Vamos quebrar o asfalto e plantar árvores? Soluções para chuvas podem ser criativas e de baixo custo

Rotatórias, minirrotatórias e demais sistemas de sinalização do tráfego de automóveis têm o potencial de melhorar as condições estéticas locais e ainda colaborar com a absorção de águas

  • Por Helena Degreas
  • 02/03/2021 09h00 – Atualizado em 02/03/2021 09h40

Helena Degreas/Jovem PanRotatórias ajardinadas embelezam as vias e ajudam a absorver água das chuvas

As cidades enfrentam problemas relacionados à baixa capacidade de absorção das chuvas desde que o processo de urbanização adotado por nossa civilização assumiu a impermeabilização do solo por meio do uso de asfalto e do concreto como critério de ocupação do território. É como a água que usamos para regar um jardim: ela é absorvida pela terra. O pavimento utilizado para ruas e avenidas reduziu a capacidade de infiltração das águas pluviais. Como a água não tem por onde se infiltrar, o resultado é o escoamento superficial de um volume imenso que se acumula quadra a quadra e se transforma em enxurradas e inundações que, nas cidades, causam risco à integridade física das pessoas e danos materiais

Para captar, transportar e drenar a água das chuvas, o poder público municipal instala e mantém um conjunto de tubulações (galerias pluviais). Diferentemente do sistema de esgoto, as águas das chuvas não recebem tratamento específico e são direcionadas para os rios e córregos, podendo contaminar a local. Paralelamente, a necessidade de reduzir os custos do processo de urbanização leva prefeituras a adotarem, em seus planos diretores, estratégias e diretrizes para o adensamento populacional em bairros que dispõem de equipamentos públicos como escolashospitais e redes de transporte, mas onde há poucas pessoas morando e trabalhando. Um problema que pode surgir nestes casos é a capacidade de drenagem da infraestrutura instalada, que foi configurada para atender zoneamentos, densidade populacional e eventos climáticos (chuvas torrenciais que vêm ocorrendo sistematicamente nos últimos anos) de décadas passadas. PUBLICIDADE

Repensar a forma como as cidades vêm sendo construídas pode levar a soluções criativas e de baixo custo. Para além dos piscinões, é possível utilizar áreas de orientação de tráfego de veículos como rotatórias e faixas de sinalização viária como jardins, retirando a capa de asfalto e permitindo a infiltração das águas das chuvas. A foto que ilustra esta coluna foi tirada em um bairro predominantemente residencial na cidade de São Paulo, que, com o objetivo de reduzir a velocidade dos automóveis em seus cruzamentos e assegurar a travessia segura dos pedestres, teve implantadas rotatórias e demais sinalizações de segurança. População, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e subprefeitura foram responsáveis pelo ajardinamento destes locais, que contam com a parceria de empresas e da população residente para a gestão da manutenção. Rotatórias ajardinadas sobre o asfalto não são novidade nas cidades brasileiras. A iniciativa para o ajardinamento destes locais é solicitada predominantemente pela população e realizada em parceria com secretarias ou subprefeituras, como no caso da cidade de São Paulo desde meados dos anos 2000. Algumas funcionam como vasos, outras têm capacidade de infiltração apenas e algumas atuam como jardins de chuva, não obedecendo a um critério específico.

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Se essa solução de baixo custo for tratada como programa de governo ou política pública municipal que compõe as ações de microdrenagem urbana inseridas no contexto que trata da necessidade de constituição de um plano de gestão de infraestrutura verde, como os realizados por cidades que adotaram a sustentabilidade como diretriz, seus resultados teriam o poder de impactar positivamente na qualidade da vida, reduzindo as consequências provenientes das enxurradas e inundações, melhorando as condições microclimáticas e atuando para além do ajardinamento viário com finalidade estética.

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Prefeitura determina que donos de imóveis se responsabilizem por conservação e manutenção dos pavimentos urbanos, mas esses serviços deveriam ser feitos por uma autarquia.

  • Por Helena Degreas
  • 23/02/2021 09h00 – Atualizado em 23/02/2021 09h36

Helena Degreas/Jovem PanDegraus altos em calçada da zona oeste dificulta a mobilidade

O leitor já deve ter percebido que caminhar pelas cidades brasileiras é um ato de coragem. Os calçamentos são geralmente sofríveis. Perdoe-me Carlos Drumond de Andrade, mas no meio do caminho o pedestre encontrará não apenas uma pedra, mas também um buraco, um bueiro solto, uma tampa fora do lugar, bancas de jornal, lixeiras, postes com fios pendurados de todas as empresas prestadoras de serviços urbanos… E quem cuida disso? A prefeitura? O cidadão? Essa é a questão. Citei as calçadas como se em todos os bairros, mesmo naqueles mais distantes das regiões centrais, o calçamento existisse. Quem já teve o privilégio de viajar para cidades de países próximos ao Brasil deve ter observado que os pisos têm um padrão uniforme, são lisinhos, bem cuidados. A mesma qualidade pode ser encontrada nos equipamentos públicos, mobiliário urbano e na distribuição da vegetação pelas calçadas.https://3076e2066e9aeb4502c0bcc0a16c521a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Por que os locais por onde circula toda a população brasileira é tão malcuidado? Em algum momento, todas as pessoas irão colocar o pé na calçada. Ir à banca, passar na farmácia, comprar algo da padaria da esquina, tomar o ônibus, levar uma criança para tomar sol, o seu pet para passear ou mesmo sentir o vento no rosto e ver gente na rua: são comportamentos rotineiros para as pessoas e que são realizados a pé ou em cadeira de rodas, com ajuda de muletas por exemplo; mais cedo ou mais tarde, mesmo os mais fanáticos por seus carros, em algum momento também sentirão o prazer de andar pelas ruas de suas cidades. Mas até os bairros mais ricos apresentam calçadas, em muitos casos, vergonhosas…PUBLICIDADE

No dicionário, a calçada é descrita como “caminho ou rua com pavimento de pedra”. E foi assim que tudo começou por aqui. Pedra para calçar as ruas de terra e proteger os pedestres. Todas as cidades têm suas histórias e respectivas datas, mas, aqui em São Pauloas primeiras calçadinhas foram feitas no século XVII, quando a cidade ainda era uma província. Sua função era muito importante: proteger as casas da água e da lama que resultavam das fortes enxurradas. Só isso. Para ilustrar a situação, recorro a um pequeno objeto em ferro fixado no chão e colocado logo à entrada das casas mais antigas. Alguns já devem ter visto. O tal objeto servia para limpar o barro da sola dos sapatos dos visitantes e moradores antes de entrar na casa. Em várias cidades, e apesar de existir há muitos anos, o objeto permanece útil e funcional ainda hoje.

Guias para separar o que de fato era passeio público, calçadas do leito destinado à circulação, primeiramente de mulas e carroças, e posteriormente dos automóveis, aconteceram apenas nos séculos seguintes. Aos poucos, a cidade foi se adensando, se espalhando no território, novos serviços foram sendo instalados. Veio a energia elétrica, abastecimento de água, coleta de esgoto, coleta de águas pluviais, gás, bombeiros, cabeamento para serviços diversos na área de comunicação, além de bancas de jornal, bancosárvores, esculturas, semáforos e tudo o que o leitor lembrar. Enquanto escrevia a coluna, fiz uma lista do nome das empresas prestadores de serviços que estão nas calçadas em torno da minha casa: por volta de 40. Todas têm permissões dos governos federalestadual e municipal para atuar sobre o espaço público e prestar serviços essenciais à vida de quem mora nas cidades. Todas têm manuais próprios para procedimento de implantação, distribuição e manutenção de seus serviços.https://platform.twitter.com/embed/Tweet.html?dnt=true&embedId=twitter-widget-0&frame=false&hideCard=false&hideThread=false&id=1364192198791729154&lang=pt&origin=https%3A%2F%2Fjovempan.com.br%2F&siteScreenName=portaljovempan&theme=light&widgetsVersion=889aa01%3A1612811843556&width=500px

À título de exemplo, cito a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), vinculada à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo. Sozinha, ela responde por 14 manuais que tratam da sinalização urbana. Cada uma delas deve ter procedimentos e ações próprias para cumprir com o padrão de qualidade de seus serviços. Como organizar essa situação? Embora em praticamente todo o país a responsabilidade pelas calçadas seja do munícipe, pergunto-me como é possível que indivíduos sejam capazes de cuidar de todos os agentes públicos que atuam e intervêm diretamente no espaço em frente ao seu imóvel. Como garantir padronização das larguras e uniformidade quanto ao tipo e qualidade de piso utilizado se o munícipe escolhe a partir de seus interesses? Como garantir que uma calçadinha seja responsável por todos os caminhos e situações pelos quais um pedestre passa ao longo de suas caminhadas? Respondo: não é possível.

Para resolver a situação, o prefeito Bruno Covas promulgou o decreto nº 58.611, de 24 de janeiro de 2019, que tem como objetivo padronizar as calçadas de São Paulo. Ficaram definidos como responsáveis pelas obras e serviços relativos à implantação, conservação e manutenção de calçadas os proprietários, possuidores de títulos de propriedade e condomínios. As permissionárias que anteriormente citei deverão reparar os danos causados às calçadas após realizado o serviço. O munícipe deve seguir o conjunto de documentos e manuais que estão disponíveis no site da prefeitura. Por experiência própria, posso afirmar que os reparos destas empresas são inadequados. Calçadas acessíveis, com guias rebaixadas localizadas nos pontos adequados ao atravessamento de cidadãos vulneráveis, pisos homogêneos com identidade visual estabelecida pela prefeitura, implantação de postes para iluminação adequada — tanto para o automóvel quanto para o pedestre—, localização adequada de tapumes de obras, bancas de jornal, lixeiras, sinalização de ruas e organização de todas as tampas de serviços das diversas empresas permissionárias e concessionárias, por exemplo, deveriam ser realizadas por uma autarquia responsável pela qualidade do espaço público, incluindo nele não apenas as calçadas, mas todas as áreas em que circulam pedestres e ciclistas.

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Para que isso aconteça, faz-se necessário o planejamento de um Sistema de Circulação de Pedestres como aquele previsto pelo Plano de Mobilidade de 2015. Andar a pé ou por meio de rodinhas demanda uma infraestrutura complexa, que envolve uma série de componentes que não se esgotam na Cartilha de Calçadas Acessíveis ou ainda no decreto promulgado pelo atual prefeito. Os componentes do Sistema de Mobilidade para Pedestres são compostos por calçadas, vias de pedestres (calçadões), faixas de pedestres e lombofaixas, transposições, passarelas e sinalização específica. Mais adiante, o artigo Art. 221 (Plano Diretor da Cidade de São Paulo, em seu Título 3 – Da Política e dos Sistemas Urbanos e Ambientais) define uma série de ações estratégicas que são de responsabilidade da prefeitura, destacando-se a definição de rotas (Rede de Mobilidade a Pé) para a implantação da padronização dos componentes do sistema de circulação de pedestres em locais de intenso fluxo com o objetivo de melhorar o acesso e deslocamento de qualquer pessoa com autonomia e segurança e, por fim, integrar o sistema de transporte público coletivo com o sistema de circulação de pedestres por meio de conexões entre modais de transporte, calçadas, faixas de pedestre, transposições, passarelas e sinalização específica, visando a plena acessibilidade ao espaço urbano construído. A circulação segura do pedestre depende da qualidade de todos os componentes que estão previstos no Sistema de Circulação de Pedestres definido pelo Plano Diretor e que ainda não estabeleceu a Rede de Mobilidade a Pé. Aguardamos por políticas públicas e verbas que, para além da PEC Emergencial, que visa melhorar as condições das calçadas, também defina políticas, planos e ações práticas para os pedestres da cidade de São Paulo.

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Exemplos mostram que investimentos públicos em saneamento básico têm retornos imediatos na saúde e na qualidade de vida do cidadão

  • Por Helena Degreas
  • 16/02/2021 09h00 – Atualizado em 16/02/2021 09h21

Helena Degreas/Jovem PanCórrego na cidade de São Paulo que deságua no rio Tietê

Em algum momento você já deve ter passado próximo a um córrego malcheiroso, com as margens ocupadas por habitações subnormais e repleto de entulho boiando em suas águas escuras e lodacentas. Por que a água doce, líquido tão precioso, bem natural indispensável à existência humana, é tratado desta maneira? Não é possível considerar natural e tampouco aceitável viver em cidades cujos rios e córregos encontram-se em condições de abandono e degradação. Mas por que isso ocorre? Muitas das formas como as cidades tratam seus rios vêm mudando ao longo das últimas décadas à medida que somos forçados a encarar as consequências de políticas públicas alheias às questões ambientais e de ocupação irregular do solo urbano. Trata-se de uma reflexão sobre a maneira como se dá o processo de urbanização brasileiro e o enfrentamento das questões globais sobre saneamento e riscos à saúde da população. A resposta para a questão do cheiro horrível que exala das águas dos nossos rios está diretamente relacionada às questões de ausência de saneamento básico. É uma situação grave pois, para além do cheiro ruim, as condições das águas afetam diretamente a saúde da população e a qualidade de vida urbana. 

Embora direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei nº. 11.445/2007, apenas a metade da população brasileira tem coleta de esgoto. Dito de outra forma, são cidadãos brasileiros que, além de não terem coleta e tratamento de esgoto, também não têm o lixo de suas casas e de suas ruas recolhido, tratado e encaminhado para instalações de manejo de resíduos sólidos como aterros sanitários. Isso mesmo: mais de 100 milhões de brasileiros não têm, por exemplo, onde deixar o lixo gerado em suas casas. O que fazer com ele? Deixar acumular? Jogar nas águas dos rios? O que esperam os gestores de nossas cidade e estados?

Relatório divulgado em 2017 pela Agência Nacional de Águas – ANA (antigo Ministério das Cidades, extinto com a edição da Lei Nº 13.844, de 18 de junho de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro, que, por sinal, não é afeito a questões ambientais e à sustentabilidade do planeta), o Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, mostrava que 81% (4.490 de 5.570) dos municípios despejam pelo menos 50% do esgoto que produzem diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de limpeza. Cerca de 9,1 toneladas de esgoto sanitário são produzidas diariamente. De acordo com o Instituto Trata Brasil, 55% dele não é tratado. É como se 6000 piscinas olímpicas cheias de esgoto fossem lançadas nos rios e córregos de nossas cidades diariamente. Não é difícil entender o porquê da morte dos rios brasileiros. Pelos dados citados, tem-se a impressão de que os rios que atravessam a cidade têm a função de diluir os efluentes residenciais e industriais neles lançados. Tratamento e ligação de esgoto nas residências é fundamental. Mas como realizar esse trabalho se um número significativo de habitações nas cidades brasileiras encontra-se à margem da regulação urbanística? Ainda assim, como convencer proprietários que têm a posse legal a autorizar a ligação para a coleta de esgoto em suas casas se a conta virá mais cara ao final do mês? Saneamento básico associado a políticas habitacionais eficazes andam juntas.

Muitos são os exemplos de rios que atravessam cidades e que, com esforço de governos de países e cidades, requalificaram suas águas para usos ambientais, culturais e recreacionais, incluindo mobilidade e produção de alimentos. Vontade política para realizar obras deste porte são necessárias. Exemplos como os dos rios Reno (AlemanhaSuíça e Holanda), Tâmisa (Londres), Sena (Paris) e Cheonggyecheon (Seul), realizada em menos de dez anos, envolveram esforços conjuntos entre a iniciativa privada, populações e governos para despoluir suas águas e requalificar suas margens. No Brasil, também podemos encontrar exemplos bem sucedidos. Em São Paulo, temos o Parque Linear Banal-Canivete, implantado em 2012 e que está localizado no Jardim Damasceno, zona norte da cidade. Local carente de espaço livres públicos para o uso da população desencadeou uma série de mudanças nas dinâmicas sociais locais, que passaram a utilizar com intensidade suas praças e equipamentos de recreação.

A produção de novos espaços públicos gera encontros comunitários e sociais, contribuindo para a qualidade de vida urbana e interferindo positivamente nas questões ambientais por meio da redução da temperatura, melhoria da qualidade do ar, absorção das águas das chuvas e redução do número de pontos de enchentes, entre outros benefícios. Além dele, está prevista a implantação do Parque Linear do Rio Pinheiros. Este último pretende criar espaços diversificados mesclando usos recreativos e culturais que foram associados à despoluição do rio por meio obras de esgotamento sanitário e requalificação das margens, impactando positivamente na vida da população que reside e trabalha em seu entorno.

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Prefeitura hostil: quando as intervenções no espaço público mostram que o cidadão não é bem-vindo

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, a construção do Parque do Córrego 1° de Maio melhorou a qualidade das águas do córrego e reduziu os riscos de inundações, além de ter proporcionado espaços para o lazer e recreação da população local, que não dispunha de equipamentos urbanos qualificados para esse tipo de uso. Investir em saneamento básico é o mínimo que se espera de um município, de um estado e de um país civilizado. Rios que poderiam abastecer populações não podem ser responsáveis pelo adoecimento dos moradores que encontram-se em suas margens. São espaços livres públicos vegetados e permeáveis que cumprem papel importantíssimo na qualidade de vida urbana e na sustentabilidade urbana.

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Coluna originalmente publicada aqui

Prefeitura hostil: quando as intervenções no espaço público mostram que o cidadão não é bem-vindo

‘Projetos antimendigos’ representam uma espécie de limpeza social urbana cujo objetivo é expulsar grupos de cidadãos indesejados que, destituídos de todos os seus direitos, vivem em estado de miséria absoluta

  • Por Helena Degreas
  • 09/02/2021 09h00

Helena DegreasO último censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2019 aponta que a população de rua na cidade de São Paulo é de 24.344

Instalar pedras sob viadutos, chuveirinhos que borrifam água sob marquises ou espetos de aço sobre superfícies impedindo o uso do espaço público são atitudes que simbolizam a hostilidade social para com as pessoas. Nada disso é novidade. Basta olhar ao seu redor para encontrar vários exemplos pelas ruas da cidade. Mas, quando a ação inexplicavelmente vem de um agente público, o fato, além de condenável, mostra que a prefeitura não gosta dos seus cidadãos e intervém de forma agressiva para evitar comportamentos considerados “inadequados” por aqueles que deveriam zelar pelo bem-estar da população. Dito de outra forma, tanto dos paralelepípedos da gestão Haddad quanto os jatos de água provenientes dos caminhões-pipa e os muros inclinados das gestões Serra/Kassab/Doria foram, e ainda são, soluções que colocam em prática os famigerados “projetos antimendigos”. Representam uma espécie de limpeza social urbana que tem o objetivo expulsar grupos de cidadãos indesejados que, destituídos de todos os seus direitos, vivem em estado de miséria absoluta na capital financeira da América Latina. “Regras higienistas” colocadas em prática por várias gestões municipais. 

Todas essas ações expõem a incapacidade das prefeituras de oferecer as ferramentas sociais necessárias para que grupos vulneráveis, no caso os cidadãos em situação de rua e em condições de miséria, estejam capacitados a tomar parte da vida comunitária, permitindo-lhes usufruir da igualdade de direitos e benefícios que a cidade pode e deve oferecer a todos indistintamente. Integração e reintegração social deveriam ser as palavras-chave para as ações da prefeitura. Por fim, apresenta um quadro em que as políticas públicas destinadas à moradia e geração de renda como prevenção à situação de rua não estão sendo aplicadas de maneira eficaz, pois não alcançam os grupos vulneráveis. O último censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2019 aponta que a população de rua na cidade de São Paulo é de 24.344, e após a recessão provocada pelos efeitos da paralisação das atividades econômicas provocadas pelos protocolos sanitários adotados pelos municípios que compõem o Estado de São Paulo, estes números foram ampliados. Para o Padre Júlio Lancelotti, que na semana passada literalmente quebrou a marretadas as pedras instaladas sob os viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, localizados na Avenida Salim Farah Maluf, zona leste de São Paulo pela zeladoria municipal, a população está subestimada. O número de pessoas que residem nas ruas é muito maior. PUBLICIDADE

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O padre Júlio Lancelotti está coberto de razão. Sem poder arcar com os custos de aluguéis, resta ao cidadão o espaço público, espécie de “vazio urbano que se transforma em moradia, espaço criado para construir suas experiências e vivências, lugar de vida para aqueles que não tem lugar numa sociedade” comenta o Arquiteto Antônio Busnardo Filho, professor e pesquisador em Teoria e Crítica da Arquitetura e Urbanismo da UNIVAG. Em resumo: a rua é um lar e, ao retirar seus pertences e jogar jatos de água, a zeladoria obedece a ordens de secretarias e do prefeito. Tem ordens para limpar o lugar, destroem a casa de alguém.  Neste caso em especial, a prática adotada pela Prefeitura de São Paulo “para aqueles que não têm lugar na sociedade”, pretendia desencorajar o abrigo de pessoas sem abrigo. Esconder cidadãos miseráveis dos olhos das pessoas no lugar de acolhê-los? Transformá-los em invisíveis sociais? Como pode? Isso é inaceitável. Se um agente público coloca pedras sob um viaduto para afastar “mendigos”, é porque nem ele acredita mais na eficácia das políticas públicas sociais adotadas pela atual gestão municipal. 

Quem são estas pessoas? São cidadãos paulistanos sem condições de acesso a programas de renda, saúde, moradia, educação e trabalho. Os chamados “mendigos” abrigam-se onde podem se abrigar. Trata-se de um público que encontra-se em condições de extrema pobreza, quando não de miséria. São pessoas que podem apresentar comprometimentos mentais e dependência química e que demandam tratamento no âmbito da saúde. Em alguns casos são famílias que, ou foram constituídas na rua, ou são recém-chegadas à rua e encontram-se nesta situação por estarem desempregadas, desocupadas, sem renda para custear seus lares. A formulação de políticas públicas para inclusão e reintegração de grupos sociais formados por cidadãos (crianças, adolescentes, jovens, idosos, famílias inteiras) que recorrem à sobrevivência por meio da mendicância requer urgência do prefeito de São Paulo. São seres humanos que precisam da atenção dos agentes públicos para se reintegrarem à sociedade. Nenhum deles escolheu morar nas ruas, tampouco escolheu não ter acesso aos seus direitos como cidadão. Aguardo ansiosamente que, ao retirar as pedras sob o viaduto, o prefeito de São Paulo Bruno Covas mostre que tem vontade política de enfrentar as complexas questões que levam à exclusão social e à miséria milhares de paulistanos. Que apresente aos mais de 24 mil cidadãos em situação de rua que ele está empenhado em resgatar a dignidade e os direitos desse grupo formado por pessoas e famílias em situação socialmente vulnerável.

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O calor que estamos sentindo e as inundações provocadas pelas chuvas fortes são consequências do desequilíbrio causado pela forma como estamos modificando os recursos e os sistemas naturais do planeta

  • Por Helena Degreas
  • 02/02/2021 14h22 – Atualizado em 02/02/2021 14h48

Foto: LECO VIANA/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO 01/01/2021 – 17:53Aumento da temperatura do planeta vem se intensificando desde a década de 1980

Nos últimos dias, os moradores das cidades brasileiras vêm sentindo os efeitos das altas temperaturas. Dias muito quentes, abafados, seguidos de chuvas muito fortes que alagam toda a cidade, causando riscos à vida de todos. Os dias ensolarados do verão vêm acompanhados de calor extremo e sensação térmica superior à temperatura registrada pelos termômetros, dificultando as atividades diárias da população. O aumento da temperatura do planeta vem se intensificando desde a década de 1980. Centenas de cientistas que compõem o Painel Intergovernamental para a Mudança de Clima (IPCC) apresentaram em 2018 um relatório especial no qual propõem que todos os países que se comprometeram com o Acordo de Paris (incluindo o Brasil), adotem como meta limitar o aumento da temperatura global entre 1,5˚C e 2˚C. Parece pouca diferença, mas no dia a dia das pessoas o resultado é catastrófico, pois causa destruição, mortes, perdas materiais e sofrimento a milhões de pessoas em todo o mundo.

O calor que estamos sentindo nos últimos dias e as inundações provocadas pelas chuvas fortes são consequências do desequilíbrio causado pela forma como estamos modificando os recursos e os sistemas naturais do planeta. O desafio que se coloca é o da necessidade de mudança de paradigma no planejamento das cidades: como fazer isso unindo aspectos ecossistêmicos, técnicos, sociais e econômicos? É possível construir cidades melhores com energias renováveis, reflorestamentos urbanos e implantação de áreas permeáveis ajardinadas para absorver a água das chuvas e sombrear calçadas e praças, reduzindo a temperatura nos espaços públicos e evitando inundações? Existem vários exemplos de prefeitos em cidades espalhadas pelo mundo que já estão colocando em prática ações concretas e criativas para minimizar os efeitos do clima como temperaturas altas e inundações.

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Pedestres e ciclistas nas calçadas: compartilhamento ou disputa de espaço?

Recentemente, a prefeitura cidade de Los Angeles nos Estados Unidos criou o programa de StreetsLA que pretende, num período de 5 anos, reformular o espaço público tornando-o resiliente aos eventos climáticos por meio de ações simples, como o plantio de milhares de árvores ao longo das calçadas, praças e parques sombreando a cidade. A prefeitura da cidade de Chicago criou incentivos para a implantação de telhados verdes que, além de colaborarem no conforto térmico e acústico dos edifícios, também reduzem os impactos das ilhas de calor nas cidades. Por sua vez, a cidade de Hong Kong levou o conceito de cidades-esponja ao extremo: pretende absorver e armazenar até 70% da água pluvial em 20% da área urbana. O governo chinês considera inadmissível que um líquido que “cai de graça do céu” seja desperdiçado com inundações e gere mortes e destruição. O objetivo do programa é: menos asfalto, menos concreto e mais lagos, mais parques. Está construindo parques alagáveis, telhados verdes, calçamentos permeáveis e praças-piscina. O que estas cidades cujos exemplos citei têm em comum? A vontade política para realizar obras comprometidas com as questões ambientais globais. A capacidade de compreender que estamos todos no mesmo planeta e, aquilo que afeta um país, afetam todos os demais. A disseminação de vírus como dengue, zika, chikungunya e, mais recentemente, o coronavírus, que vem matando milhares de pessoas só no Brasil, está diretamente relacionado às questões ambientais de âmbito global, por exemplo.

São gestores públicos solidários à causa – prefeitos, governadores e presidentes que têm o compromisso de reduzir a temperatura global, os riscos que afetam a vida e a economia das populações, em especial, a dos países mais vulneráveis. Escrevi anteriormente que o Brasil tem leis, normas, manuais, regulações ambientais exemplares e que foram, no passado, referências para o desenvolvimento de políticas ambientais para diversos países. Alguns planos diretores municipais, como no caso de São Paulo, tem expressas desde 2014 as diretrizes de planejamento urbano que devem ser adotadas para que a cidade seja resiliente ao clima. Prefeito Bruno Covas: melhore a qualidade de suas ações ambientais. Não se resolvem questões climáticas, chuvas e altas temperaturas com a construção de piscinões apenas. Se ao menos os piscinões fossem equipamentos públicos projetados para serem alagáveis, como o Parque alagável Yanweizhou, na cidade de Jinhua, na China, a solução poderia seria mais adequada para uma cidade do tamanho e da importância econômica de São Paulo. É preciso um discurso menos conservador e planos mais abrangentes para tratar a questão. Conhecimento para realizar as ações necessárias o corpo técnico da prefeitura de São Paulo tem, e de sobra. Falta vontade política para disponibilizar recursos financeiros para ações que podem evitar os impactos negativos que já vem ocorrendo no dia a dia da população.

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Pedestres e ciclistas nas calçadas: compartilhamento ou disputa de espaço?

Pesquisas mostram crescimento do número de pessoas que se locomovem a pé ou de bicicleta, mas a prioridade nas intervenções urbanas ainda é do automóvel

  • Por Helena Degreas
    26/01/2021 11h00 – Atualizado em 26/01/2021 15h16

Helena Degreas/Jovem PanPedestres andam sobre faixa destinada a ciclistas em uma calçada no centro de São Paulo

Recentemente, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da Prefeitura de São Paulo implantou uma nova ciclovia com 281 metros de extensão ao longo do viaduto Nove de Julho, no lado par, viabilizando o acesso das pistas existentes nas ruas Santo Antônio, Consolação e Quirino de Andrade à entrada da estação Anhangabaú (linha 3-Vermelha do Metrô). Embora bem-vinda e necessária, a implantação da ciclovia sobre as calçadas —  uma ampliação da mobilidade da população na cidade —  ainda demonstra que a prioridade das intervenções realizadas pela secretaria ainda é do automóvel. O compartilhamento está previsto em leis, normas e manuais, mas, ainda assim, fica a questão: por que colocar a ciclovia sobre a calçada e não repensar o dimensionamento das faixas dedicadas aos automóveis? Será que a prioridade ainda é do carro? 

A pesquisa Origem Destino do Metrô de São Paulo mostra que são realizadas cerca de 42 milhões de viagens diárias na região metropolitana de São Paulo. Com o objetivo de colaborar com a leitura e visualização da base dados da pesquisa, realizada em 2017, a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo e o Instituto Multiplicidade Mobilidade Urbana desenvolveram uma tabela. Das viagens citadas, 31,8% foram realizadas a pé e 0,9% de bicicleta. Ou seja, a pesquisa com base domiciliar mostra que para ir ao trabalho, à escola e às compras (os três principais motivos), um terço dos deslocamentos é feito por pedestres e ciclistas. Se hoje fosse realizado um novo levantamento sobre os modos de locomoção na cidade, os resultados certamente apresentariam um cenário diferente — os dados sobre deslocamentos a pé e por bicicleta seriam mais robustos. PUBLICIDADE

As consequências resultantes da pandemia levaram não apenas ao afastamento social da população como protocolo sanitário, mas também elevou o número de desempregados graças ao pífio desenvolvimento econômico nacional. A bicicleta apresentou-se como alternativa para redução dos gastos de transporte e geração de renda complementar, com o crescimento de entregas de mercadorias por bicicletas em todo o país. A Associação Brasileira do Setor de Bicicletas apontou, em pesquisa realizada entre 15 de junho e 15 de julho do ano passado, um crescimento de 118% em comparação ao mesmo período de 2019. Por sua vez, a pesquisa Viver em São Paulo: Especial Pandemia, realizada pela Rede Nossa São Paulo, mostra que, como consequência da pandemia, 38% da população entrevistada continuará a se deslocar mais a pé e que e 20% pretendem usar mais a bicicleta no dia a dia depois que o isolamento social não for mais necessário. Resumindo, não haverá calçadas suficientes para tantos pedestres e ciclistas.

Ampliar os modos de locomoção a pé e de bicicleta nas cidades é parte das discussões que compõem a agenda urbana internacional que trata de políticas para a construção de cidades e comunidades sustentáveis e de populações saudáveis, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dados das duas pesquisas mostram uma tendência que não tem mais volta: o modo ativo, ou seja, aquele realizado por locomoção a pé e de bicicleta, veio para ficar em nossas cidades. As pesquisas já mostram que pedestres e ciclistas realizam mais viagens diárias do que automóveis particulares e que a tendência é de incremento do modo ativo nos espaços públicos. Nossas calçadas, quando existem, são estreitas para o fluxo de pessoas e têm manutenção ruim, como mostra o relatório da campanha Calçadas do Brasil do Portal de Mobilidade Urbana Sustentável Mobilize. 

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Por esta ótica, é possível afirmar que todos os prefeitos da região metropolitana de São Paulo deveriam investir na construção, reformas e manutenção de calçadas para melhor acolher seus cidadãos. A afirmação também é válida para a construção, remodelação e reforma do sistema cicloviário. Se a prioridade é melhorar a mobilidade da população, a eliminação ou a redução das faixas de rolamento destinadas aos automóveis deveria ser a prioridade. O compartilhamento dos espaços ocorreria apenas em situações extremas, em que alternativas viárias são inexistentes. Desconheço o método e os instrumentos aplicados para o caso da implantação da ciclovia sobre a calçada do viaduto Nove de Julho. Um olhar mais apurado junto ao local aponta que o volume de pessoas circulando ao longo da semana é significativo por se tratar de uma área repleta de instituições públicas. A convivência harmoniosa entre pedestres e ciclistas pode não ocorrer da forma como se espera. É possível que o compartilhamento transforme-se em disputa de espaço público. 

Já as faixas de rolamento destinadas aos automóveis permanecem intactas, evidenciando aos pedestres e ciclistas sua autoridade e preferência sobre o espaço urbano. As políticas públicas e suas ações ainda mostram que se algum compartilhamento tiver que ocorrer na cidade, será entre ciclistas e pedestres nos espaços públicos que restaram do sistema viário. Nos automóveis, ninguém mexe. Ao recém empossado secretário municipal de Transportes, desejo um excelente trabalho. E que, em suas ações, tanto pedestres quanto ciclistas recebam não apenas a sua atenção especial, mas também a destinação de verbas adequadas à realização de mais calçadas e pistas cicláveis, tornando sua locomoção segura e eficaz. Numa cidade em que o poder público prioriza o coletivo na sua forma de planejar, os seus espaços são compartilhados por todos os cidadãos. É uma cidade mais justa.

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Se você não é jovem, saudável e sem deficiências, provavelmente já passou pela estressante situação de apostar corrida contra o semáforo na capital paulista

  • Por Helena Degreas
  • 19/01/2021 09h00

Helena Degreas/Jovem PanCidadãos apertam o passo para conseguir completar a travessia em uma rua de São Paulo

Para aqueles que são adultos jovens, saudáveis e sem deficiências, atravessar a rua com o tempo semafórico destinado aos pedestres nos cruzamentos da cidade de São Paulo é moleza. Basta acelerar um pouco o passo e você chega na outra calçada rapidamente. Para os demais cidadãos, a história pode ser bem diferente.  Quantos metros você anda por segundo? Você consegue atravessar o semáforo de pedestres sem correr preocupado com um eventual atropelamento? Qual dos leitores já passou pela situação estressante de correr para atravessar a rua e perceber que o farol destinado ao pedestre ficou vermelho e você ainda não chegou do outro lado da calçada? Isso acontece porque os semáforos ajustam o tempo para evitar congestionamento de veículos. Dito de outra forma, não estão planejados para atender a velocidade de deslocamento das pessoas.https://53b1b23af142c0c538a0845591c7743b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Um estudo realizado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) constatou que 97,8% das pessoas com mais de 60 anos da cidade de São Paulo não conseguem atravessar a rua no tempo dos semáforos. Essa situação por si só é muito grave, pois amplia o risco de atropelamento que resulta em óbito. Levantamento realizado pela prefeitura do município aponta que os idosos representam cerca de 15% da população paulistana e são as principais vítimas de atropelamentos. Para esse grupo, o caminhar é mais lento, a mobilidade vai ficando cada vez mais reduzida. As mortes que ocorrem em travessias próximas a hospitaisigrejas, centros de saúde e em bairros onde predominam uma população mais velha são previsíveis. Trata-se de estatística e georreferenciamento urbano. Novamente, cito a plataforma GeoSampa, que mapeia todos os acidentes na cidade. Sugiro uma consulta.

A mobilidade reduzida não é resultado apenas do processo natural de envelhecimento da população. Ela inclui também as crianças pequenas, que obviamente não andam na velocidade de adultos, os usuários de cadeiras de rodas, que locomovem-se em condições especiais e ainda sofrem com a falta de manutenção das ruas, as pessoas carregando carrinhos e até gente que, como eu, andam com a “cabeça nas nuvens” ou distraídas com o celular na mão. A pesquisa apontou que os idosos caminham a 2,7 quilômetros/hora ou ainda, 0,75 metros/segundo. O tempo de programação dos semáforos foi planejado para 1,2 metros/segundo ou, ainda, 4,3 quilômetros/hora pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP), em média. Com estes números, fica claro que alcançar a outra calçada caminhando tranquilamente é inviável dependendo do grupo do qual você faz parte. Para melhorar as condições de caminhabilidade, foi lançado ano passado, em São Paulo, o Estatuto do Pedestre, que prevê várias ações que deverão ser adotados pelos órgãos municipais responsáveis. O estabelecimento de metas e cronogramas fica a critério dos órgãos envolvidos. Depende de prioridades políticas que associam verbas às metas e ações. Dentre as diretrizes apresentadas no estatuto, destaca-se a requalificação do sistema semafórico com a ampliação dos tempos para travessia em locais com grande concentração de pedestres e a inclusão de equipamentos com sinal sonoro, tão comum em outros países. Apesar de previsto, o plano ainda encontra-se em processo de implantação. 

O Sr. Élio Bueno de Camargo é um dos vários membros que representam os interesses dos pedestres na cidade de São Paulo junto à Câmara Temática de Mobilidade a Pé (Rede Butantã). Nas reuniões mensais, ele cobra da prefeitura um papel ativo e mais ágil na solução dos problemas que envolvem os semáforos da cidade, defendendo que os tempos semafóricos sejam ajustados às necessidades da população em todo o território da cidade, e não apenas ao fluxo de veículos. Em relação às mortes por atropelamento, salienta que é necessária uma ação pública mais descentralizada na prevenção dos acidentes, já que ocorrem em todo o território urbano.

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Doria trata o complexo do Ibirapuera como grande salão de negócios em vez de entregá-lo ao paulistano

Cidades como Londres e Barcelona ampliaram o tempo semafórico destinado ao pedestre visando reduzir o risco de atropelamentos da população em geral. A velocidade adotada é de 0,9 metros/segundo para todos os semáforos. Essa e outras inciativas estão previstas nos planos de mobilidade e são, portanto, prioridade dos prefeitos. A população está envelhecendo e é desejável que o caminhar do cidadão seja tratado de maneira diferenciada. A priorização de políticas e ações voltadas à revisão da infraestrutura que envolve a mobilidade das pessoas é fundamental para uma cidade que pretende zerar as mortes por atropelamento.

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Governo estadual entende lazer da população apenas como um prejuízo contábil, mas a cidade é muito mais do que shoppings, apartamentos short/long stay e coworkings

Por Helena Degreas

12/01/2021 09h00 – Atualizado em 12/01/2021 14h47

Divulgação/Secretaria de EsportesEdital de concessão do complexo do Ibirapuera prevê a possibilidade de demolição de todos os equipamentos esportivos do local

O recente edital proposto pelo governador João Doria que prevê a concessão do Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, conhecido como Complexo Desportivo do Ibirapuera, prevê a construção de uma arena e a possibilidade de demolição de todos os equipamentos esportivos do local. Em dezembro, a juíza Liliane Keyko Hioki, da 2ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, alegou que o processo licitatório é precipitado e feito sem análise sobre se o projeto apresentado pelo poder público realmente atende ao interesse público. O que se entende por interesse público? Quem é o público interessado? Muitas questões estão envolvidas e algumas delas podem não representar o interesse da população diretamente afetada: os usuários do complexo.

As declarações de Doria e de seu secretário de Esportes, Aildo Ferreira, defendem que não faz sentido gastar dinheiro público para manter uma “estrutura obsoleta, defasada, que atende muito mal os atletas de São Paulo”. O governador acrescenta que todo o conjunto gera prejuízo aos cofres públicos no montante de R$ 10 milhões. Dito de outra forma, entende-se que o complexo pode ser demolido sem prejuízo algum para a cidade e seus habitantes. Discordo e destaco duas das questões que considero fundamentais: o processo de tombamento de um complexo desportivo como necessário à preservação de um marco da cidade e a outra, que trata do conceito de interesse público.

 

Apesar do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) ter rejeitado o pedido de tombamento do Complexo Desportivo Ibirapuera, é importante ressaltar que a atual composição de seus membros foi alterada também pelo atual governador, reduzindo o papel das universidades e da população, por exemplo. A abertura de um processo de tombamento de um bem público permite que o povo reflita e atue diretamente sobre os destinos de um lugar que é utilizado por diferentes grupos sociais desde a década de 1950. A partir da participação popular nas decisões sobre o papel desempenhado por este complexo, seria possível proceder às reformas que atendam às necessidades e expectativas de um espectro social mais amplo, e não restrito a agentes públicos e empresas privadas. Além do mais, o instrumento de tombamento autoriza o concessionário a realizar reformas e remodelações que adequem as edificações, as novas funções e o uso contemporâneo de atletas e da população em geral. Como exemplo, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo anunciou nesta semana a transformação do Champs-Élysées em um imenso jardim para uso da população. Ela está preocupada com a vida dos cidadãos em seus espaços públicos. A proposta é resultado de uma ampla consulta realizada junto à população e que representará a vontade dos parisienses. 

Já em São Paulo, a proposta para o novo empreendimento foi realizada por meio de um contrato celebrado entre o governo estadual a Fundação Instituto de Pesquisas (Fipe). Os estudo para a modelagem comercial geraram o Documento Referencial para a concessão de uso do complexo desportivo “Constâncio Vaz Guimarães” e construção de arena multiuso. Ele descreve os novos usos previstos para a viabilização do negócio: arena multiuso (20 mil pessoas, com 45 mil m²), atividades esportivas (clube desportivo pago e áreas externas para uso livre, com 4.880 m²), comércio, serviços e shopping (lojas âncora, megalojas, lojas satélites, conveniências/serviços/entretenimento, quiosques, com 31.780 m²), hotel e residencial com serviços (200 unidades habitacionais e 181 apartamentos short/long stay), edifício multiuso (13 pavimentos de lajes corporativas, salas comerciais e espaços de coworking, totalizando cerca de 10 mil m²) e estacionamento (3.365 vagas). O programa de atividades e usos foi criado por uma empresa sem a participação da população ou outros grupos que atuam pela preservação dos bens culturais. Diferentemente da prefeita Anne Hidalgo, o governador João Dória entende a cidade como um campo fértil para a geração de novos negócios.

O Documento Referencial descreve a contrapartida oferecida aos cidadãos: em troca da construção do novo empreendimento, a população poderá usufruir gratuitamente de quatro quadras abertas. Em troca do direito de construção e exploração comercial durante a vigência da concessão de uma área cobiçada por empresas do ramo imobiliário, o empreendedor oferece ao cidadão uma área inferior a 3.000 m². Não é preciso muito esforço para perceber o quão desproporcional é a relação custo-benefício que envolve a contrapartida apresentada no documento. Entendo que faz-se necessária uma revisão urgente da situação apresentada pelo edital, pois os equipamentos propostos estão aquém daqueles que hoje já são oferecidos pelo atual complexo de forma gratuita aos cidadãos.

Recreação, lazer e espaços de vida pública são temas contemporâneos e estão na pauta das agendas de discussão urbana internacional, pois afetam diretamente a saúde física, mental e qualidade da vida de todas as pessoas. O edital de concessão deixa claro que tanto o governador João Doria quanto o secretário Aildo Ferreira tratam o direito ao tempo livre e à recreação da população como prejuízo contábil porque entendem que as questões relacionadas à cidade precisam ser tratadas como negócios. É um ponto de vista que me permito, como cidadã, discordar. A cidade é mais do que um shopping center, apartamentos short/long stay e coworking. A cidade é feita por pessoas e, como tal, deve ser planejada para sua fruição, sem custos adicionais ou venda de ingressos para acesso às oportunidades de entretenimento e recreação. Prover espaços livres públicos e de qualidade para o lazer de diversos grupos sociais é uma função de governos, não de empresas.

Para o arquiteto e pesquisador em patrimônio cultural Dr. Antônio Soukef Júnior, “o fato de o conjunto apresentar problemas de conservação, por falta de manutenção preventiva, não pode ser o principal argumento para sua destruição, pois sua importância histórica e cultural se sobrepõe à sua perda. Mais do que um complexo desportivo, ele deve ser pensado do ponto de vista urbanístico, já que se trata de um conjunto composto pelo Parque do Ibirapuera, a Assembleia Legislativa e o QG do II Exército”. Acrescenta ainda que “perder um conjunto esportivo que cumpre há décadas uma função social indispensável na formação de esportistas a fim de substituir o espaço por hotéis e demais empreendimentos imobiliários, sob o pretexto da obsolescência da ocupação original, parte de uma premissa simplista, que não leva em conta todos os fatores que deveriam ser pensados”. 

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Inundações são previsíveis e devem ser tratadas pelos prefeitos como riscos à vida da população

Ao defender a substituição das arquiteturas existentes em função do mau estado de conservação e inadequação aos programas funcionais contemporâneos, o governador e seu secretário erram duplamente: primeiro ao demonstrar um profundo desconhecimento sobre a arquitetura e urbanismo modernistas brasileiros, sua importância na construção da identidade e da memória da cidade. Em segundo lugar, um profundo desrespeito à população por permitir a oferta de contrapartida vil face aos usos atuais e também por desconsiderar todos os abaixo-assinados e cartas públicas de instituições que defendem nosso patrimônio construído e que são contrários às políticas públicas que priorizam a cidade como negócio em detrimento dos seus cidadãos.

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Inundações são previsíveis e devem ser tratadas pelos prefeitos como riscos à vida da população

É possível mapear possíveis desastres causados pelas chuvas de verão e, assim, evitar que pessoas percam a casa, os móveis ou até a vida

  • Por Helena Degreas
  • 05/01/2021 08h00 – Atualizado em 07/01/2021 14h04

Helena Degreas/Jovem PanBuraco de dois metros de profundidade, provavelmente causado pela chuva, recebe sinalização improvisada para não machucar os mais desatentos

Até que “as águas de março fechem o verão”, muitos lares, comércios, bens materiais e vidas serão perdidos como consequência das chuvas torrenciais que assolam a cidade. É impressionante ler, ano após ano, as mesmas manchetes que tratam dos estragos provocados pelas tempestades. Inundaçõesenchentesdeslizamentosquedas de árvores e afundamentos de asfalto ocasionados por rompimentos de galerias de águas pluviais ainda são tratados como “desastres naturais”, em especial, quando os governos locais falham no gerenciamento dos riscos decorrentes dos efeitos relacionados aos extremos climáticos. Reitero que não são desastres ocasionados apenas por fenômenos naturais extremos: são decorrentes da falta de previsão de nossos gestores públicos dos riscos aos quais os cidadãos estão expostos nesta época do ano.https://53b1b23af142c0c538a0845591c7743b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

A imagem estampada na coluna desta semana é só mais uma das várias experiências vivenciadas por quem mora nas capitais brasileiras. O diâmetro do buraco é até singelo, mas a profundidade de cerca de 2 metros permite que uma pessoa distraída com seu celular possa ser engolida por ele. Provavelmente, a chuva torrencial sobrecarregou a rede de águas pluviais e o asfalto cedeu. Tentando solucionar a questão, o motorista do ponto de taxi em frente colocou um galho no local, apontando ao prefeito, involuntariamente, que a permeabilização da cidade se faz necessária e que esta é uma das várias ações de baixo custo que podem ser adotadas para melhorar a absorção das águas em diversos pontos da cidade: a substituição do asfalto por grama em alguns casos.PUBLICIDADE

Causou-me estranheza, portanto, ler a plataforma de governo do prefeito reeleito Bruno Covas. Um dos destaques tratava da construção de novos piscinões, que, apesar de necessários, não resolvem as consequências anteriormente citadas. Estas obras são desenvolvidas para conter as águas das chuvas que irão ocupar ruas e avenidas da cidade, evitando inundações, enchentes e prejuízos materiais em alguns pontos. Trata-se de uma ação que está longe de ser a única solução para as enchentes. Não previnem o problema, sempre haverá a necessidade de construção de mais piscinões. Como evitar isso? Antecipar, gerenciar e reduzir os riscos de desastres são atribuições dos gestores locais, pois eles devem atuar criando sistemas de alerta e estabelecendo estruturas específicas para o gerenciamento de crises como essas. Essas ocorrências são previsíveis e encontram-se inclusive mapeadas: uma simples busca na plataforma GeoSampa localiza desde quedas de árvores até deslizamentos e inundações ocorridas na cidade.

Dois excelentes documentos produzidos por secretarias da prefeitura paulistana nos últimos anos podem ser utilizados para a melhoria da plataforma de governo, colocando a questão das inundações numa discussão contemporânea, mais ampla, envolvendo assuntos que compõem a agenda urbana internacional como a gestão de riscos advindos dos extremos climáticos. O primeiro deles é o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias, que, em um de seus capítulos, destaca a importância da constituição de uma rede de infraestrutura verde (permeabilidade e vegetação) e azul (águas urbanas), abarcando os sistemas naturais também abrigados pelo espaço viário, como arborização, parques lineares, sistemas de biorretenção e paisagismo. Vagas verdes e jardins de chuva em calçadas e áreas residuais de sistemas viários são alguns exemplos. O outro é o Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres, cuja consulta pública foi recentemente concluída e define uma política de gestão para a provisão de áreas verdes e de proteção do patrimônio ambiental do município de São Paulo. Os dois documentos, elaborados por técnicos municipais após consulta pública, contribuem para o planejamento das consequências advindas dos extremos climáticos aos quais pessoas e bens estão expostos em função do aumento da temperatura no planeta. 

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Poder público deveria ser corresponsável pela morte de Marina Kohler e de tantos outros no trânsito

A revisão de atribuições, responsabilidades e a alocação de recursos para a implementação de diretrizes apresentadas nos dois documentos ampliará a capacidade de resiliência da cidade de São Paulo, restaurando suas estruturas e funções básicas, evitando com isso os riscos à população. É importante que gestores públicos locais incluam o conhecimento das vulnerabilidades existentes e os riscos associados à ocorrência de eventos extremos climáticas ao dia a dia da gestão pública, bem como ao planejamento das cidades, para o bem do cidadão.

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Poder público deveria ser corresponsável pela morte de Marina Kohler e de tantos outros no trânsito

Relatório anual elaborado pela CET aponta que 31 ciclistas e 359 pedestres morreram em 2019 vítimas de atropelamentos; população tem pressa e não tolera mais isso

  • Por Helena Degreas
  • 29/12/2020 12h17 – Atualizado em 30/12/2020 12h16

Helena DegreasMarina Kohler Harkot, de 28 anos, morreu na madrugada de domingo após ter sido atropelada na zona oeste de São Paulo

Dedico minha coluna de hoje à cicloativista Marina Kohler Harkot, atropelada e morta em novembro de 2020 enquanto trafegava de bicicleta pela Avenida Paulo VI, no bairro Sumaré, Zona Oeste de São Paulo. É graças ao seu papel político na defesa de melhores políticas de mobilidade urbana que estamos vivenciando mudanças nos espaços urbanos destinados aos pedestres. O relatório anual elaborado pela Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET) aponta que 31 ciclistas e 359 pedestres morreram em 2019 vítimas de atropelamentos. Família destroçadas, amigos e colegas carentes do abraço e da palavra, sociedade cada vez mais triste. Atropelamentos com vítimas ocorrem diariamente. Não é possível considerar esse fato como natural sabendo que existem soluções para reduzir a zero o número de acidentes com ou sem mortes. Depende da vontade política. Eles estão, inclusive, mapeados, e seus dados encontram-se no portal do GeoSampa.

Segurança viária é um assunto que deve ser cobrado de todos os prefeitos responsáveis pela gestão das cidades brasileiras. Como cidadã, estou cada vez mais irritada com a atuação lenta das prefeituras, vereadores e secretários em relação às mudanças urgentes previstas no Plano de Mobilidade de São Paulo. Todos eles deveriam ser corresponsáveis pela morte da Marina e de tantos outros. A distribuição dos espaços nas ruas é desigual. A pesquisa Origem e Destino realizada pelo Metrô de São Paulo em 2017 informou que foram produzidas 42 milhões de viagens diárias na RMSP. Destas, cerca de 34% foram realizadas por transporte coletivo, 33% por automóveis particulares e 33% foram realizadas por bicicleta e a pé. Qualquer cidadão que anda nas ruas percebe que o espaço destinado à circulação do automóvel particular é muito maior do que aquele destinado ao transporte coletivo, aos pedestres e às bicicletas.

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São Paulo, a exemplo de outras cidades brasileiras, adotou um Plano de Segurança Viária com base na abordagem de Sistema Seguro. Chamado de Vida Segura, o plano propõe ações no âmbito do planejamento da mobilidade urbana que pretendem reduzir as mortes e feridos graves no trânsito até o final de 2030. Apesar do Plano de Mobilidade Urbana ter sido instituído em 2015, algumas ações são incompatíveis com ele e com o Plano de Segurança Viária, por exemplo. É importante lembrar que, em 2017, o então prefeito João Doria cumpriu sua promessa de campanha e, logo após assumir seu mandato, aumentou as velocidades máximas nas marginais Pinheiros e Tietê, de 50 para 60 km/h na via local, de 60 para 70 km/h na via central, e de 70 para 90 km/h na via expressa. O atual prefeito Bruno Covas manteve a alteração do seu antecessor. O resultado não poderia ser outro: houve um amento significativo no número de acidentes com vítimas.

Pesquisas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico indicam que, enquanto a maior parte dos usuários mais vulneráveis (sem proteção) sobrevive a um atropelamento por um automóvel transitando a 30 km/h, a maioria deles tem cerca de 80% de chances de ser morto em uma colisão com um veículo a 50 km/h. Tem sentido uma velocidade tão alta numa via repleta de crianças, idosos ou pessoas atravessando a rua no meio da cidade? A implantação de medidas eficazes e urgentes para a segurança das pessoas deve ser prioridade política. Toda vida é importante. São os representantes eleitos com o seu voto que controlam o orçamento, destinam verbas e definem as prioridades na administração de nossas cidades. São eles os responsáveis pelas vidas que poderão ser salvas nos próximos anos. Temos pressa, prefeito Bruno Covas, não toleramos mais mortes no trânsito.

Em resposta à coluna, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes enviou a seguinte nota:

Em relação ao texto “Poder público deveria ser corresponsável pela morte de Marina Kohler e de tantos outros no trânsito”, a Prefeitura de São Paulo informa que a atual gestão está comprometida com a ampliação da segurança viária e a consequente redução do número de acidentes e mortes. As medidas executadas mostraram resultado efetivo jamais visto e muito promissor para a preservação da vida. Em 2019, a cidade alcançou o menor índice de vítimas fatais desde que essa informação começou a ser registrada, de 6,44 mortes a cada 100 mil habitantes. O índice de 2020, até outubro, é ainda menor, alcançando 5,97 mortes por 100 mil habitantes. Em 2016, o índice havia sido de 7,07 mortes por 100 mil habitantes.

O Plano de Segurança Viária – Vida Segura, lançado no primeiro semestre de 2019, representa um marco para a cidade em seu esforço para reduzir os acidentes. Trata-se de um documento norteador que organiza e integra ações com o propósito de salvar vidas, com foco principalmente em ciclistas e pedestres. Por meio dele estão sendo implantadas na cidade as Áreas Calmas, as Rotas Escolares Seguras, os Territórios Educadores, além dos programas Pedestre Seguro e Vias Seguras. A atual gestão também planejou, com ampla participação social, e vem executando o Plano Cicloviário. Até o fim deste ano, 60% da malha cicloviária existente estará requalificada, com reforma de guias, sarjetas, novo piso asfáltico e padrão de pintura mais seguro ao ciclista. Também até o fim de 2020, mais 173,5 km de ciclovias e ciclofaixas terão sido entregues à população.

Há outras iniciativas que trouxeram benefícios duradouros para a segurança dos usuários do viário e também para a melhoria da qualidade urbanística da capital, como o primeiro Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da cidade, publicado neste mês. Um documento fundamental que reúne para projetistas e executores todas as normas que devem ser seguidas nas vias e áreas de uso comum na cidade. Além disso, foi regulamentado o Estatuto do Pedestre, que traz uma série de diretrizes em busca da preservação dos espaços e da segurança do elemento mais vulnerável do sistema viário. Todas essas medidas têm embasamento técnico e inspirações nas melhores práticas conhecidas ao redor do mundo. Em relação às Marginais dos Rios Tietê e Pinheiros, a Prefeitura esclarece que elas retornaram aos limites de velocidade anteriores por se tratarem de vias de trânsito rápido e são, juntamente com a Avenida 23 de Maio, as únicas vias em toda a cidade com velocidades máximas permitidas superiores a 50 km/h.
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