Vamos quebrar o asfalto e plantar árvores? Soluções para chuvas podem ser criativas e de baixo custo

Rotatórias, minirrotatórias e demais sistemas de sinalização do tráfego de automóveis têm o potencial de melhorar as condições estéticas locais e ainda colaborar com a absorção de águas

  • Por Helena Degreas
  • 02/03/2021 09h00 – Atualizado em 02/03/2021 09h40

Helena Degreas/Jovem PanRotatórias ajardinadas embelezam as vias e ajudam a absorver água das chuvas

As cidades enfrentam problemas relacionados à baixa capacidade de absorção das chuvas desde que o processo de urbanização adotado por nossa civilização assumiu a impermeabilização do solo por meio do uso de asfalto e do concreto como critério de ocupação do território. É como a água que usamos para regar um jardim: ela é absorvida pela terra. O pavimento utilizado para ruas e avenidas reduziu a capacidade de infiltração das águas pluviais. Como a água não tem por onde se infiltrar, o resultado é o escoamento superficial de um volume imenso que se acumula quadra a quadra e se transforma em enxurradas e inundações que, nas cidades, causam risco à integridade física das pessoas e danos materiais

Para captar, transportar e drenar a água das chuvas, o poder público municipal instala e mantém um conjunto de tubulações (galerias pluviais). Diferentemente do sistema de esgoto, as águas das chuvas não recebem tratamento específico e são direcionadas para os rios e córregos, podendo contaminar a local. Paralelamente, a necessidade de reduzir os custos do processo de urbanização leva prefeituras a adotarem, em seus planos diretores, estratégias e diretrizes para o adensamento populacional em bairros que dispõem de equipamentos públicos como escolashospitais e redes de transporte, mas onde há poucas pessoas morando e trabalhando. Um problema que pode surgir nestes casos é a capacidade de drenagem da infraestrutura instalada, que foi configurada para atender zoneamentos, densidade populacional e eventos climáticos (chuvas torrenciais que vêm ocorrendo sistematicamente nos últimos anos) de décadas passadas. PUBLICIDADE

Repensar a forma como as cidades vêm sendo construídas pode levar a soluções criativas e de baixo custo. Para além dos piscinões, é possível utilizar áreas de orientação de tráfego de veículos como rotatórias e faixas de sinalização viária como jardins, retirando a capa de asfalto e permitindo a infiltração das águas das chuvas. A foto que ilustra esta coluna foi tirada em um bairro predominantemente residencial na cidade de São Paulo, que, com o objetivo de reduzir a velocidade dos automóveis em seus cruzamentos e assegurar a travessia segura dos pedestres, teve implantadas rotatórias e demais sinalizações de segurança. População, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e subprefeitura foram responsáveis pelo ajardinamento destes locais, que contam com a parceria de empresas e da população residente para a gestão da manutenção. Rotatórias ajardinadas sobre o asfalto não são novidade nas cidades brasileiras. A iniciativa para o ajardinamento destes locais é solicitada predominantemente pela população e realizada em parceria com secretarias ou subprefeituras, como no caso da cidade de São Paulo desde meados dos anos 2000. Algumas funcionam como vasos, outras têm capacidade de infiltração apenas e algumas atuam como jardins de chuva, não obedecendo a um critério específico.

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Se essa solução de baixo custo for tratada como programa de governo ou política pública municipal que compõe as ações de microdrenagem urbana inseridas no contexto que trata da necessidade de constituição de um plano de gestão de infraestrutura verde, como os realizados por cidades que adotaram a sustentabilidade como diretriz, seus resultados teriam o poder de impactar positivamente na qualidade da vida, reduzindo as consequências provenientes das enxurradas e inundações, melhorando as condições microclimáticas e atuando para além do ajardinamento viário com finalidade estética.

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Poder público deveria ser corresponsável pela morte de Marina Kohler e de tantos outros no trânsito

Relatório anual elaborado pela CET aponta que 31 ciclistas e 359 pedestres morreram em 2019 vítimas de atropelamentos; população tem pressa e não tolera mais isso

  • Por Helena Degreas
  • 29/12/2020 12h17 – Atualizado em 30/12/2020 12h16

Helena DegreasMarina Kohler Harkot, de 28 anos, morreu na madrugada de domingo após ter sido atropelada na zona oeste de São Paulo

Dedico minha coluna de hoje à cicloativista Marina Kohler Harkot, atropelada e morta em novembro de 2020 enquanto trafegava de bicicleta pela Avenida Paulo VI, no bairro Sumaré, Zona Oeste de São Paulo. É graças ao seu papel político na defesa de melhores políticas de mobilidade urbana que estamos vivenciando mudanças nos espaços urbanos destinados aos pedestres. O relatório anual elaborado pela Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET) aponta que 31 ciclistas e 359 pedestres morreram em 2019 vítimas de atropelamentos. Família destroçadas, amigos e colegas carentes do abraço e da palavra, sociedade cada vez mais triste. Atropelamentos com vítimas ocorrem diariamente. Não é possível considerar esse fato como natural sabendo que existem soluções para reduzir a zero o número de acidentes com ou sem mortes. Depende da vontade política. Eles estão, inclusive, mapeados, e seus dados encontram-se no portal do GeoSampa.

Segurança viária é um assunto que deve ser cobrado de todos os prefeitos responsáveis pela gestão das cidades brasileiras. Como cidadã, estou cada vez mais irritada com a atuação lenta das prefeituras, vereadores e secretários em relação às mudanças urgentes previstas no Plano de Mobilidade de São Paulo. Todos eles deveriam ser corresponsáveis pela morte da Marina e de tantos outros. A distribuição dos espaços nas ruas é desigual. A pesquisa Origem e Destino realizada pelo Metrô de São Paulo em 2017 informou que foram produzidas 42 milhões de viagens diárias na RMSP. Destas, cerca de 34% foram realizadas por transporte coletivo, 33% por automóveis particulares e 33% foram realizadas por bicicleta e a pé. Qualquer cidadão que anda nas ruas percebe que o espaço destinado à circulação do automóvel particular é muito maior do que aquele destinado ao transporte coletivo, aos pedestres e às bicicletas.

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São Paulo, a exemplo de outras cidades brasileiras, adotou um Plano de Segurança Viária com base na abordagem de Sistema Seguro. Chamado de Vida Segura, o plano propõe ações no âmbito do planejamento da mobilidade urbana que pretendem reduzir as mortes e feridos graves no trânsito até o final de 2030. Apesar do Plano de Mobilidade Urbana ter sido instituído em 2015, algumas ações são incompatíveis com ele e com o Plano de Segurança Viária, por exemplo. É importante lembrar que, em 2017, o então prefeito João Doria cumpriu sua promessa de campanha e, logo após assumir seu mandato, aumentou as velocidades máximas nas marginais Pinheiros e Tietê, de 50 para 60 km/h na via local, de 60 para 70 km/h na via central, e de 70 para 90 km/h na via expressa. O atual prefeito Bruno Covas manteve a alteração do seu antecessor. O resultado não poderia ser outro: houve um amento significativo no número de acidentes com vítimas.

Pesquisas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico indicam que, enquanto a maior parte dos usuários mais vulneráveis (sem proteção) sobrevive a um atropelamento por um automóvel transitando a 30 km/h, a maioria deles tem cerca de 80% de chances de ser morto em uma colisão com um veículo a 50 km/h. Tem sentido uma velocidade tão alta numa via repleta de crianças, idosos ou pessoas atravessando a rua no meio da cidade? A implantação de medidas eficazes e urgentes para a segurança das pessoas deve ser prioridade política. Toda vida é importante. São os representantes eleitos com o seu voto que controlam o orçamento, destinam verbas e definem as prioridades na administração de nossas cidades. São eles os responsáveis pelas vidas que poderão ser salvas nos próximos anos. Temos pressa, prefeito Bruno Covas, não toleramos mais mortes no trânsito.

Em resposta à coluna, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes enviou a seguinte nota:

Em relação ao texto “Poder público deveria ser corresponsável pela morte de Marina Kohler e de tantos outros no trânsito”, a Prefeitura de São Paulo informa que a atual gestão está comprometida com a ampliação da segurança viária e a consequente redução do número de acidentes e mortes. As medidas executadas mostraram resultado efetivo jamais visto e muito promissor para a preservação da vida. Em 2019, a cidade alcançou o menor índice de vítimas fatais desde que essa informação começou a ser registrada, de 6,44 mortes a cada 100 mil habitantes. O índice de 2020, até outubro, é ainda menor, alcançando 5,97 mortes por 100 mil habitantes. Em 2016, o índice havia sido de 7,07 mortes por 100 mil habitantes.

O Plano de Segurança Viária – Vida Segura, lançado no primeiro semestre de 2019, representa um marco para a cidade em seu esforço para reduzir os acidentes. Trata-se de um documento norteador que organiza e integra ações com o propósito de salvar vidas, com foco principalmente em ciclistas e pedestres. Por meio dele estão sendo implantadas na cidade as Áreas Calmas, as Rotas Escolares Seguras, os Territórios Educadores, além dos programas Pedestre Seguro e Vias Seguras. A atual gestão também planejou, com ampla participação social, e vem executando o Plano Cicloviário. Até o fim deste ano, 60% da malha cicloviária existente estará requalificada, com reforma de guias, sarjetas, novo piso asfáltico e padrão de pintura mais seguro ao ciclista. Também até o fim de 2020, mais 173,5 km de ciclovias e ciclofaixas terão sido entregues à população.

Há outras iniciativas que trouxeram benefícios duradouros para a segurança dos usuários do viário e também para a melhoria da qualidade urbanística da capital, como o primeiro Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da cidade, publicado neste mês. Um documento fundamental que reúne para projetistas e executores todas as normas que devem ser seguidas nas vias e áreas de uso comum na cidade. Além disso, foi regulamentado o Estatuto do Pedestre, que traz uma série de diretrizes em busca da preservação dos espaços e da segurança do elemento mais vulnerável do sistema viário. Todas essas medidas têm embasamento técnico e inspirações nas melhores práticas conhecidas ao redor do mundo. Em relação às Marginais dos Rios Tietê e Pinheiros, a Prefeitura esclarece que elas retornaram aos limites de velocidade anteriores por se tratarem de vias de trânsito rápido e são, juntamente com a Avenida 23 de Maio, as únicas vias em toda a cidade com velocidades máximas permitidas superiores a 50 km/h.
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Entenda como a mobilidade afeta as cidades e a qualidade de vida

Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Helena Degreas > Entenda como a mobilidade afeta as cidades e a qualidade de vida

A cidade do automóvel lentamente vem se humanizando, colocando o ser humano em primeiro lugar, transformando-se em cidades para pessoas

  • Por Helena Degreas
  • 08/12/2020 16h52 – Atualizado em 08/12/2020 16h54

Helena Degreas/Jovem PanAbertura da avenida Paulista para o público aos domingos proporcionou mais lazer e saúde à população

Ao longo do século 20, as políticas de planejamento rodoviaristas adotadas em todo o mundo foram responsáveis pela adaptação física das cidades ao fluxo crescente de veículos motorizados. Sejam caminhões, automóveis particulares, transportes coletivos como ônibus e vans, entre outros, o fato é que a adaptação dos espaços públicos para atender à circulação do transporte motorizado foi, aos poucos, destruindo a qualidade dos ambientes públicos destinados às pessoas. Quem já não passou pela situação constrangedora de sair correndo como se estivesse participando de uma maratona para atravessar um semáforo de tempo curto para o pedestre e longo para carros? Ou ainda, fazer compras em ruas movimentadas e perceber que não há calçada suficiente para acomodar todos os cidadãos que, como você, estão andando no meio da rua? Nestas situações, costumo afirmar que o verdadeiro cidadão é… o automóvel. Para ele, são destinados espaços públicos de qualidade para descanso (estacionamento em vagas reservadas ao longo das calçadas, pagas ou não) e iluminação noturna privilegiada, enquanto o pedestre fica, geralmente, às escuras em praças públicas por exemplo.https://53b1b23af142c0c538a0845591c7743b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Nos últimos anos, o conceito de mobilidade deixou de ser sinônimo de transporte motorizado. A ele foram incorporados os modos ativos, ou ainda, aqueles que permitem a mobilidade a pé e de bicicleta. Essa é uma excelente notícia para o cidadão. A cidade se preparará para receber… pessoas. Quem diria? Planos e ações alinhadas com as discussões da Agenda Urbana Internacional para a sustentabilidade de nossas cidades geraram diretrizes e metas para o planejamento das cidades, levando governos signatários da Agenda 2030 – incluindo o Brasil – a atuar neste sentido. Ao criar o Estatuto das Cidades (2001), o Ministério das Cidades (2003) promulgou a Lei 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), obrigando mais de 3.000 municípios com mais de 20 mil habitantes a desenvolver projetos sobre tema. Mais recentemente, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.000/20, que prorroga os prazos para 2022 e 2023 para que as prefeituras elaborem seus planos. Mais de 90% das prefeituras não cumpriram o prazo anterior, situação que impediu os repasses de verbas públicas para obras de mobilidade urbana em seus municípios.PUBLICIDADE

Para além do transporte, os novos planos de mobilidade que estão sendo implantados em cidades como São Paulo, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte já vem mostrando resultados positivos na vida das pessoas. O estímulo ao uso dos espaços públicos por meio da restrição e controle do acesso de automóveis em vias públicas, de maneira permanente ou temporária, é um dos resultados. Um exemplo emblemático é a abertura da avenida Paulista (Paulista Aberta) aos domingos e feriados para caminhadas e ciclismo. A implantação de áreas de descanso e parada (parklets, vagas verdes) destinada aos pedestres sobre vagas de estacionamento, pagas ou não, ao lado das calçadas é outro exemplo bem sucedido que resultou dos planos de mobilidade urbana. O aumento da malha cicloviária (ciclovias, ciclorrotas, ciclofaixas e vias compartilhadas) e a ampliação na largura das calçadas (sobre vagas de estacionamento, utilizando instrumentos de intervenção do urbanismo tático) incentivam a prática de atividades físicas por meio do ciclismo e das caminhadas, reduzindo o sedentarismo e melhorando a saúde da população.

Esses exemplos citados apontam para a contribuição dos planos de mobilidade urbana para a revitalização e valorização dos espaços públicos, favorecendo não apenas a economia e a segurança local, mas também a qualidade de vida do cidadão. A cidade do automóvel lentamente vem se humanizando, colocando o ser humano em primeiro lugar, transformando-se em cidades para pessoas.

Publicação original aqui