Prédios próximos da Estadão Vila Madalena do Metrô: A lei atual permite que os empreendimentos nos eixos construam “gratuitamente” um número de garagens igual ou inferior ao total de apartamentos, sem que sejam consideradas “áreas computáveis”. Foto: Taba Benedicto/Estadão
Na contramão das boas práticas de gestão urbana que atuam na direção de construir cidades compactas e resilientes, o prefeito Ricardo Nunes pretende mudar o Plano Diretor estimulando o uso de automóveis justamente onde há oferta de transporte público, ou seja, nas áreas onde já existem corredores de ônibus e estações de metrô. Criar mais vagas para o estacionamento de automóveis particulares na cidade vai contra todas as discussões e ações que foram sendo construídas ao longo de quase duas décadas no que tange às questões de mobilidade urbana com ênfase na integração dos modos ativos de locomoção, na melhoria da qualidade de vida urbana com a criação de espaços públicos verdes e áreas de estar sombreadas, iluminadas e mobiliadas em frente às calçadas para provimento de espaços públicos de qualidade para a fruição dos caminhantes.
A única justificativa plausível para a alteração seria a de atender a demanda do mercado imobiliário (e todo o seu ecossistema) nos eixos de estruturação da transformação urbana. Ignorância ou má fé?
O ecossistêmica composto por empresas imobiliárias e de construção civil entendem que a oferta de vagas para estacionamento de automóveis particulares incentivará a venda dos micro apartamentos. São aquelas unidades habitacionais que em muitos casos são menores do que um quarto de hotel popular. Os estúdios de menos de 20 metros quadrados viraram investimento (fundos imobiliários) de proprietários que, encarando de frente uma bolha imobiliária prestes a explodir, estão desesperados com a possibilidade de perda iminente de seus ativos.
Os efeitos desse dispositivo são visíveis, por exemplo, na Avenida Rebouças e na Vila Madalena, áreas nas quais há uma profusão de obras. Nesses locais, há especialmente um boom de apartamentos pequenos. Em artigo recente publicado pelo Estadão, cerca de 250 mil compactos foram lançados entre 2014 e 2020 ao longo dos eixos de estruturação e transformação urbana. Incentivados pela gratuidade das garagens (áreas não computáveis no coeficiente de aproveitamento), espaços compostos por “estação para preparo de alimentos”, local para dormir proliferaram lembrando muito o boom imobiliário provocado pela construção de flats décadas atrás que deixou vários investidores com um prejuízo razoável vez que não havia tantos locadores para aquele tipo de imóvel.
Lembro-me de quando o plano diretor ainda estava em elaboração. Nele, urbanistas e técnicos municipais depositavam a confiança na construção de uma cidade mais justa em que unidades habitacionais dignas fariam parte de um “estoque” habitacional da municipalidade para compor parte da política habitacional destinada à população de baixo poder aquisitivo não atendida pelo sistema de crédito bancário. A redução na oferta do número de vagas para estacionamento ao longo de eixos de transporte público, pretendia incentivar seu uso juntamente com outros modos de locomoção não motorizada.
Anos depois e regulamentações urbanas várias, o PDE, antes inovador, vai transformando-se num Frankenstein, costurado por interesses diversos do alcaide e dos vereadores de plantão. Em tempo: eleitos pela população.
É necessária a participação das pessoas que moram nas regiões com infraestrutura precária, ou seja, nas periferias; cidadãos podem enviar propostas de forma digital até o dia 30 de maio
Por Helena Degreas
11/05/2021 09h00 – Atualizado em 11/05/2021 09h28
Helena DegreasSecretário municipal de Urbanismo e Licenciamento, César Azevedo, afirmou que pretende transformar São Paulo em uma cidade mais inclusiva por meio do aprimoramento do plano diretor estratégico
Em entrevista concedida ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan, nesta segunda-feira, 10, o secretário municipal de Urbanismo e Licenciamento, César Azevedo, afirmou que pretende transformar São Paulo em uma cidade mais inclusiva por meio do aprimoramento do plano diretor estratégico. Para isso, foi contratada sem licitação uma consultoria (instituição sem fins lucrativos cujo nome ainda é desconhecido), que irá realizar estudos e diagnóstico sobre eventuais mudanças que nortearão as alterações do plano. O secretário citou também consultas a um grupo de professores universitários — considero a ideia interessante, embora ainda não saiba quem são os pesquisadores convidados e sua relevância no cenário das discussões sobre as políticas públicas urbanas — e acrescentou comentários sobre a importância da participação dos cidadãos em todo esse processo. A plataforma digital Plano Diretor SP foi lançada em 10 de abril e seguirá aberta até o dia 30 de maio para receber propostas sobre a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) em 2021.
Não entendi muito bem o que o secretário quis dizer com “cidade inclusiva”. É um conceito bem amplo, mas me pareceu bom. Só é preciso avaliar de que forma se dará a inclusão. Lembrei-me do meu querido Professor Milton Santos que não cansava de repetir em suas aulas: “Cidade é infraestrutura”. E, acrescentando pensamentos de urbanistas contemporâneos, a cidade é feita pelas pessoas e para as pessoas. Mais inclusivo, impossível. Revisões sistemáticas de Planos Diretores são necessárias para que as cidades possam adequar-se às necessidades das populações. E, para que as demandas possam ser atendidas, é fundamental a participação do público. As cidades materializam as relações sociais de diferentes grupos que nelas vivem. Neste ponto, é importantíssima a representatividade nas decisões sobre as propostas de revisão acerca das questões que tratam de emprego e moradia, mobilidade, ambiente e clima, saneamento urbano, riscos urbanos, atendimento a populações vulneráveis, entre tantos outros temas, que são de fundamental importância, pois nortearão as diretrizes de intervenção nas cidades e a alocação de verbas para a sua materialização.
Em função da crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, as reuniões presenciais dos grupos sociais que representam os cidadãos que moram nas regiões com infraestrutura precária, ou ainda, na “quase-cidade” serão, de certa forma, prejudicadas. Explico: o debate digital demanda acesso à internet, infraestrutura (computadores, por exemplo) e, principalmente, recursos financeiros para ter alcance a tudo isso. Um estudo realizado pela Fundação Seade (2019) mostra que as desigualdades entre “cidade e quase-cidade” ou ainda, centro e periferias, são profundas. Nas regiões urbanas em que prevalece uma população mais vulnerável, o acesso à internet é realizado com conexão de baixa velocidade (56%), com uso exclusivo de celulares (67%) e mais: 25% desta população nunca navegou pela rede.
Secretário, com este quadro, como é que esses cidadãos conseguirão participar da consulta digital? Com baixa participação, a proposta de inclusão é irrealizável. Entendo que seja o poder público o responsável por abraçar uma diretriz que gere mudanças no setor de telecomunicações, em especial, nas áreas periféricas, incluindo milhares de pessoas. Em várias cidades europeias e norte-americanas o cidadão comum tem acesso à internet em praças, parques, ônibus, trens, metrôs, equipamentos escolares, centros culturais e museus, ou seja, consegue ter a informação por meio de uma rede gratuita e pública. Não li nada sobre o assunto nas principais propostas. Enquanto isso não acontece, ampliar os prazos para a revisão faz-se prioritário. Ao entrar na plataforma que faz um resumo das principais sugestões realizadas até agora, li que a prefeitura pretende levar em “consideração a cidade real” por meio da “atenção especial” para as áreas distantes das regiões centrais. Toda a cidade é real. O texto está confuso. O problema é que alguns poucos grupos, em especial o setor imobiliário e da construção civil, são organizados, participam ativamente da revisão e decidem quais diretrizes são prioritárias, definindo desta forma para onde serão destinadas as verbas da cidade.
Você pretende participar da revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo?
Os secretários e demais participantes da revisão do PDE devem ter percebido que a maior parte do território urbano (para além da região da Avenida Paulista e Faria Lima) é constituída por bairros e comunidades cujo crescimento ocorre à margem das leis urbanas e, por esta razão, têm uma aparência desordenada, estão repletos de casas autoconstruídas e favelas que se espalham ao longo dos córregos, por exemplo. Neste caso, entendo que a revisão deva considerar a “cidade real” onde moram milhões de cidadãos que encontram-se excluídos do acesso aos equipamentos públicos e da infraestrutura urbana. Se for esta a proposta, é uma excelente notícia, pois milhares de pessoas que ocupam lotes à margem da lei terão o direito real de propriedade por usucapião seja ele individual, seja ele coletivo. Por este instrumento, os novos proprietários terão direito à instalação de infraestrutura urbana como transporte público, escolas, hospitais e postos de saúde, segurança e áreas verdes, por exemplo.
Para aqueles que, como eu, residem e trabalham na “cidade irreal” (aquela dotada de infraestrutura pública) e que não receberão uma “atenção especial”, sugiro que também participem da revisão do PDE. Eu já estou participando. Meu bairro tem inúmeros problemas que são de responsabilidade da prefeitura de São Paulo. Preciso saber se estas questões serão prioridade nos próximos anos e se terão verbas disponibilizadas para a sua execução. Outro tema citado na entrevista do secretário trata da “diminuição das distâncias” para se alcançar a “cidade inclusiva”. Mobilidade na cidade de São Paulo é um assunto que atormenta a vida de todos. Várias entidades que representam os cidadãos nas questões de mobilidade ativa apresentaram propostas reivindicando, dentre outras ações, a elaboração de diagnóstico da estrutura da gestão da mobilidade anão motorizada na cidade. Em outras colunas, reiterei o fato de que pedestres andam por toda a cidade, quer em calçadas, quer atravessando ruas, em locais inadequados, além de aguardar por tempos semafóricos longos.
Comentei também sobre os problemas criados por uma estrutura de gestão fragmentada e caótica, que ocorre sobre os espaços destinados à circulação dos pedestres, uma vez que as decisões sobre as intervenções não são unificadas. A criação de um órgão com poder de gestão e deliberação que administre os inúmeros espaços públicos destinados a toda a pessoa que caminha a pé e circula de modo não motorizado na cidade é desejável e necessário. Caminhar a pé, locomover-se de bicicleta, skate, cadeira de rodas, por exemplo, mesmo que por um trajeto curto, é algo que todo o cidadão faz e deveria realizá-lo de forma segura. Esperar que dezenas de órgãos se reúnam para criar um plano de ação para zelar pelo bem-estar daqueles que circulam a pé nas cidades é inviável. A reivindicação destas organizações certamente transformará São Paulo numa cidade inclusiva, como deseja o secretário. Como urbanista e como cidadã, meu sonho é que prefeitos, secretários, vereadores e técnicos trabalhem firmemente no propósito de extinguir as desigualdades visíveis entre áreas centrais (dotadas de infraestrutura) e periféricas (com infraestrutura precária) transformando, por fim, São Paulo numa cidade de fato inclusiva.
Favorecer o estacionamento de automóveis enquanto pessoas se aglomeram nas calçadas por falta de espaço não parece ser uma boa prática de gestão para um problema sanitário como o desta pandemia
Helena Degreas/Jovem PanA cidade de São Paulo tem 50.712 vagas na rua para veículos
Você já parou para pensar quanto espaço ocupam osautomóveis estacionados nas ruas da sua cidade? Cada vaga rotativa convencional (carros de passeio) ocupa cerca de 11 m² de rua. Parece pouco espaço, mas não é. Na cidade de São Paulo, as primeiras vagas de estacionamento rotativo pago foram implantadas em meados da década de 1970 em áreas comerciais e de serviços em regiões centrais. Naquela época, as cidades ainda eram planejadas utilizando-se os preceitos modernistas centrados no fluxo de veículos. Não haviatransporte coletivo suficiente para todos os cidadãos (realidade de hoje ainda, infelizmente), e o Metrô ainda estava no início de sua implantação. Foi apenas em 1972 que um protótipo de composição de trem realizou a primeira viagem entre as estações Jabaquara e Saúde. A operação comercial ocorreu dois anos mais tarde.https://3892796372e2b2e23d20db8b338b407a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Meio século depois, os novos Planos Diretores propõem a revisão do conceito de mobilidade urbana ao incluir os modos não motorizados como bicicleta e a pé, além da ampliação da oferta de transporte coletivo público e sua integração. Os Planos de Mobilidade municipais apontam programas e ações para a sua implementação, que exigirão de prefeitos a reconfiguração dos espaços livres públicos localizados nos sistemas viários, em especial, aqueles destinados ao estacionamento rotativo em vias públicas. As cidades precisam ser pensadas para quem nelas vive. Donald Shoup, professor e pesquisador em planejamento urbano da UCLA, em seu livro “The High Cost of Free Parking” (ou, numa tradução livre, O Alto Custo do Estacionamento Grátis), afirmou que os resultados de suas pesquisas para as cidades americanas apontaram que cerca de 30% do fluxo de veículos em ruas comerciais são apenas de motoristas procurando vagas para estacionar, fato este que aumenta os problemas de poluição, congestionamento, acidentes e tempo perdido no trânsito.
Acredito que os resultados não sejam tão diferentes dos daqui. Só para se ter uma ideia, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) opera 50.712 vagas sendo 45.006 de Zona Azul Convencional, 2.118 destinadas a Zona Azul Caminhão, 1.020 para pessoas com deficiência física e/ou mobilidade reduzida (DeFis), 2.494 para idosos e 74 para Zona Azul Fretamento. Desconheço o método utilizado para o cálculo de vagas de estacionamento rotativo oferecidas nas regiões servidas por transporte público, mas conheço bem a necessidade de prover calçadas ampliadas para distanciamento social da população em época de pandemia, como estão fazendo prefeitos de cidades que estão preocupados com a saúde da população e a erradicação dos efeitos nefastos do Covid-19 em famílias e no sistema de saúde público.
A dimensão mínima para uma vaga destinada para Zona Azul Convencional é de 11,0 m², ou ainda as 45.006 reunidas ocupam cerca de 495 mil m². Se fossem contabilizados todos os espaços livres públicos utilizados como estacionamentos não pagos de veículos nas cidades brasileiras os números seriam ainda mais assombrosos. É muita área utilizada para benefício de motoristas e dos seus carros. Em 10 m², é possível morar numa área urbana com transporte público coletivo, comércios e serviços próximos. Em 2017, uma incorporadora e construtora inovou e lançou apartamentos de dimensões reduzidas localizados em eixos de estruturação da transformação urbana na cidade de São Paulo, atendendo a regulamentação urbanística vigente e que orientava a produção imobiliária ao longo das vias atendidas por transporte público. A proposta era a de criar uma cidade adensada, compacta, em que moradias, serviços, comérciose transporte estivessem numa distância de no máximo 15 minutos a pé. Foram construídas inúmeras moradias e, dentre elas, microapartamentos de 10 m², ou seja, menores do que as vagas de estacionamento convencional da CET.
A título de curiosidade, deixo aqui o resultado de uma busca que fiz em um site que vende imóveis em diversas regiões de São Paulo. Um miniapartamento com 10 m² de área no centro da cidade pode ser encontrado atualmente por cerca de R$ 190 mil. Cabe nele um sofá-cama para dormir, que pode transformar-se num local para sentar e assistir TV, por exemplo; uma estação para preparar alimentos composta por micro-ondas, cooktop de duas bocas, frigobar, pia e armários para guardar poucos utensílios; uma bancada estreita de uso múltiplo, que pode servir como mesa de trabalho ou local para refeições; um banheiro bacana e um guarda-roupas, além de vários elementos decorativos. É muita área.
E se você pudesse escolher, o que você colocaria em 495 mil m² na cidade? Se essas vagas fossem minhas e se eu pudesse escolher, certamente ampliaria as estreitas calçadas em áreas comerciais, substituindo o estacionamento convencional rotativo pago durante o período de pandemia. Proteger as pessoas é o que se espera de prefeitos. A ampliação das calçadas pode ser realizada com tinta no chão utilizando-se as técnicas do urbanismo tático. Essa solução já e adotada para as pistas cicláveis. Que se faça o mesmo com as calçadas, ampliando-as. No espaço de estacionamento de um automóvel, duas pessoas poderiam conviver com o afastamento físico adequado para evitar (juntamente com as demais medidas sanitárias) a transmissão do coronavírus. Em outras palavras, onde estacionam 45 mil carros poderiam circular 90 mil pessoas com segurança.
O distanciamento social em áreas públicas é o “novo normal” nas cidades. Exemplos no mundo não faltam. Numa atitude radical, o prefeito Bill de Blasio anunciou no começo da pandemia um plano para ampliar as áreas públicas destinadas a pedestres e ciclistas de Nova York, transferindo veículos motorizados para novas rotas. De uma hora para a outra, a cidade ganhou mais de 160 km de espaços livres para o público. O espaço público precisa prover segurança e acolhimento sempre, mas, em tempos de pandemia, torna-se prioritário. Favorecer o estacionamento de automóveis enquanto pessoas se aglomeram nas calçadas por falta de espaço não me parece uma boa prática de gestão para um problema sanitário como o que estamos enfrentando hoje. As cidades precisam ser redesenhadas pensado na saúde e no bem-estar em quem nelas vive: seus cidadãos.
ENQUETE: Você permitiria a ampliação das calçadas sobre as vagas de estacionamento na rua durante a pandemia para melhorar as condições de afastamento social e proteger a população do contágio?
A idade cronológica nada mais é do que uma convenção social que determina quais grupos sociais têm acesso a direitos e políticas públicas. Recentemente, o prefeito Bruno Covas e o governador João Doria alteraram a gratuidade do bilhete único para pessoas entre 60 e 64 anos. Eles argumentaram que se tratava de uma adequação das políticas públicas que incidem nesta faixa etária, a exemplo da ampliação da aposentadoria compulsória no serviço público, que passou de 70 para 75 anos, e a reforma da Previdência, que fixou a idade mínima de 65 anos para aposentadoria dos homens e 62 a das mulheres. Até mesmo o próprio Estatuto do Idoso foi revisado e incluiu uma nova faixa etária: 80+ como prioridade dentro da prioridade, por assim dizer.
Mas o que significa isso em nosso dia a dia nas cidades? Em 2030, o número de idosos no Brasil deve ultrapassar o número de crianças, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, isso representa 14,03% da população, o que equivale a 29,3 milhões de pessoas. É muita gente. Considerando que cerca de 85% da população brasileira vive em cidades, que a longevidade é cada vez maior e que o envelhecimento acontece de forma desigual, a qualidade de vida de todos já está sendo afetada. Maior ou menor grau de dependência nas atividades diárias e isolamento social são alguns dos aspectos mais tristes que vêm ocorrendo com nossos idosos. Não é uma questão relativa apenas à saúde, mas à incapacidade de cuidar de tarefas simples (para os digitais), como pagar uma conta por celular ou ler uma placa de sinalização de rua para localizar-se, por exemplo. Aliás, este assunto será futuramente tratado em outra coluna, mas antecipo uma questão: por que sou obrigada a ler uma placa de rua com aquelas letrinhas miudinhas colocadas na altura adequada para um motorista de ônibus e não para um ser humano?
À exemplo de cidades no mundo, gestores públicos estão conscientes do processo de envelhecimento pelo qual suas cidades estão passando e preparando-se por meio de políticas públicas, programas e ações projetadas para curto, médio e longo prazos. Assim fez Londres. Ainda nos anos de 1980, gestores públicos em todas as instâncias de governo identificaram a redução no ritmo de natalidade, o crescente número de aposentados e problemas de saúde causados pelo sedentarismo dos cidadãos. Como resultado, adotaram programas de incentivo à mobilidade ativa, adaptando toda a infraestrutura de circulação de pedestres ao caminhar das pessoas, melhorando a sinalização viária, trocando pisos e pavimentos e reorganizando tempos semafóricos com o objetivo de evitar gastos públicos com a saúde no século XXI.
As ações adotadas por estes gestores visam ainda hoje ampliar a independência e a liberdade dos indivíduos por meio de um envelhecimento ativo e saudável, prevendo a redução futura da sobrecarga do sistema de previdência, saúde e assistência social, bem como também eventual dependência familiar. As adaptações requerem um processo de planejamento urbano contínuo que pode durar décadas, pois prevê não apenas alterações culturais e comportamentais, mas também interferência direta na forma de projetar e planejar as cidades e as habitações. Para as cidades brasileiras, as ações para atendimento das pessoas idosas são direcionadas para suprir a demanda atual da população. A questão que se coloca é mais complexa, pois determina a previsão das adaptações urbanas necessárias ao longo do tempo visando o envelhecimento ativo, saudável e independente.
Outras formas de pensar a habitação são necessárias, dimensões e programas de atividades precisarão ser repensados. Bairros com usos mistos, nos quais as necessidades do dia a dia podem ser resolvidas a pé, em no máximo 15 minutos, são desejáveis. Programas sociais que incentivem o uso da interação digital podem melhorar a qualidade da informação, da comunicação e da solução de problemas triviais de quem mora na cidade sem a dependência de alguém mais jovem, um filho ou neto, por exemplo, para comprar um produto ou pagar uma conta. E, por fim, desenvolver ações que integrem gerações nos vários ambientes sociais, garantindo que as pessoas continuem ativas, afastando o isolamento por vezes resultante de preconceitos associados à velhice.
Não basta que o poder público faça a zeladoria dos espaços públicos. Tapar buracos, trocar lâmpadas, consertar bancos de praças são assuntos inerentes à manutenção corriqueira e obrigatória do espaço urbano realizadas por agentes públicos. Uma boa ação é analisar dados de longevidade e permanência nos distritos urbanos, avaliando, no tempo, as necessidades de um distrito para daqui a dez, quinze, vinte anos, preparando toda a infraestrutura pública e equipamentos urbanos locais para atender a essa nova demanda lá no futuro. É o que faz a cidade de Nova York, dentre outras cidades estadunidenses. Portanto, oferecer festinhas sociais como bailes e concursos de misses em clubes e centros comunitários para esse grupo etário é bem interessante, mas não o suficiente para manter um indivíduo ativo e independente ao longo da vida. Cidades são feitas por pessoas e para pessoas, portanto cabe aos gestores públicos prever demandas, tendências e utilizar dados estatísticos a favor da qualidade de vida da população no futuro próximo.
ENQUETE: Você acha que as cidades estão preparadas para o envelhecimento da população?
Rotatórias, minirrotatórias e demais sistemas de sinalização do tráfego de automóveis têm o potencial de melhorar as condições estéticas locais e ainda colaborar com a absorção de águas
Por Helena Degreas
02/03/2021 09h00 – Atualizado em 02/03/2021 09h40
Helena Degreas/Jovem PanRotatórias ajardinadas embelezam as vias e ajudam a absorver água das chuvas
As cidades enfrentam problemas relacionados à baixa capacidade de absorção das chuvas desde que o processo de urbanização adotado por nossa civilização assumiu a impermeabilização do solo por meio do uso de asfalto e do concreto como critério de ocupação do território. É como a água que usamos para regar um jardim: ela é absorvida pela terra. O pavimento utilizado para ruas e avenidas reduziu a capacidade de infiltração das águas pluviais. Como a água não tem por onde se infiltrar, o resultado é o escoamento superficial de um volume imenso que se acumula quadra a quadra e se transforma em enxurradas e inundações que, nas cidades, causam risco à integridade física das pessoas e danos materiais.
Para captar, transportar e drenar a água das chuvas, o poder público municipal instala e mantém um conjunto de tubulações (galerias pluviais). Diferentemente do sistema de esgoto, as águas das chuvas não recebem tratamento específico e são direcionadas para os rios e córregos, podendo contaminar a local. Paralelamente, a necessidade de reduzir os custos do processo de urbanização leva prefeituras a adotarem, em seus planos diretores, estratégias e diretrizes para o adensamento populacional em bairros que dispõem de equipamentos públicos como escolas, hospitais e redes de transporte, mas onde há poucas pessoas morando e trabalhando. Um problema que pode surgir nestes casos é a capacidade de drenagem da infraestrutura instalada, que foi configurada para atender zoneamentos, densidade populacional e eventos climáticos (chuvas torrenciais que vêm ocorrendo sistematicamente nos últimos anos) de décadas passadas. PUBLICIDADE
Repensar a forma como as cidades vêm sendo construídas pode levar a soluções criativas e de baixo custo. Para além dos piscinões, é possível utilizar áreas de orientação de tráfego de veículos como rotatórias e faixas de sinalização viária como jardins, retirando a capa de asfalto e permitindo a infiltração das águas das chuvas. A foto que ilustra esta coluna foi tirada em um bairro predominantemente residencial na cidade de São Paulo, que, com o objetivo de reduzir a velocidade dos automóveis em seus cruzamentos e assegurar a travessia segura dos pedestres, teve implantadas rotatórias e demais sinalizações de segurança. População, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e subprefeitura foram responsáveis pelo ajardinamento destes locais, que contam com a parceria de empresas e da população residente para a gestão da manutenção. Rotatórias ajardinadas sobre o asfalto não são novidade nas cidades brasileiras. A iniciativa para o ajardinamento destes locais é solicitada predominantemente pela população e realizada em parceria com secretarias ou subprefeituras, como no caso da cidade de São Paulo desde meados dos anos 2000. Algumas funcionam como vasos, outras têm capacidade de infiltração apenas e algumas atuam como jardins de chuva, não obedecendo a um critério específico.
Se essa solução de baixo custo for tratada como programa de governo ou política pública municipal que compõe as ações de microdrenagem urbana inseridas no contexto que trata da necessidade de constituição de um plano de gestão de infraestrutura verde, como os realizados por cidades que adotaram a sustentabilidade como diretriz, seus resultados teriam o poder de impactar positivamente na qualidade da vida, reduzindo as consequências provenientes das enxurradas e inundações, melhorando as condições microclimáticas e atuando para além do ajardinamento viário com finalidade estética.
Se essa solução de baixo custo for tratada como programa de governo ou política pública municipal que compõe as ações de microdrenagem urbana inseridas no contexto que trata da necessidade de constituição de um plano de gestão de infraestrutura verde, como os realizados por cidades que adotaram a sustentabilidade como diretriz, seus resultados teriam o poder de impactar positivamente na qualidade da vida, reduzindo as consequências provenientes das enxurradas e inundações, melhorando as condições microclimáticas e atuando para além do ajardinamento viário com finalidade estética.
ENQUETE: Você concorda com o plantio de árvores e flores nas rotatórias da sua cidade?
Prefeitura determina que donos de imóveis se responsabilizem por conservação e manutenção dos pavimentos urbanos, mas esses serviços deveriam ser feitos por uma autarquia.
Por Helena Degreas
23/02/2021 09h00 – Atualizado em 23/02/2021 09h36
Helena Degreas/Jovem PanDegraus altos em calçada da zona oeste dificulta a mobilidade
O leitor já deve ter percebido que caminhar pelas cidades brasileiras é um ato de coragem. Os calçamentos são geralmente sofríveis. Perdoe-me Carlos Drumond de Andrade, mas no meio do caminho o pedestre encontrará não apenas uma pedra, mas também um buraco, um bueiro solto, uma tampa fora do lugar, bancas de jornal, lixeiras, postes com fios pendurados de todas as empresas prestadoras de serviços urbanos… E quem cuida disso? A prefeitura? O cidadão? Essa é a questão. Citei as calçadas como se em todos os bairros, mesmo naqueles mais distantes das regiões centrais, o calçamento existisse. Quem já teve o privilégio de viajar para cidades de países próximos ao Brasil deve ter observado que os pisos têm um padrão uniforme, são lisinhos, bem cuidados. A mesma qualidade pode ser encontrada nos equipamentos públicos, mobiliário urbano e na distribuição da vegetação pelas calçadas.https://3076e2066e9aeb4502c0bcc0a16c521a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Por que os locais por onde circula toda a população brasileira é tão malcuidado? Em algum momento, todas as pessoas irão colocar o pé na calçada. Ir à banca, passar na farmácia, comprar algo da padaria da esquina, tomar o ônibus, levar uma criança para tomar sol, o seu pet para passear ou mesmo sentir o vento no rosto e ver gente na rua: são comportamentos rotineiros para as pessoas e que são realizados a pé ou em cadeira de rodas, com ajuda de muletas por exemplo; mais cedo ou mais tarde, mesmo os mais fanáticos por seus carros, em algum momento também sentirão o prazer de andar pelas ruas de suas cidades. Mas até os bairros mais ricos apresentam calçadas, em muitos casos, vergonhosas…PUBLICIDADE
No dicionário, a calçada é descrita como “caminho ou rua com pavimento de pedra”. E foi assim que tudo começou por aqui. Pedra para calçar as ruas de terra e proteger os pedestres. Todas as cidades têm suas histórias e respectivas datas, mas, aqui em São Paulo, as primeiras calçadinhas foram feitas no século XVII, quando a cidade ainda era uma província. Sua função era muito importante: proteger as casas da água e da lama que resultavam das fortes enxurradas. Só isso. Para ilustrar a situação, recorro a um pequeno objeto em ferro fixado no chão e colocado logo à entrada das casas mais antigas. Alguns já devem ter visto. O tal objeto servia para limpar o barro da sola dos sapatos dos visitantes e moradores antes de entrar na casa. Em várias cidades, e apesar de existir há muitos anos, o objeto permanece útil e funcional ainda hoje.
À título de exemplo, cito a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), vinculada à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo. Sozinha, ela responde por 14 manuais que tratam da sinalização urbana. Cada uma delas deve ter procedimentos e ações próprias para cumprir com o padrão de qualidade de seus serviços. Como organizar essa situação? Embora em praticamente todo o país a responsabilidade pelas calçadas seja do munícipe, pergunto-me como é possível que indivíduos sejam capazes de cuidar de todos os agentes públicos que atuam e intervêm diretamente no espaço em frente ao seu imóvel. Como garantir padronização das larguras e uniformidade quanto ao tipo e qualidade de piso utilizado se o munícipe escolhe a partir de seus interesses? Como garantir que uma calçadinha seja responsável por todos os caminhos e situações pelos quais um pedestre passa ao longo de suas caminhadas? Respondo: não é possível.
Para resolver a situação, o prefeitoBruno Covas promulgou o decreto nº 58.611, de 24 de janeiro de 2019, que tem como objetivo padronizar as calçadas de São Paulo. Ficaram definidos como responsáveis pelas obras e serviços relativos à implantação, conservação e manutenção de calçadas os proprietários, possuidores de títulos de propriedade e condomínios. As permissionárias que anteriormente citei deverão reparar os danos causados às calçadas após realizado o serviço. O munícipe deve seguir o conjunto de documentos e manuais que estão disponíveis no site da prefeitura. Por experiência própria, posso afirmar que os reparos destas empresas são inadequados. Calçadas acessíveis, com guias rebaixadas localizadas nos pontos adequados ao atravessamento de cidadãos vulneráveis, pisos homogêneos com identidade visual estabelecida pela prefeitura, implantação de postes para iluminação adequada — tanto para o automóvel quanto para o pedestre—, localização adequada de tapumes de obras, bancas de jornal, lixeiras, sinalização de ruas e organização de todas as tampas de serviços das diversas empresas permissionárias e concessionárias, por exemplo, deveriam ser realizadas por uma autarquia responsável pela qualidade do espaço público, incluindo nele não apenas as calçadas, mas todas as áreas em que circulam pedestres e ciclistas.
Para que isso aconteça, faz-se necessário o planejamento de um Sistema de Circulação de Pedestres como aquele previsto pelo Plano de Mobilidade de 2015. Andar a pé ou por meio de rodinhas demanda uma infraestrutura complexa, que envolve uma série de componentes que não se esgotam na Cartilha de Calçadas Acessíveis ou ainda no decreto promulgado pelo atual prefeito. Os componentes do Sistema de Mobilidade para Pedestres são compostos por calçadas, vias de pedestres (calçadões), faixas de pedestres e lombofaixas, transposições, passarelas e sinalização específica. Mais adiante, o artigo Art. 221 (Plano Diretor da Cidade de São Paulo, em seu Título 3 – Da Política e dos Sistemas Urbanos e Ambientais) define uma série de ações estratégicas que são de responsabilidade da prefeitura, destacando-se a definição de rotas (Rede de Mobilidade a Pé) para a implantação da padronização dos componentes do sistema de circulação de pedestres em locais de intenso fluxo com o objetivo de melhorar o acesso e deslocamento de qualquer pessoa com autonomia e segurança e, por fim, integrar o sistema de transporte público coletivo com o sistema de circulação de pedestres por meio de conexões entre modais de transporte, calçadas, faixas de pedestre, transposições, passarelas e sinalização específica, visando a plena acessibilidade ao espaço urbano construído. A circulação segura do pedestre depende da qualidade de todos os componentes que estão previstos no Sistema de Circulação de Pedestres definido pelo Plano Diretor e que ainda não estabeleceu a Rede de Mobilidade a Pé. Aguardamos por políticas públicas e verbas que, para além da PEC Emergencial, que visa melhorar as condições das calçadas, também defina políticas, planos e ações práticas para os pedestres da cidade de São Paulo.
‘Projetos antimendigos’ representam uma espécie de limpeza social urbana cujo objetivo é expulsar grupos de cidadãos indesejados que, destituídos de todos os seus direitos, vivem em estado de miséria absoluta
Por Helena Degreas
09/02/2021 09h00
Helena DegreasO último censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2019 aponta que a população de rua na cidade de São Paulo é de 24.344
Instalar pedras sob viadutos, chuveirinhos que borrifam água sob marquises ou espetos de aço sobre superfícies impedindo o uso do espaço público são atitudes que simbolizam a hostilidade social para com as pessoas. Nada disso é novidade. Basta olhar ao seu redor para encontrar vários exemplos pelas ruas da cidade. Mas, quando a ação inexplicavelmente vem de um agente público, o fato, além de condenável, mostra que a prefeitura não gosta dos seus cidadãos e intervém de forma agressiva para evitar comportamentos considerados “inadequados” por aqueles que deveriam zelar pelo bem-estar da população. Dito de outra forma, tanto dos paralelepípedos da gestão Haddad quanto os jatos de água provenientes dos caminhões-pipa e os muros inclinados das gestões Serra/Kassab/Doria foram, e ainda são, soluções que colocam em prática os famigerados “projetos antimendigos”. Representam uma espécie de limpeza social urbana que tem o objetivo expulsar grupos de cidadãos indesejados que, destituídos de todos os seus direitos, vivem em estado de miséria absoluta na capital financeira da América Latina. “Regras higienistas” colocadas em prática por várias gestões municipais.
Todas essas ações expõem a incapacidade das prefeituras de oferecer as ferramentas sociais necessárias para que grupos vulneráveis, no caso os cidadãos em situação de rua e em condições de miséria, estejam capacitados a tomar parte da vida comunitária, permitindo-lhes usufruir da igualdade de direitos e benefícios que a cidade pode e deve oferecer a todos indistintamente. Integração e reintegração social deveriam ser as palavras-chave para as ações da prefeitura. Por fim, apresenta um quadro em que as políticas públicas destinadas à moradia e geração de renda como prevenção à situação de rua não estão sendo aplicadas de maneira eficaz, pois não alcançam os grupos vulneráveis. O último censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2019 aponta que a população de rua na cidade de São Paulo é de 24.344, e após a recessão provocada pelos efeitos da paralisação das atividades econômicas provocadas pelos protocolos sanitários adotados pelos municípios que compõem o Estado de São Paulo, estes números foram ampliados. Para o Padre Júlio Lancelotti, que na semana passada literalmente quebrou a marretadas as pedras instaladas sob os viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, localizados na Avenida Salim Farah Maluf, zona leste de São Paulo pela zeladoria municipal, a população está subestimada. O número de pessoas que residem nas ruas é muito maior. PUBLICIDADE
O padre Júlio Lancelotti está coberto de razão. Sem poder arcar com os custos de aluguéis, resta ao cidadão o espaço público, espécie de “vazio urbano que se transforma em moradia, espaço criado para construir suas experiências e vivências, lugar de vida para aqueles que não tem lugar numa sociedade” comenta o Arquiteto Antônio Busnardo Filho, professor e pesquisador em Teoria e Crítica da Arquitetura e Urbanismo da UNIVAG. Em resumo: a rua é um lar e, ao retirar seus pertences e jogar jatos de água, a zeladoria obedece a ordens de secretarias e do prefeito. Tem ordens para limpar o lugar, destroem a casa de alguém. Neste caso em especial, a prática adotada pela Prefeitura de São Paulo “para aqueles que não têm lugar na sociedade”, pretendia desencorajar o abrigo de pessoas sem abrigo. Esconder cidadãos miseráveis dos olhos das pessoas no lugar de acolhê-los? Transformá-los em invisíveis sociais? Como pode? Isso é inaceitável. Se um agente público coloca pedras sob um viaduto para afastar “mendigos”, é porque nem ele acredita mais na eficácia das políticas públicas sociais adotadas pela atual gestão municipal.
Quem são estas pessoas? São cidadãos paulistanos sem condições de acesso a programas de renda, saúde, moradia, educação e trabalho. Os chamados “mendigos” abrigam-se onde podem se abrigar. Trata-se de um público que encontra-se em condições de extrema pobreza, quando não de miséria. São pessoas que podem apresentar comprometimentos mentais e dependência química e que demandam tratamento no âmbito da saúde. Em alguns casos são famílias que, ou foram constituídas na rua, ou são recém-chegadas à rua e encontram-se nesta situação por estarem desempregadas, desocupadas, sem renda para custear seus lares. A formulação de políticas públicas para inclusão e reintegração de grupos sociais formados por cidadãos (crianças, adolescentes, jovens, idosos, famílias inteiras) que recorrem à sobrevivência por meio da mendicância requer urgência do prefeito de São Paulo. São seres humanos que precisam da atenção dos agentes públicos para se reintegrarem à sociedade. Nenhum deles escolheu morar nas ruas, tampouco escolheu não ter acesso aos seus direitos como cidadão. Aguardo ansiosamente que, ao retirar as pedras sob o viaduto, o prefeito de São Paulo Bruno Covas mostre que tem vontade política de enfrentar as complexas questões que levam à exclusão social e à miséria milhares de paulistanos. Que apresente aos mais de 24 mil cidadãos em situação de rua que ele está empenhado em resgatar a dignidade e os direitos desse grupo formado por pessoas e famílias em situação socialmente vulnerável.
O calor que estamos sentindo e as inundações provocadas pelas chuvas fortes são consequências do desequilíbrio causado pela forma como estamos modificando os recursos e os sistemas naturais do planeta
Por Helena Degreas
02/02/2021 14h22 – Atualizado em 02/02/2021 14h48
Foto: LECO VIANA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO 01/01/2021 – 17:53Aumento da temperatura do planeta vem se intensificando desde a década de 1980
Nos últimos dias, os moradores das cidades brasileiras vêm sentindo os efeitos das altas temperaturas. Dias muito quentes, abafados, seguidos de chuvas muito fortes que alagam toda a cidade, causando riscos à vida de todos. Os dias ensolarados do verão vêm acompanhados de calor extremo e sensação térmica superior à temperatura registrada pelos termômetros, dificultando as atividades diárias da população. O aumento da temperatura do planeta vem se intensificando desde a década de 1980. Centenas de cientistas que compõem o Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima (IPCC) apresentaram em 2018 um relatório especial no qual propõem que todos os países que se comprometeram com o Acordo de Paris (incluindo o Brasil), adotem como meta limitar o aumento da temperatura global entre 1,5˚C e 2˚C. Parece pouca diferença, mas no dia a dia das pessoas o resultado é catastrófico, pois causa destruição, mortes, perdas materiais e sofrimento a milhões de pessoas em todo o mundo.
O calor que estamos sentindo nos últimos dias e as inundações provocadas pelas chuvas fortes são consequências do desequilíbrio causado pela forma como estamos modificando os recursos e os sistemas naturais do planeta. O desafio que se coloca é o da necessidade de mudança de paradigma no planejamento das cidades: como fazer isso unindo aspectos ecossistêmicos, técnicos, sociais e econômicos? É possível construir cidades melhores com energias renováveis, reflorestamentos urbanos e implantação de áreas permeáveis ajardinadas para absorver a água das chuvas e sombrear calçadas e praças, reduzindo a temperatura nos espaços públicos e evitando inundações? Existem vários exemplos de prefeitos em cidades espalhadas pelo mundo que já estão colocando em prática ações concretas e criativas para minimizar os efeitos do clima como temperaturas altas e inundações.
Recentemente, a prefeitura cidade de Los Angeles nos Estados Unidos criou o programa de StreetsLA que pretende, num período de 5 anos, reformular o espaço público tornando-o resiliente aos eventos climáticos por meio de ações simples, como o plantio de milhares de árvores ao longo das calçadas, praças e parques sombreando a cidade. A prefeitura da cidade de Chicago criou incentivos para a implantação de telhados verdes que, além de colaborarem no conforto térmico e acústico dos edifícios, também reduzem os impactos das ilhas de calor nas cidades. Por sua vez, a cidade de Hong Kong levou o conceito de cidades-esponja ao extremo: pretende absorver e armazenar até 70% da água pluvial em 20% da área urbana. O governo chinês considera inadmissível que um líquido que “cai de graça do céu” seja desperdiçado com inundações e gere mortes e destruição. O objetivo do programa é: menos asfalto, menos concreto e mais lagos, mais parques. Está construindo parques alagáveis, telhados verdes, calçamentos permeáveis e praças-piscina. O que estas cidades cujos exemplos citei têm em comum? A vontade política para realizar obras comprometidas com as questões ambientais globais. A capacidade de compreender que estamos todos no mesmo planeta e, aquilo que afeta um país, afetam todos os demais. A disseminação de vírus como dengue, zika, chikungunya e, mais recentemente, o coronavírus, que vem matando milhares de pessoas só no Brasil, está diretamente relacionado às questões ambientais de âmbito global, por exemplo.
São gestores públicos solidários à causa – prefeitos, governadores e presidentes que têm o compromisso de reduzir a temperatura global, os riscos que afetam a vida e a economia das populações, em especial, a dos países mais vulneráveis. Escrevi anteriormente que o Brasil tem leis, normas, manuais, regulações ambientais exemplares e que foram, no passado, referências para o desenvolvimento de políticas ambientais para diversos países. Alguns planos diretores municipais, como no caso de São Paulo, tem expressas desde 2014 as diretrizes de planejamento urbano que devem ser adotadas para que a cidade seja resiliente ao clima. Prefeito Bruno Covas: melhore a qualidade de suas ações ambientais. Não se resolvem questões climáticas, chuvas e altas temperaturas com a construção de piscinões apenas. Se ao menos os piscinões fossem equipamentos públicos projetados para serem alagáveis, como o Parque alagável Yanweizhou, na cidade de Jinhua, na China, a solução poderia seria mais adequada para uma cidade do tamanho e da importância econômica de São Paulo. É preciso um discurso menos conservador e planos mais abrangentes para tratar a questão. Conhecimento para realizar as ações necessárias o corpo técnico da prefeitura de São Paulo tem, e de sobra. Falta vontade política para disponibilizar recursos financeiros para ações que podem evitar os impactos negativos que já vem ocorrendo no dia a dia da população.
Pesquisas mostram crescimento do número de pessoas que se locomovem a pé ou de bicicleta, mas a prioridade nas intervenções urbanas ainda é do automóvel
Por Helena Degreas 26/01/2021 11h00 – Atualizado em 26/01/2021 15h16
Helena Degreas/Jovem PanPedestres andam sobre faixa destinada a ciclistas em uma calçada no centro de São Paulo
Recentemente, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da Prefeitura de São Paulo implantou uma nova ciclovia com 281 metros de extensão ao longo doviaduto Nove de Julho, no lado par, viabilizando o acesso das pistas existentes nas ruas Santo Antônio, Consolação e Quirino de Andrade à entrada da estação Anhangabaú (linha 3-Vermelha do Metrô). Embora bem-vinda e necessária, a implantação da ciclovia sobre as calçadas — uma ampliação da mobilidade da população na cidade — ainda demonstra que a prioridade das intervenções realizadas pela secretaria ainda é do automóvel. O compartilhamento está previsto em leis, normas e manuais, mas, ainda assim, fica a questão: por que colocar a ciclovia sobre a calçada e não repensar o dimensionamento das faixas dedicadas aos automóveis? Será que a prioridade ainda é do carro?
A pesquisa Origem Destino do Metrô de São Paulo mostra que são realizadas cerca de 42 milhões de viagens diárias na região metropolitana de São Paulo. Com o objetivo de colaborar com a leitura e visualização da base dados da pesquisa, realizada em 2017, a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo e o Instituto Multiplicidade Mobilidade Urbana desenvolveram uma tabela. Das viagens citadas, 31,8% foram realizadas a pé e 0,9% de bicicleta. Ou seja, a pesquisa com base domiciliar mostra que para ir ao trabalho, à escola e às compras (os três principais motivos), um terço dos deslocamentos é feito por pedestres e ciclistas. Se hoje fosse realizado um novo levantamento sobre os modos de locomoção na cidade, os resultados certamente apresentariam um cenário diferente — os dados sobre deslocamentos a pé e por bicicleta seriam mais robustos. PUBLICIDADE
As consequências resultantes da pandemia levaram não apenas ao afastamento social da população como protocolo sanitário, mas também elevou o número de desempregados graças ao pífio desenvolvimento econômico nacional. A bicicleta apresentou-se como alternativa para redução dos gastos de transporte e geração de renda complementar, com o crescimento de entregas de mercadorias por bicicletas em todo o país. A Associação Brasileira do Setor de Bicicletas apontou, em pesquisa realizada entre 15 de junho e 15 de julho do ano passado, um crescimento de 118% em comparação ao mesmo período de 2019. Por sua vez, a pesquisa Viver em São Paulo: Especial Pandemia, realizada pela Rede Nossa São Paulo, mostra que, como consequência da pandemia, 38% da população entrevistada continuará a se deslocar mais a pé e que e 20% pretendem usar mais a bicicleta no dia a dia depois que o isolamento social não for mais necessário. Resumindo, não haverá calçadas suficientes para tantos pedestres e ciclistas.
Ampliar os modos de locomoção a pé e de bicicleta nas cidades é parte das discussões que compõem a agenda urbana internacional que trata de políticas para a construção de cidades e comunidades sustentáveis e de populações saudáveis, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dados das duas pesquisas mostram uma tendência que não tem mais volta: o modo ativo, ou seja, aquele realizado por locomoção a pé e de bicicleta, veio para ficar em nossas cidades. As pesquisas já mostram que pedestres e ciclistas realizam mais viagens diárias do que automóveis particulares e que a tendência é de incremento do modo ativo nos espaços públicos. Nossas calçadas, quando existem, são estreitas para o fluxo de pessoas e têm manutenção ruim, como mostra o relatório da campanha Calçadas do Brasil do Portal de Mobilidade Urbana Sustentável Mobilize.
Por esta ótica, é possível afirmar que todos os prefeitos da região metropolitana de São Paulo deveriam investir na construção, reformas e manutenção de calçadas para melhor acolher seus cidadãos. A afirmação também é válida para a construção, remodelação e reforma do sistema cicloviário. Se a prioridade é melhorar a mobilidade da população, a eliminação ou a redução das faixas de rolamento destinadas aos automóveis deveria ser a prioridade. O compartilhamento dos espaços ocorreria apenas em situações extremas, em que alternativas viárias são inexistentes. Desconheço o método e os instrumentos aplicados para o caso da implantação da ciclovia sobre a calçada do viaduto Nove de Julho. Um olhar mais apurado junto ao local aponta que o volume de pessoas circulando ao longo da semana é significativo por se tratar de uma área repleta de instituições públicas. A convivência harmoniosa entre pedestres e ciclistas pode não ocorrer da forma como se espera. É possível que o compartilhamento transforme-se em disputa de espaço público.
Já as faixas de rolamento destinadas aos automóveis permanecem intactas, evidenciando aos pedestres e ciclistas sua autoridade e preferência sobre o espaço urbano. As políticas públicas e suas ações ainda mostram que se algum compartilhamento tiver que ocorrer na cidade, será entre ciclistas e pedestres nos espaços públicos que restaram do sistema viário. Nos automóveis, ninguém mexe. Ao recém empossado secretário municipal de Transportes, desejo um excelente trabalho. E que, em suas ações, tanto pedestres quanto ciclistas recebam não apenas a sua atenção especial, mas também a destinação de verbas adequadas à realização de mais calçadas e pistas cicláveis, tornando sua locomoção segura e eficaz. Numa cidade em que o poder público prioriza o coletivo na sua forma de planejar, os seus espaços são compartilhados por todos os cidadãos. É uma cidade mais justa.
Se você não é jovem, saudável e sem deficiências, provavelmente já passou pela estressante situação de apostar corrida contra o semáforo na capital paulista
Por Helena Degreas
19/01/2021 09h00
Helena Degreas/Jovem PanCidadãos apertam o passo para conseguir completar a travessia em uma rua de São Paulo
Para aqueles que são adultos jovens, saudáveis e sem deficiências, atravessar a rua com o tempo semafórico destinado aos pedestres nos cruzamentos da cidade de São Paulo é moleza. Basta acelerar um pouco o passo e você chega na outra calçada rapidamente. Para os demais cidadãos, a história pode ser bem diferente. Quantos metros você anda por segundo? Você consegue atravessar o semáforo de pedestres sem correr preocupado com um eventual atropelamento? Qual dos leitores já passou pela situação estressante de correr para atravessar a rua e perceber que o farol destinado ao pedestre ficou vermelho e você ainda não chegou do outro lado da calçada? Isso acontece porque os semáforos ajustam o tempo para evitar congestionamento de veículos. Dito de outra forma, não estão planejados para atender a velocidade de deslocamento das pessoas.https://53b1b23af142c0c538a0845591c7743b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html
Um estudo realizado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) constatou que 97,8% das pessoas com mais de 60 anos da cidade de São Paulo não conseguem atravessar a rua no tempo dos semáforos. Essa situação por si só é muito grave, pois amplia o risco de atropelamento que resulta em óbito. Levantamento realizado pela prefeitura do município aponta que os idosos representam cerca de 15% da população paulistana e são as principais vítimas de atropelamentos. Para esse grupo, o caminhar é mais lento, a mobilidade vai ficando cada vez mais reduzida. As mortes que ocorrem em travessias próximas a hospitais, igrejas, centros de saúde e em bairros onde predominam uma população mais velha são previsíveis. Trata-se de estatística e georreferenciamento urbano. Novamente, cito a plataforma GeoSampa, que mapeia todos os acidentes na cidade. Sugiro uma consulta.
A mobilidade reduzida não é resultado apenas do processo natural de envelhecimento da população. Ela inclui também as crianças pequenas, que obviamente não andam na velocidade de adultos, os usuários de cadeiras de rodas, que locomovem-se em condições especiais e ainda sofrem com a falta de manutenção das ruas, as pessoas carregando carrinhos e até gente que, como eu, andam com a “cabeça nas nuvens” ou distraídas com o celular na mão. A pesquisa apontou que os idosos caminham a 2,7 quilômetros/hora ou ainda, 0,75 metros/segundo. O tempo de programação dos semáforos foi planejado para 1,2 metros/segundo ou, ainda, 4,3 quilômetros/hora pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP), em média. Com estes números, fica claro que alcançar a outra calçada caminhando tranquilamente é inviável dependendo do grupo do qual você faz parte. Para melhorar as condições de caminhabilidade, foi lançado ano passado, em São Paulo, o Estatuto do Pedestre, que prevê várias ações que deverão ser adotados pelos órgãos municipais responsáveis. O estabelecimento de metas e cronogramas fica a critério dos órgãos envolvidos. Depende de prioridades políticas que associam verbas às metas e ações. Dentre as diretrizes apresentadas no estatuto, destaca-se a requalificação do sistema semafórico com a ampliação dos tempos para travessia em locais com grande concentração de pedestres e a inclusão de equipamentos com sinal sonoro, tão comum em outros países. Apesar de previsto, o plano ainda encontra-se em processo de implantação.
O Sr. Élio Bueno de Camargo é um dos vários membros que representam os interesses dos pedestres na cidade de São Paulo junto à Câmara Temática de Mobilidade a Pé (Rede Butantã). Nas reuniões mensais, ele cobra da prefeitura um papel ativo e mais ágil na solução dos problemas que envolvem os semáforos da cidade, defendendo que os tempos semafóricos sejam ajustados às necessidades da população em todo o território da cidade, e não apenas ao fluxo de veículos. Em relação às mortes por atropelamento, salienta que é necessária uma ação pública mais descentralizada na prevenção dos acidentes, já que ocorrem em todo o território urbano.
Cidades como Londres e Barcelona ampliaram o tempo semafórico destinado ao pedestre visando reduzir o risco de atropelamentos da população em geral. A velocidade adotada é de 0,9 metros/segundo para todos os semáforos. Essa e outras inciativas estão previstas nos planos de mobilidade e são, portanto, prioridade dos prefeitos. A população está envelhecendo e é desejável que o caminhar do cidadão seja tratado de maneira diferenciada. A priorização de políticas e ações voltadas à revisão da infraestrutura que envolve a mobilidade das pessoas é fundamental para uma cidade que pretende zerar as mortes por atropelamento.