida – falei sobre um conceito contemporâneo conhecido como Cidade de 15 minutos que é tema de discussão da Agenda Urbana Internacional e está vinculado aos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU – Organização das Nações Unidas.
No podcast eu poderia falar também da Cidade Amiga do Idoso mas, quem me conhece, sabe que apesar dos avanços promovidos pela proposta, sou a favor da acessibilidade que segue os princípios de Desenho Universal.
Em outras palavras ou atende a todas as pessoas independente da idade, gênero, etnia, cultura, perfil econômico ou precisa ser repensada para fazê-lo. Fragmentar um bairro em setores que atendem grupos específicos é uma inclusão ruim. Assim, o conceito de cidade a pé, cidade para pessoas, cidade para todos ou cidades e bairros para todas as fases da vida são propostas que vem substituir a cidade pensada para o automóvel. O urbanismo modernista proposto pela Carta de Atenas preconizou a cidade funcional propondo a separação das áreas residencias, de lazer e de trabalho por meio da setorização espacial e do planejamento do uso do solo. A priorização da circulação do automóvel particular, fragmentou a cidade por meio de inúmeras vias expressas. Este documento veio como resposta do ponto de vista dos arquitetos para atender as necessidades de problemas urbanísticos causados pelo rápido crescimento da população nas cidades à época.

Devolver a cidade para as pessoas por meio do redesenho local deve ser prioridade para governantes. O bairro onde moro, aqui em alto de Pinheiros na cidade de São Paulo tem uma população em que a faixa etária predominante é de 50 e poucos anos. Em 2030, cerca de 34% do total dos moradores locais terá por volta de 60 e poucos anos. Ou iniciamos uma revisão do design dos bairros agora, ou em 10 anos estaremos com baixa qualidade de vida.

Preparando as cidades para o envelhecimento da população

Publicado em: Portal Acesse

Descrição da imagem #pratodosverem: Um casal de idosos está andando em uma rua, de mãos dadas. Eles estão com mochilas nas costas. Fim da descrição.
Permitir mais tempo para atravessar a rua incentiva as pessoas mais velhas a sair (Foto: Pixabay)
“Os filhos vão crescendo
E o tempo vai dizendo que agora é pra valer
Os outros vão morrendo
E a gente aprendendo a esquecer”

Em sua canção Envelheço na cidade, Arnaldo Antunes descreve com bom humor, situações do cotidiano de várias pessoas – incluindo, em alguns casos, os próprios leitores deste post. A partir do momento que paramos de crescer, começamos a envelhecer. Ou seja, a partir dos vinte e poucos anos o processo se inicia, mas só fica visível, por volta dos 30…

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais. Ainda estranho esse número… 60… num outro post pretendo falar sobre a geração ageless ou ainda, aquela geração que não tem a idade cronológica apresentada em seu RG.

O Brasil tem mais de 28 milhões de pessoas nessa faixa etária, número que representa 13% da população do país (IBGE). Em 2060, o percentual da população com 65 anos ou mais de idade chegará a 25,5%. Serão 58,2 milhões de pessoas consideradas idosas pela OMS. E aí vai um recado bem sério aos projetistas, designers, arquitetos, engenheiros, planejadores urbanos e formuladores de políticas públicas: ou todos trabalham para preparar os ambientes construídos, ou teremos a imensa maioria da população muito em breve dependente do sistema de saúde público e da previdência social por exemplo.

Estamos envelhecendo e a necessidade de planejar nossas cidades para que as pessoas continuem ativas e independentes deve ser a prioridade.

O envelhecimento é um processo dinâmico e progressivo que leva a alterações bioquímicas, morfológicas, funcionais e psicológicas do ser humano. De certa forma, determina a capacidade de percepção, compreensão e adaptação ao ambiente que nos cerca. Mas para que me preocupar se sou jovem ainda?

“Nem percebi o tempo passar…
não consigo entender as mudanças no espelho”
Autor: Qualquer pessoa daqui a alguns anos

A hora é agora
O nível de civilidade de um país pode ser medido pela qualidade de acolhimento da população oferecida pelos nossos espaços públicos por exemplo. Calçadas lisinhas, amplas, adequadamente iluminadas para passeios noturnos bem como sombreadas para os dias quentes são alguns dos exemplos de boas práticas de projeto urbano que devemos cobrar de nossos políticos.

Cidades agradáveis e aprazíveis são compostas por espaços públicos que acolhem nossos movimentos, comportamentos e expectativas de tal forma que as mudanças que progressivamente vão ocorrendo com as pessoas passem imperceptíveis. São essas pequenas coisas do dia a dia que colaboram com a independência. Será que preciso ter dificuldade para subir no ônibus? Tenho mesmo que reclamar que não consigo enxergar a calçada por que a luz da rua está posicionada para iluminar a via destinada aos carros e não para as pessoas que andam nas calçadas? Quero sentar-me à sombra para descansar um minutinho e só tem banquinho no parque lá longe?

Onde está o problema? Em nós, cidadãos ou nos ambientes e espaços que vivemos e que foram pensados para automóveis? A resposta é clara. Os ambientes são disfuncionais. Simples assim. Nós mudamos nossas cidades e nossos comportamentos diariamente e nossos espaços públicos não acompanham nossas mudanças. Vejam agora com a questão da pandemia da COVID-19. As pessoas precisam estar a cerca de quatro passos de distâncias umas das outras por exemplo> E tem calçada suficiente para isso? Não, não tem. Por que não renunciar às vagas de estacionamento públicas pagas e administradas pela prefeitura e colocar as pessoas para circular também nesses locais? Pessoas contraem Covid-19, adoecem e morrem. Carros não.

As pessoas estão vivendo mais e, como consequência, haverá mais pessoas idosas vivendo nas cidades. Prefeitos, vereadores e secretários deveriam preparar-se para as questões que em breve irão se impor sobre os serviços públicos entendendo que, para além dos problemas, novas oportunidades podem e devem surgir.

Segundo dados do IBGE, em 2043, um quarto da população deverá ter mais de 60 anos, enquanto a proporção de jovens até 14 anos será de apenas 16,3%. Dados do Plano Nacional de Saúde apontam que cerca de 17,3% dos idosos apresentavam limitações funcionais para realizar as atividades instrumentais da vida mais complexas e que envolvem a participação social e que abrange várias ações como a de locomover-se até locais mais distantes dirigindo ou utilizando os meios de transporte público, fazer compras entre outros.

Quais são as decisões que nossos governantes devem tomar diante do envelhecimento populacional? O que podemos cobrar de todos eles já ou nas próximas eleições? Se não buscarmos uma cidadania ativa desde já com lideranças políticas fortes que de fato representem a população que está em processo de envelhecimento, ficaremos reféns de políticas públicas medíocres preocupadas apenas em oferecer festinhas, encontros e saraus para a terceira idade (seja lá o que essa expressão signifique hoje).

Algumas dicas de boas práticas de planejamento urbano que acolhem as mudanças que ocorrem com o processo de envelhecimento:

. As políticas públicas deverão incluir em suas agendas ações que garantam um transporte público mais eficiente e resiliente às necessidades das pessoas. Resiliente é tudo aquilo que se adapta às mudanças.

. Ampliação dos tempos semafóricos: já não se trata mais de discutir buracos na calçada ou a manutenção medíocre dos passeios públicos a que nos acostumamos infelizmente. Quem já não passou pela ridícula situação de sair correndo para atravessar o semáforo da rua onde mora? Precisamos lembrar que daqui a pouquíssimos anos a velocidade do caminhar urbano será reduzida a 3 km/hora; Estudo recente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo constatou que 97,8% da população idosa não consegue caminhar 4,3 km/h, velocidade exigida pelo padrão apresentado pela Companhia de Engenharia de Tráfego CET-SP para os semáforos da cidade. Na média, a velocidade alcançada pelos voluntários com idade superior a 60 anos foi de 2,7 km/h. Aos 80, essa velocidade diminui para 2 km / h.

. Espaços e lugares para relaxar e observar outras pessoas: já perceberam quanto espaço é destinado ao “descanso” dos carros bem ao lado das calçadas? Por que não ampliar as calçadas e criar pracinhas? Não são parklets (estruturas temporárias criadas e mantidas por donos de comércios em frente aos seus estabelecimentos. São ampliações das calçadas com banquinhos, sombras, iluminação e sinalização vertical com caixa de texto legível e na altura do pedestre, lixeiras e cheios de flores coloridas – por que não? Quantas e quantas vagas de estacionamento poderiam ser substituídas para dar espaços a uma cidade projetada para o benefício do bem-estar humano?

. ‘Cidade de 15 minutos‘: trata-se de um movimento que faz parte das discussões da agenda urbana internacional e que pretende reduzir a distância entre pontos de transporte, lojas, bancos, árvores à sombra, banheiros públicos e melhorar as calçadas. É atualmente uma das principais mudanças implantadas nos planos diretores das cidades como Paris, Londres e inúmeras outras no mundo. Você pode realizar compras, passeios, atividades de educação, transações bancárias em até 15 minutos a pé de sua casa.

As cidades precisam mudar para garantir que com o passar dos anos as pessoas continuem a desempenhar um papel ativo na comunidade, não fiquem isoladas e permaneçam independentes e felizes. Afinal, as cidades são feitas pelas pessoas e, para as pessoas.

Termino com a canção Envelheço na cidade, de Arnaldo Antunes, citada na abertura da coluna!

Portal Acesse

Armários na cozinha: por quê tão altos?

Publicado originalmente em:
Portal Acesse

Descrição da imagem #pracegover: Uma mão está tentando alcançar um armário, em cima da geladeira. Fim da descrição.

Nunca passei tanto tempo dentro de casa. Imagino que muitos leitores também estejam nessa mesma situação.

A rotina diária de uma sociedade em situação de isolamento físico e social certamente mudou, e muito, as nossas vidas. Não existe mais o conceito de ‘normal’; o que temos de agora em diante é o ‘normal pós-coronavírus’.

A falta do abraço da mãe, dos filhos, dos netos e dos amigos é parcialmente suprida, mas não substituída, pelos encontros virtuais. Aprenderemos a conviver de outra forma por enquanto.

Mas e na casa? Houve alguma alteração?

No meu caso sim. Mudou a maneira como estou vivendo no meu lar. E essa percepção aconteceu no final de semana quando, ao trocar a geladeira, percebi a dificuldade que tive para alcançar a caixinha que estava sobre o armário. Ela foi projetada para estar lá. Não mudei o modelo, o tamanho, o tipo e nem a marca. Mas… estava horrível. Não entendi naquele momento.

A cozinha foi projetada por profissionais para ter tudo o que é necessário e ser funcional, ou seja:

  • Uma despensa bacana com espaço para armazenar alimentos e a geladeira;
  • Área para armazenamento de eletrodomésticos e demais utensílios;
  • Pia e área de preparação com bancada de trabalho;
  • Área para cozinhar, ou seja, local para colocar fogão, forno e microondas.

Então o que mudou?

Mudou nossa rotina e com ela o uso da casa. Com a quarentena, morar e trabalhar no mesmo lugar já é a realidade de várias pessoas que, como eu, prestam serviços – sou arquiteta e professora. E a casa deverá adaptar-se aos novos usos e rotinas atuais.

Minha tão sonhada ‘cozinha superplanejada atende a todos os manuais de boas práticas de projeto. Só não previu o óbvio: ela foi concebida para atender a um conjunto de atividades de um casal mais jovem, que trabalha fora o dia todo, pede delivery de comida por aplicativos e só volta à noite. Ou seja: está disfuncional para alguém que encontra-se em home office, cozinha em casa porque é mais saudável e econômico e, por causa da pandemia, pouco sai.

Apesar de me considerar nova, o corpo começou a provar algumas limitações antes impensáveis para mim. Eu estou me sentindo ótima, mas minha cozinha envelheceu, coitada…

A foto acima mostra algo que me incomodou. Hoje entendo que ficou disfuncional. Atualmente o acesso às áreas de armazenamento é realizado de forma mais constante. Subir e descer utilizando banquinhos e escadas móveis para ter acesso aos utensílios e aos alimentos além de cansativo é algo que pode eventualmente causar um acidente. E pouco importa a idade. Não funciona mesmo: quando tem portas, colocam-se objetos e coisas que a gente esquece que tem e que muitas vezes nem valor afetivo tem mais. Só estão lá. Guardadas. Armazenadas.

Quando as áreas de armazenamento não têm portas, as partes mais altas podem ser utilizadas para colocar objetos bonitos, coloridos que enfeitam. Lindo numa capa de revista. Na vida real de uma mulher em quarentena, eu diria que servem para acumular pós e gordura… rabugice, mau humor? Pode até ser…

Projetar a partir das atividades da casa em uso, pode ser o caminho para criação de ambientes confortáveis e funcionais. Aos profissionais da área de projeto e de vendas de cozinhas planejadas duas orientações: fale com seus clientes sobre a importância da altura das áreas de armazenamento e sua relação com a manutenção do conforto e da funcionalidade com o decorrer dos anos destacando a questão da segurança. Outro dia ouvi de um colega que o tema envelhecimento ‘não cai bem’ quando tratamos de projetos de arquitetura. Discordo: o que não cai bem é o desconforto e acidentes que possam ocorrer.

Assim, para alguém que, como eu, pretende continuar morando por muitos anos e envelhecer na mesma casa, ficam aqui algumas dicas para áreas de armazenamento dos ambientes de cozinha:

– No lugar dos armários com portas, pense em gavetões com corrediças. Se puder, coloque o sistema ‘soft-touch’ que abre e fecha com um simples toque do corpo. As corrediças possibilitam a abertura total das gavetas com deslizamento suave, preciso e resistente. São confortáveis porque facilitam o acesso e manuseio de objetos. Providenciar também os mesmos gavetões com organizadores para aqueles cantos difíceis que ocorrem em cozinhas em ‘L’ ou ‘U’. Os preços hoje são bem acessíveis e a adaptação é relativamente fácil. Se optar por portas, saiba que para retirar algo do fundo do armário, você precisará ajoelhar-se, curvar o corpo e praticamente entrar nele. Não recomendo.

– Armários sobre a pia e o balcão: lembre-se de que dependendo da altura, a escada móvel é necessária para retirar utensílios ou alimentos que você guardou. Mesmo que o uso seja eventual, é importante que tudo esteja à mão ou ainda, em altura confortável e de fácil manuseio. Para o meu caso, está prevista a retirada dos armários altos e a colocação de uma estante de apoio em altura de fácil acesso sob o balcão para colocar poucos adornos e plantinhas pendentes. Qualquer loja de materiais de construção ou de decoração tem peças prontas para suporte. Algumas delas oferecem a customização a partir das necessidades do cliente. São peças baratas, de boa qualidade e com retorno funcional garantido.

Estas orientações para a compra de armários de cozinha para fins de armazenamentos de utensílios ou para despensa podem ser testadas em lojas de venda de móveis por qualquer pessoa e não dependem de conhecimento técnico. Boa sorte fique de olho na segurança e no conforto!

Helena Degreas é arquiteta e atua como professora da Universidade de São Caetano do Sul – USCS. É pesquisadora em Acessibilidade do Ambiente Construído junto ao Grupo de Pesquisas Paisagem & Ambiente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

 

 

 

A idade cronológica define um idoso?

 

Perrault1

Figura 1: Por Gustave Doré – http://bit.ly/2Pl1x4v, Domínio público, http://bit.ly/2Pl1iGR

Num mundo repleto de desafios que governos e populações precisam vencer diariamente, existe um que, apesar de previsível, é sistematicamente esquecido, embora certo para todos: como manter-se ativo, produtivo e saudável apesar das consequências que o famigerado processo de envelhecimento traz ao corpo e ao intelecto?

Pela primeira vez na história a mais da metade da população mundial tem a possibilidade de viver mais de 60 anos e esta situação impacta cidades, edifícios, sistemas de saúde, assistência social e orçamentos públicos.

Como governos e pessoas vem tratando este assunto?

Redigido pela Organização Mundial da Saúde – OMS, agência da Organização das Nações Unidas – ONU responsável pelas diretrizes que organizam as discussões de uma agenda internacional que trata das questões de saúde, o Relatório Mundial sobre Envelhecimento e a Saúde aponta respostas a estes desafios e recomenda mudanças na maneira de formular políticas para o envelhecimento da população e na prestação de serviços públicos.

A imagem que temos dos idosos muitas vezes foi construída lá na infância. Dos desenhos animados que assistimos na TV ou nos nas imagens que ilustram os livros infantis, os idosos são retratados como indivíduos frágeis, de cabelinhos brancos e cabelo preso, curvados utilizando bengalas…

Suposições e percepções construídas que carecem de fundamentação científica, geram discussões sobre estereótipos obsoletos e vem pautando as questões sobre os idosos. Quem já ne se viu pensando numa pessoa mais velha como a imagem acima que ilustra os contos dos irmãos Grimm?

Se não existe uma “pessoa típica”, então não há como associar um “idoso” ou o “velho” utilizando a imagem “típica” dos desenhos animados e contos.

Somos todos AGELESS!

Figura 2: Com seus 97 anos, Iris Apfel é uma das mulheres mais famosas e inspiradoras do mundo da moda. O sucesso nos negócios e a fama só aconteceram depois dos seus 80 anos. mesmo com a mobilidade reduzida, é uma mulher ativa e permanece no comando de suas empresas ainda hoje.

Rastejar, gatinhar, ficar em pé, aprender a andar, correr, pular, nadar e tantas outras habilidades desenvolvidas até a vida adulta, começam a modificar-se com o passar dos anos.

E mais: dados empíricos apontam que a perda das habilidades e capacidades do corpo e do intelecto estão apenas parcialmente relacionadas à idade cronológica. A diversidade resultante no âmbito da saúde dos idosos não é aleatória e nem sempre se aplica a todo o grupo “acima de 60 anos” por exemplo.

As habilidades e necessidades baseiam-se em eventos que ocorreram ao longo da vida. Embora a longo prazo a maioria das pessoas idosas sofra vários problemas de saúde, a velhice não implica necessariamente dependência. O relatório aponta que, o contrário do que se crê, o envelhecimento tem menor influência nas despesas com saúde do que outros fatores, como o alto custo de novas tecnologias médicas e demais prestações de serviços associados a estas tecnologias.

Há oportunidade de redirecionar as discussões levando-as para o campo das oportunidades a partir de uma série de ações concretas que podem ser adaptadas para uso em países de todos os níveis de desenvolvimento econômico.

A agenda internacional de discussões contemporânea sobre o tema enfatiza o envelhecimento saudável e a independência funcional. É uma discussão muito maior do que àquela associada à ausência de doença. Os maiores gastos encontram-se na promoção da capacidade funcional do corpo e do intelecto para a manutenção da dignidade e da independência. A abordagem deve ser concentrada na revisão dos sistemas de saúde de um modelo puramente curativo para um modelo de prestação de um cuidado integral focado nas necessidades dos idosos.

Cabe aos governos rever sua concepção de envelhecimento e criar políticas públicas, projetos, programas e ações que invistam nas adaptações necessárias para a construção de um mundo favorável a todas as fases da vida.

O que penso da minha idade cronológica? “Velha é a vovozinha ageless”! uma vida é pouca para tudo o que desejo realizar!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Age-friendly world: ou ainda, cidades para todas as fases da vida

Fonte: “- pondering” by Jack Kurzenknabe is licensed under CC PDM 1.0 

Ambientes favoráveis ao envelhecimento são aqueles que influenciam e oferecem experiências e oportunidades positivas à vida urbana em qualquer idade ao reconhecer e incluir em seu planejamento que tanto o corpo quanto a mente mudam com o passar dos anos. Incorporam na concepção de seus projetos e ações as mudanças pelas quais corpo e intelecto passam numa fase mais madura da vida, entendendo que os cidadãos têm o direito de viver física e socialmente no lugar que escolheram de forma ativa, produtiva, segura, autônoma, digna enfim.

Para atender à crescente demanda por cidades que atendam às expectativas dos idosos, a Organização Mundial da Saúde – OMS criou um programa direcionado à promoção de ambientes que favoreçam um envelhecimento saudável e ativo. Denominado Age-Friendly World, o programa é adotado por mais de mil cidades em 40 países que compõem uma Rede Global de Cidades e Comunidades favoráveis ao processo de envelhecimento, conhecidas no Brasil como Cidades Amigas do Idoso. Vale ressaltar que o termo Age-Friendly World carrega um conceito mais profundo que não se restringe apenas à população idosa. Trata-se de conceber, planejar, projetar, desenhar cidades para atender a todas as idades e fases da vida de indivíduos, famílias e comunidades.

Ser membro do programa ou receber o Certificado da OMS não significa que as cidades tenham adaptado seus ambientes de forma parcial ou plena. É um reconhecimento dado ao compromisso assumido pela governança local para adaptar a cidade às diretrizes da rede mundial.

Dentre as diretrizes do programa da OMS, destacam-se as ações que devem atender aos oito domínios ou ainda boas práticas para o exercício da vida cotidiana em cidades e que podem impactar na qualidade de vida e saúde da população. São eles:

• Espaços ao ar livre e edifícios;
• Transportes;
• Habitação;
• Participação social;
• Respeito e integração social;
• Participação cívica e emprego;
• Comunicação e informação;
• Apoio da comunidade e serviços de saúde.

Além destes 8 domínios ou práticas e ações, mais uma categoria foi incorporada:

Escolhas locais

Em nosso próximo post, falaremos sobre este e outros assuntos vinculados ao urbanismo e à adaptação e projeto de nossas cidades para todas as fases da vida.

 

 

Podcast comentado do post: O design das cidades está se adaptando ao envelhecimento da população?

Neste podcast, falo sobre o processo de envelhecimento da população brasileira e sobre a necessidade urgente de revermos nossa forma de pensar, conceber e realizar planejamento urbano e projetos de ambientes construídos.

Se quiser conhecer o post, o link está logo aqui:

Melhorando com a idade? Como o design das cidades está se adaptando ao envelhecimento da população