E se, no lugar das vagas de estacionamento nas ruas, a prefeitura construísse pracinhas para a gente se sentar?

Transtorno para o motorista ávido por largar sua propriedade privada (leia-se carro) em espaço público, pago ou não, o fato é que os chamados parklets são verdadeiros oásis no dia a dia do cidadão

  • Por Helena Degreas
  • 22/12/2020 08h00

Helena Degreas/Jovem PanOs parklets, pequenas extensões da calçada sobre vagas de automóveis, estão se espalhando pelo Brasil

E se no lugar das vagas de estacionamento nas ruas, as calçadas fossem ampliadas com jardins floridos, guarda-sóis e bancos para que a população pudesse sentar-se, ler um livro, descansar com seu pet, tomar um café no intervalo do trabalho, observar as outras pessoas ou simplesmente ler as notificações nas redes sociais em seus celulares? Parece absurdo, não é? Nem tanto. Prefeitos estão redesenhando suas cidades para que as pessoas possam usufruir dos espaços públicos. Para quem teve a oportunidade de viajar para outros países ou para os fãs de seriados estrangeiros, não é incomum ver calçadas lisinhas com pequenas extensões localizadas sobre vagas de automóveis. Podemos chamá-las de arquiteturas temporárias. No Brasil, recebem o nome de parklets e hoje se espalham em todo o território nacional. Embora sejam criadas e mantidas por estabelecimentos comerciais, desde que seguidos os manuais e a legislação vigente, podem ser eventualmente utilizadas por cidadãos.

Recentemente, a Prefeitura de São Paulo, à exemplo de outras cidades no Brasil e no mundo, abriu uma consulta pública com o intuito de saber a opinião do cidadão sobre o uso de calçadas e vagas de estacionamento de automóveis para o atendimento de bares e restaurantes locais, estendendo o espaço físico disponível da área de serviço interno dos estabelecimentos sobre a rua durante os períodos de pandemia e pós-pandemia. Dito de outra forma, as novas “pracinhas” passam a ter uso comercial para atender os clientes dos restaurantes. O conceito é bom e deve ser ampliado, mas é preciso que esta proposta se desenvolva paralelamente à ampliação das áreas de calçadas sobre as vagas de automóveis, oferecendo espaços livres públicos de qualidade para o cidadão não vinculados ao consumo destes estabelecimentos. Curiosamente, a prefeitura não disponibilizou paralelamente uma consulta pública para perguntar ao paulistano se ele deseja também pracinhas públicas, com bancos e jardins, sobre estas mesmas vagas. Por que não o fez? PUBLICIDADE

Calçadas são parte dos espaços livres de vida do cidadão quando fora de casa ou do trabalho e não devem ser tratadas predominantemente como produto comercializável e com retorno financeiro. A cidade de Nova York foi citada nesta mesma consulta pública como fonte de inspiração e exemplo para o programa. Verdade seja dita: estes espaços existem, mas são parte de um plano de mobilidade urbana que prioriza a segurança e o bem-estar dos cidadãos, composto por mais dez outros programas que incluem: fechamentos temporários e permanentes de faixas de automóveis e ruas inteiras, distribuição de bancos por toda a cidade, intervenções e redesenho de sistemas viários como esquinas e travessias, redes de circulação de pedestres, bairros calmos, com redução de velocidade onde predominam idosos, iluminação viária direcionada ao pedestre e sistema de comunicação visual urbano.


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Pandemia muda a forma como os governos tratam os espaços públicos

Como os demais cidadãos que andam pelas cidades brasileiras, aguardo ansiosamente para que os projetos, programas e ações promovidos pela Prefeitura de São Paulo nas calçadas priorizem o bem-estar e a segurança das pessoas, disponibilizando a oferta não apenas das novas “pracinhas comerciais”, conhecidas como parklets, mas também todas as demais ações propostas pela cidade de Nova York que serviram de inspiração para a consulta pública. Que a inspiração se materialize rapidamente na forma de ações práticas à cidade de São Paulo em 2021. O cidadão agradece.

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Pandemia muda a forma como os governos tratam os espaços públicos

Atualmente, a regra é caminhar com uma boa distância entre as pessoas, mas como fazer isso em cidades cujas calçadas são estreitas?

  • Por Helena Degreas
  • 14/12/2020 14h56 – Atualizado em 14/12/2020 16h030

Conceito de calçada deve ser repensado como um espaço de locomoção que precisa ser projetado pelo corpo de profissionais das prefeituras

Com o avanço da contaminação provocada pelo coronavírus, prefeitos do mundo todo adotaram planos para o distanciamento físico da população como ação necessária para proteger os cidadãos em espaços públicos. Cones, fita e tinta são alguns dos instrumentos utilizados para viabilizar o distanciamento social imposto pela Covid-19. Se no século passado bairros inteiros foram cortados por ruas e avenidas para expandir a malha de circulação do automóvel particular, reservando uma estreita faixa para a locomoção do pedestre, o século XXI é marcado por ideais de sustentabilidade que impactam a mobilidade dos centros urbanos. “Cidades pensadas para pessoas” deveria ser o lema dos gestores públicos brasileiros e, em especial, prefeitos. Mais do que “calçamento de pedras sobre via de terra”, o conceito de calçada deve ser repensado como um espaço de locomoção que precisa ser projetado pelo corpo de profissionais das prefeituras e mantido pelo poder público. Há cidades que não exigem projeto assinado por profissional engenheiro ou arquiteto para a realização de calçadas. O resultado é esse que vivemos em nosso dia a dia.

Não tem mais sentido que os proprietários dos lotes em frente a esse espaço escolham os pisos e mudas que irão “adornar” o caminho dos brasileiros. Trata-se de uma prática que transforma calçadas em locais sem nenhuma garantia de segurança. As prefeituras deveriam prover calçadas confortáveis para suprir as necessidades de todos os cidadãos, independentemente de suas habilidades físicas, pensadas e sinalizadas para garantir não apenas segurança, mas também possibilidades para desfrutar dos mais distintos trajetos de forma prazerosa. Caminhar é a forma mais natural, saudável e econômica de uma pessoa locomover-se. É ter assegurado o direito de acessar áreas de lazer, comércios, parques, restaurantes enfim, viver a sua vida urbana de forma plena, sem restrições.

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Entenda como a mobilidade afeta as cidades e a qualidade de vida

O ano de 2020 marcou uma mudança na forma como os governos estão tratando os espaços livres públicos. Atualmente, a regra é viabilizar o caminhar com uma boa distância entre as pessoas. É difícil, somos seres sociais: gostamos da proximidade física, de trocar ideias, tocar. Mas como um cidadão consegue distanciar-se cerca de cinco passos do outro em cidades cujas calçadas são estreitas? Como é possível em tão curto espaço de tempo modificar o sistema viário com o objetivo de garantir ao cidadão a distância necessária para evitar o contágio?

Prefeitos de cidades como Berlim, Milão, Dublin, New York e Lima criaram extensões ao longo das calçadas com o objetivo de ampliar os espaços disponíveis para a circulação segura de pedestres e ciclistas. Ao excluir áreas de estacionamento de automóveis ou ao eliminar uma das faixas do sistema viário, ampliaram as calçadas utilizando cones, tachões, fitas e tinta no chão, por exemplo. Trata-se do uso de alguns dos instrumentos utilizados pelo urbanismo tático: mudanças rápidas e de baixo custo. Em Paris, a prefeita Anne Hidalgo implementou 650 km de ciclorrotas, enquanto à época o vice-prefeito de Milão, Marco Granelli, iniciou o programa “Ruas Abertas” requalificando e expandindo calçadas e implantando uma malha ciclável e uma rede caminhável em toda a cidade. Em entrevista, ele afirmou que se todos continuassem a dirigir seus carros, não haveria espaço disponível para as pessoas e, por consequência, haveria pouco espaço para a existência de atividades comerciais previstas em ambientes externos, prejudicando o comércio e a economia local. A qualidade de vida do cidadão está diretamente relacionada à qualidade do espaço público que o cerca. Nossas vidas não acontecem apenas dentro dos edifícios. Passear pela cidade sem roteiro pré-determinado, experienciar o prazer de observar lugares e pessoas e sentir o gosto de descobrir novidades em cada esquina é parte da vida pública. Trata-se de civilidade, respeito e consideração para com as pessoas. A cidade é feita para as pessoas.

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Entenda como a mobilidade afeta as cidades e a qualidade de vida

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A cidade do automóvel lentamente vem se humanizando, colocando o ser humano em primeiro lugar, transformando-se em cidades para pessoas

  • Por Helena Degreas
  • 08/12/2020 16h52 – Atualizado em 08/12/2020 16h54

Helena Degreas/Jovem PanAbertura da avenida Paulista para o público aos domingos proporcionou mais lazer e saúde à população

Ao longo do século 20, as políticas de planejamento rodoviaristas adotadas em todo o mundo foram responsáveis pela adaptação física das cidades ao fluxo crescente de veículos motorizados. Sejam caminhões, automóveis particulares, transportes coletivos como ônibus e vans, entre outros, o fato é que a adaptação dos espaços públicos para atender à circulação do transporte motorizado foi, aos poucos, destruindo a qualidade dos ambientes públicos destinados às pessoas. Quem já não passou pela situação constrangedora de sair correndo como se estivesse participando de uma maratona para atravessar um semáforo de tempo curto para o pedestre e longo para carros? Ou ainda, fazer compras em ruas movimentadas e perceber que não há calçada suficiente para acomodar todos os cidadãos que, como você, estão andando no meio da rua? Nestas situações, costumo afirmar que o verdadeiro cidadão é… o automóvel. Para ele, são destinados espaços públicos de qualidade para descanso (estacionamento em vagas reservadas ao longo das calçadas, pagas ou não) e iluminação noturna privilegiada, enquanto o pedestre fica, geralmente, às escuras em praças públicas por exemplo.https://53b1b23af142c0c538a0845591c7743b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Nos últimos anos, o conceito de mobilidade deixou de ser sinônimo de transporte motorizado. A ele foram incorporados os modos ativos, ou ainda, aqueles que permitem a mobilidade a pé e de bicicleta. Essa é uma excelente notícia para o cidadão. A cidade se preparará para receber… pessoas. Quem diria? Planos e ações alinhadas com as discussões da Agenda Urbana Internacional para a sustentabilidade de nossas cidades geraram diretrizes e metas para o planejamento das cidades, levando governos signatários da Agenda 2030 – incluindo o Brasil – a atuar neste sentido. Ao criar o Estatuto das Cidades (2001), o Ministério das Cidades (2003) promulgou a Lei 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), obrigando mais de 3.000 municípios com mais de 20 mil habitantes a desenvolver projetos sobre tema. Mais recentemente, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.000/20, que prorroga os prazos para 2022 e 2023 para que as prefeituras elaborem seus planos. Mais de 90% das prefeituras não cumpriram o prazo anterior, situação que impediu os repasses de verbas públicas para obras de mobilidade urbana em seus municípios.PUBLICIDADE

Para além do transporte, os novos planos de mobilidade que estão sendo implantados em cidades como São Paulo, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte já vem mostrando resultados positivos na vida das pessoas. O estímulo ao uso dos espaços públicos por meio da restrição e controle do acesso de automóveis em vias públicas, de maneira permanente ou temporária, é um dos resultados. Um exemplo emblemático é a abertura da avenida Paulista (Paulista Aberta) aos domingos e feriados para caminhadas e ciclismo. A implantação de áreas de descanso e parada (parklets, vagas verdes) destinada aos pedestres sobre vagas de estacionamento, pagas ou não, ao lado das calçadas é outro exemplo bem sucedido que resultou dos planos de mobilidade urbana. O aumento da malha cicloviária (ciclovias, ciclorrotas, ciclofaixas e vias compartilhadas) e a ampliação na largura das calçadas (sobre vagas de estacionamento, utilizando instrumentos de intervenção do urbanismo tático) incentivam a prática de atividades físicas por meio do ciclismo e das caminhadas, reduzindo o sedentarismo e melhorando a saúde da população.

Esses exemplos citados apontam para a contribuição dos planos de mobilidade urbana para a revitalização e valorização dos espaços públicos, favorecendo não apenas a economia e a segurança local, mas também a qualidade de vida do cidadão. A cidade do automóvel lentamente vem se humanizando, colocando o ser humano em primeiro lugar, transformando-se em cidades para pessoas.

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