Só com a participação comunitária é possível construir cidades mais justas, resilientes e prósperas

Presença pouco representativa da população é um fator, muitas vezes, causado pela falta de conhecimento de que se pode fazer a diferença

  • Por Helena Degreas
  • 27/02/2024 09h00
  • coluna publicada no site da Jovem Pan News

Divulgação/Neighborhood 360°Organização comunitária em Nova YorkPrograma Neighborhood 360° visa revitalizar áreas urbanas de Nova York por meio da colaboração com a comunidade

Os instrumentos de gestão democrática da cidade, regulamentados pelo Estatuto da Cidade (Brasil, 2001), buscaram ampliar a participação cidadã, aproximando o poder público da população na construção urbana. Contudo, essa efetiva participação exigiu a combinação de democracia representativa e direta, modelo brasileiro que apoia a participação pública, incluindo no planejamento urbano. Mesmo com o Estatuto da Cidade e os planos diretores, muitos documentos foram elaborados alheios à realidade, tecnocráticos e, em alguns casos, autoritários, menosprezando ou suprimindo a participação popular, suas vontades e desejos, portanto. Esses planos, em muitos casos, continuam sendo peças de ficção distantes da realidade urbana, vez que a complexidade dos materiais entregues à população para avaliação apresenta-se numa linguagem técnica, de difícil compreensão para aqueles que não compartilham a linguagem e os conhecimentos de burocratas públicos. Além disso, a presença pouco representativa da população é um fator, muitas vezes, causado pela falta de instrumentos e conhecimentos para participação nas discussões ou pela descrença de que sua participação possa desencadear mudanças. Limitações de recursos financeiros e de tempo também contribuem para esse cenário, conforme destacado por vários autores que pesquisam o tema em experiências pós-Estatuto da Cidade no Brasil.

A democracia participativa no urbanismo exige também o alinhamento com a vida cotidiana da gente para promover cidades justas, inclusivas, sustentáveis e democráticas, buscando eliminar as vergonhosas desigualdades no acesso aos direitos fundamentais previstos na Constituição e no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Audiências, plataformas digitais, fóruns de discussões, conselhos gestores, dentre outras ferramentas aplicadas pelo poder público municipal, objetivando alcançar uma cidadania plena, não têm sido suficiente para a percepção da eficácia no atendimento das demandas da população que vê suas necessidades não atendidas quer por secretarias de governo, quer por departamentos internos, técnicos ou guichês, por exemplo. Como membro de conselhos participativos municipais, coletivos e organizações não governamentais, venho observando a necessidade de reorganização das instituições públicas municipais para os diferentes níveis de envolvimento das pessoas.

Desde o direito à informação pública e atualizada de dados referentes à gestão, existência de protocolos e até a promoção da contratualização de soluções (processo de formalização e estabelecimento de acordos ou contratos entre diferentes partes interessadas, como a comunidade local, organizações não governamentais, setor privado e o governo), o processo de participação incorpora acordos que visam implementar e executar soluções específicas identificadas durante o processo participativo. Espécie de degraus de uma longa escada a subir, essas etapas são necessárias para que projetos e ações de âmbito local se legitimem publicamente por meio da codecisão (decisão compartilhada) entre os diversos atores urbanos envolvidos, incluindo, na compactuação, a definição de responsabilidades, prazos, orçamentos e outras condições para a implementação das propostas.

Cidades como Bogotá (Colômbia), Santander (Espanha), Estocolmo (Suécia) e Nova York (EUA) incluíram em suas políticas urbanas ações práticas de participação da população objetivando a cocriação, coprodução e placemaking em trechos urbanos específicos solicitados pelos cidadãos, visando a atualização espacial, retrofit, revitalização econômica de quadras e ruas. A estrutura institucional pública foi adaptada para que os diversos grupos sociais fossem incorporados nos processos de construção das cidades.

Para viabilizar a interação e integração, os governos criaram agentes institucionais para intermediar a coprodução em áreas urbanas, por meio da coordenação entre stakeholders urbanos (qualquer entidade ou grupo, como residentes, organizações, governos e empresas, que têm interesse ou são afetados pelas decisões e desenvolvimentos em contextos urbanos). Na lista de instituições criadas, encontram-se novos Departamentos de Planejamento Urbano para formular políticas, coordenar projetos e estratégias de coprodução de âmbito local; Agências de Desenvolvimento Urbano, responsáveis pela liderança em projetos de revitalização; Escritórios de Participação Cidadã para facilitar o envolvimento ativo da comunidade; e Comissões de Desenvolvimento Comunitário para representar os interesses das pessoas. Além disso, Agências de Habitação e Desenvolvimento Social concentram-se em habitação e desenvolvimento social; Escritórios de Parcerias Público-Privadas facilitam as colaborações entre os diversos setores envolvidos nos projetos; Agências de Sustentabilidade Urbana avaliam e têm por missão integrar, como tema transversal, a sustentabilidade dos projetos propostos. Há também Agências de Promoção do Turismo Urbano, que destacam a identidade local, promovendo o patrimônio histórico, ambiental e arquitetônico em parceria com a comunidade.

Existem diversos exemplos de programas e ações colaborativas entre entes federativos e cidadãos. Embora muitos gestores públicos brasileiros ainda os considerem novidade — e a maioria da população os veja como inovadores —, a aplicação dos três conceitos na produção do espaço urbano, ocorrem há décadas e resultam em melhorias significativas na qualidade de vida.  Em 2017, a cidade de Nova York incluiu em suas políticas urbanas o programa Neighborhood 360°, visando revitalizar áreas urbanas por meio da colaboração (trabalho conjunto, portanto) com a comunidade, onde fellows (profissionais qualificados selecionados por meio de concurso público são contratados por dez meses para atuar como intermediários entre a população e o poder público e pagos pelo NYC Department of Small Business Servic – SBS) desempenham um papel crucial, viabilizando acordos e desembaraçando, por assim dizer, entraves eventualmente criados pela burocracia. Eles participam ativamente da elaboração de planos estratégicos, incentivam a formação ou revitalização de associações de comerciantes e lideram a transformação de espaços públicos, tornando-os atrativos e alinhados com as características únicas da comunidade.

Paralelamente, organizações sociais cadastradas junto ao poder público e localizadas na região de intervenção (community-based organizations – CBO) têm um papel vital no desenvolvimento social, econômico e ambiental, mobilizando a comunidade para participar ativamente do placemaking ou, ainda, o processo participativo de transformar espaços urbanos, envolvendo a comunidade na criação de ambientes vibrantes, acolhedores e significativos que atendam às suas necessidades e aspirações — “mão na massa” que leva a ações tangíveis. Essas organizações capacitam os membros da comunidade para uma participação efetiva em projetos de placemaking, promovendo uma abordagem inclusiva e colaborativa para o desenvolvimento urbano. Os recursos financeiros para o programa Neighborhood 360° provêm de fontes diversas, como orçamentos municipais, fundações privadas e parcerias público-privadas, incluindo investimentos diretos das autoridades públicas locais, patrocínios empresariais, subsídios filantrópicos ou combinações variadas dessas fontes.

A implementação da cocriação, coprodução e placemaking exige reorganização das instituições públicascriação de novos agentes institucionais e mobilização da comunidade. Diversos programas e ações colaborativas já demonstram a efetividade dessas ferramentas na revitalização de áreas urbanas e na melhoria da qualidade de vida. Se a cidade é feita por pessoas e para pessoas, a melhoria dos canais de comunicação e interação entre o poder público para a solução dos problemas de âmbito local não passa apenas pelo planejamento em escala urbana e a regulamentação genérica distante da realidade das pessoas. Ouvi-las é obrigação dos entes federativos, criando os instrumentos necessários para que a participação se dê de maneira eficaz na solução de questões locais. Só com a participação comunitária, daqueles que não apenas habitam os mesmo locais geográficos, mas também têm interesses comuns na melhoria das ruas, das praças e tantos outros assuntos, será possível construir cidades mais justas, resilientes, sustentáveis e prósperas para todos.

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Revisão do Plano Diretor vai deixar São Paulo mais inclusiva para quem?

É necessária a participação das pessoas que moram nas regiões com infraestrutura precária, ou seja, nas periferias; cidadãos podem enviar propostas de forma digital até o dia 30 de maio

  • Por Helena Degreas
  • 11/05/2021 09h00 – Atualizado em 11/05/2021 09h28

Helena DegreasSecretário municipal de Urbanismo e Licenciamento, César Azevedo, afirmou que pretende transformar São Paulo em uma cidade mais inclusiva por meio do aprimoramento do plano diretor estratégico

Em entrevista concedida ao Jornal da Manhã, da Jovem Pan, nesta segunda-feira, 10, o secretário municipal de Urbanismo e Licenciamento, César Azevedo, afirmou que pretende transformar São Paulo em uma cidade mais inclusiva por meio do aprimoramento do plano diretor estratégico. Para isso, foi contratada sem licitação uma consultoria (instituição sem fins lucrativos cujo nome ainda é desconhecido), que irá realizar estudos e diagnóstico sobre eventuais mudanças que nortearão as alterações do plano. O secretário citou também consultas a um grupo de professores universitários — considero a ideia interessante, embora ainda não saiba quem são os pesquisadores convidados e sua relevância no cenário das discussões sobre as políticas públicas urbanas — e acrescentou comentários sobre a importância da participação dos cidadãos em todo esse processo. A plataforma digital Plano Diretor SP foi lançada em 10 de abril e seguirá aberta até o dia 30 de maio para receber propostas sobre a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) em 2021.

Não entendi muito bem o que o secretário quis dizer com “cidade inclusiva”. É um conceito bem amplo, mas me pareceu bom. Só é preciso avaliar de que forma se dará a inclusão. Lembrei-me do meu querido Professor Milton Santos que não cansava de repetir em suas aulas: “Cidade é infraestrutura”. E, acrescentando pensamentos de urbanistas contemporâneos, a cidade é feita pelas pessoas e para as pessoas. Mais inclusivo, impossível. Revisões sistemáticas de Planos Diretores são necessárias para que as cidades possam adequar-se às necessidades das populações. E, para que as demandas possam ser atendidas, é fundamental a participação do público. As cidades materializam as relações sociais de diferentes grupos que nelas vivem. Neste ponto, é importantíssima a representatividade nas decisões sobre as propostas de revisão acerca das questões que tratam de emprego e moradia, mobilidade, ambiente e clima, saneamento urbano, riscos urbanos, atendimento a populações vulneráveis, entre tantos outros temas, que são de fundamental importância, pois nortearão as diretrizes de intervenção nas cidades e a alocação de verbas para a sua materialização.

Em função da crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19, as reuniões presenciais dos grupos sociais que representam os cidadãos que moram nas regiões com infraestrutura precária, ou ainda, na “quase-cidade” serão, de certa forma, prejudicadas. Explico: o debate digital demanda acesso à internet, infraestrutura (computadores, por exemplo) e, principalmente, recursos financeiros para ter alcance a tudo isso. Um estudo realizado pela Fundação Seade (2019) mostra que as desigualdades entre “cidade e quase-cidade” ou ainda, centro e periferias, são profundas. Nas regiões urbanas em que prevalece uma população mais vulnerável, o acesso à internet é realizado com conexão de baixa velocidade (56%), com uso exclusivo de celulares (67%) e mais: 25% desta população nunca navegou pela rede.

Secretário, com este quadro, como é que esses cidadãos conseguirão participar da consulta digital? Com baixa participação, a proposta de inclusão é irrealizável. Entendo que seja o poder público o responsável por abraçar uma diretriz que gere mudanças no setor de telecomunicações, em especial, nas áreas periféricas, incluindo milhares de pessoas. Em várias cidades europeias e norte-americanas o cidadão comum tem acesso à internet em praças, parques, ônibus, trens, metrôs, equipamentos escolares, centros culturais e museus, ou seja, consegue ter a informação por meio de uma rede gratuita e pública. Não li nada sobre o assunto nas principais propostas. Enquanto isso não acontece, ampliar os prazos para a revisão faz-se prioritário. Ao entrar na plataforma que faz um resumo das principais sugestões realizadas até agora, li que a prefeitura pretende levar em “consideração a cidade real” por meio da “atenção especial” para as áreas distantes das regiões centrais. Toda a cidade é real. O texto está confuso. O problema é que alguns poucos grupos, em especial o setor imobiliário e da construção civil, são organizados, participam ativamente da revisão e decidem quais diretrizes são prioritárias, definindo desta forma para onde serão destinadas as verbas da cidade.

Os secretários e demais participantes da revisão do PDE devem ter percebido que a maior parte do território urbano (para além da região da Avenida Paulista e Faria Lima) é constituída por bairros e comunidades cujo crescimento ocorre à margem das leis urbanas e, por esta razão, têm uma aparência desordenada, estão repletos de casas autoconstruídas e favelas que se espalham ao longo dos córregos, por exemplo. Neste caso, entendo que a revisão deva considerar a “cidade real” onde moram milhões de cidadãos que encontram-se excluídos do acesso aos equipamentos públicos e da infraestrutura urbana. Se for esta a proposta, é uma excelente notícia, pois milhares de pessoas que ocupam lotes à margem da lei terão o direito real de propriedade por usucapião seja ele individual, seja ele coletivo. Por este instrumento, os novos proprietários terão direito à instalação de infraestrutura urbana como transporte público, escolas, hospitais e postos de saúde, segurança e áreas verdes, por exemplo.

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Para aqueles que, como eu, residem e trabalham na “cidade irreal” (aquela dotada de infraestrutura pública) e que não receberão uma “atenção especial”, sugiro que também participem da revisão do PDE. Eu já estou participando. Meu bairro tem inúmeros problemas que são de responsabilidade da prefeitura de São Paulo. Preciso saber se estas questões serão prioridade nos próximos anos e se terão verbas disponibilizadas para a sua execução. Outro tema citado na entrevista do secretário trata da “diminuição das distâncias” para se alcançar a “cidade inclusiva”. Mobilidade na cidade de São Paulo é um assunto que atormenta a vida de todos. Várias entidades que representam os cidadãos nas questões de mobilidade ativa apresentaram propostas reivindicando, dentre outras ações, a elaboração de diagnóstico da estrutura da gestão da mobilidade anão motorizada na cidade. Em outras colunas, reiterei o fato de que pedestres andam por toda a cidade, quer em calçadas, quer atravessando ruas, em locais inadequados, além de aguardar por tempos semafóricos longos.

Comentei também sobre os problemas criados por uma estrutura de gestão fragmentada e caótica, que ocorre sobre os espaços destinados à circulação dos pedestres, uma vez que as decisões sobre as intervenções não são unificadas. A criação de um órgão com poder de gestão e deliberação que administre os inúmeros espaços públicos destinados a toda a pessoa que caminha a pé e circula de modo não motorizado na cidade é desejável e necessário. Caminhar a pé, locomover-se de bicicleta, skate, cadeira de rodas, por exemplo, mesmo que por um trajeto curto, é algo que todo o cidadão faz e deveria realizá-lo de forma segura. Esperar que dezenas de órgãos se reúnam para criar um plano de ação para zelar pelo bem-estar daqueles que circulam a pé nas cidades é inviável. A reivindicação destas organizações certamente transformará São Paulo numa cidade inclusiva, como deseja o secretário. Como urbanista e como cidadã, meu sonho é que prefeitos, secretários, vereadores e técnicos trabalhem firmemente no propósito de extinguir as desigualdades visíveis entre áreas centrais (dotadas de infraestrutura) e periféricas (com infraestrutura precária) transformando, por fim, São Paulo numa cidade de fato inclusiva.

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Planejamento Urbano: Alcances e Limites

Aula ministrada para consulta

Planejamento Urbano e Limites: aula preparada por Helena Degreas

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Publiquei também no Slidesahre: Planejamento urbano: alcances e limites

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