Aumentar as vagas de estacionamento ao invés de ampliar transporte público? o que é isso, prefeito?

Prédios próximos da Estadão Vila Madalena do Metrô: A lei atual permite que os empreendimentos nos eixos construam “gratuitamente” um número de garagens igual ou inferior ao total de apartamentos, sem que sejam consideradas “áreas computáveis”. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Na contramão das boas práticas de gestão urbana que atuam na direção de construir cidades compactas e resilientes, o prefeito Ricardo Nunes pretende mudar o Plano Diretor estimulando o uso de automóveis justamente onde há oferta de transporte público, ou seja, nas áreas onde já existem corredores de ônibus e estações de metrô. Criar mais vagas para o estacionamento de automóveis particulares na cidade vai contra todas as discussões e ações que foram sendo construídas ao longo de quase duas décadas no que tange às questões de mobilidade urbana com ênfase na integração dos modos ativos de locomoção, na melhoria da qualidade de vida urbana com a criação de espaços públicos verdes e áreas de estar sombreadas, iluminadas e mobiliadas em frente às calçadas para provimento de espaços públicos de qualidade para a fruição dos caminhantes.

A única justificativa plausível para a alteração seria a de atender a demanda do mercado imobiliário (e todo o seu ecossistema) nos eixos de estruturação da transformação urbana. Ignorância ou má fé?

O ecossistêmica composto por empresas imobiliárias e de construção civil entendem que a oferta de vagas para estacionamento de automóveis particulares incentivará a venda dos micro apartamentos. São aquelas unidades habitacionais que em muitos casos são menores do que um quarto de hotel popular. Os estúdios de menos de 20 metros quadrados viraram investimento (fundos imobiliários) de proprietários que, encarando de frente uma bolha imobiliária prestes a explodir, estão desesperados com a possibilidade de perda iminente de seus ativos.

Os efeitos desse dispositivo são visíveis, por exemplo, na Avenida Rebouças e na Vila Madalena, áreas nas quais há uma profusão de obras. Nesses locais, há especialmente um boom de apartamentos pequenos. Em artigo recente publicado pelo Estadão, cerca de 250 mil compactos foram lançados entre 2014 e 2020 ao longo dos eixos de estruturação e transformação urbana. Incentivados pela gratuidade das garagens (áreas não computáveis no coeficiente de aproveitamento), espaços compostos por “estação para preparo de alimentos”, local para dormir proliferaram lembrando muito o boom imobiliário provocado pela construção de flats décadas atrás que deixou vários investidores com um prejuízo razoável vez que não havia tantos locadores para aquele tipo de imóvel.

Lembro-me de quando o plano diretor ainda estava em elaboração. Nele, urbanistas e técnicos municipais depositavam a confiança na construção de uma cidade mais justa em que unidades habitacionais dignas fariam parte de um “estoque” habitacional da municipalidade para compor parte da política habitacional destinada à população de baixo poder aquisitivo não atendida pelo sistema de crédito bancário. A redução na oferta do número de vagas para estacionamento ao longo de eixos de transporte público, pretendia incentivar seu uso juntamente com outros modos de locomoção não motorizada.

Anos depois e regulamentações urbanas várias, o PDE, antes inovador, vai transformando-se num Frankenstein, costurado por interesses diversos do alcaide e dos vereadores de plantão. Em tempo: eleitos pela população.

A saga para acionar a Prefeitura de São Paulo e (tentar) pôr fim a uma cratera no meio da rua

Entra verão, sai verão, e é sempre a mesma coisa: começa a estação dos buracos nas vias mediocremente pavimentadas da capital, derrubando ciclistas, destruindo amortecedores e causando acidentes

  • Por Helena Degreas
  • 27/04/2021 09h00 – Atualizado em 27/04/2021 09h35

Helena Degreas/Arquivo PessoalPrefeitura se responsabiliza pelos buracos que nascem naturalmente e os que são fruto da má qualidade da massa asfáltica

Para chegar à estação de metrô ando diariamente cerca de 800 metros. O passeio é agradável, observo pessoas e seus cães, jardins de prédios, floreiras… Também vejo alguns tropeçando nos buracos das calçadas, e ônibus, bicicletas, motos e automóveis sofrendo do mesmo mal nas vias mediocremente pavimentadas. Recentemente, um colega chamou a minha atenção para o fato de que, pelo menos, minha rua é asfaltada e tem calçadas. E ele está certo: eu moro na área central. Se morasse em regiões mais distantes, não haveria nem asfalto nem calçada. Com as chuvas torrenciais que ocorreram no início deste ano, pude observar novamente as mudanças no asfalto. Entra verão, sai verão, e é sempre a mesma coisa: começa a estação dos buracos e das crateras. Em um destes dias, vi um fato novo: uma pequena fissura onde eu sempre atravesso a rua. Não sei bem o porquê, mas chamou a minha atenção. Vi quando ela nasceu. Era apenas uma fissura tão delicada no asfalto. Todos os dias, uma nova fissura surgia a partir dela. Com o passar do tempo, havia se formado o desenho de um raizame completo.

Um dia, pedi ao meu marido que me acompanhasse: queria apresentar-lhe a fissura. Ele se sentiu um pouco assustado com o convite, mas foi. Conheceu as fissuras em formato de raízes. Disse que eu estava sofrendo os efeitos da prolongada quarentena. Não estava não: era curiosidade misturada com raiva. Nas semanas seguintes, o asfalto começou a se romper, surgiu um buraco e o local afundou um pouco. Pensei: “Está na hora de eu chamar a prefeitura para consertar”. Deu preguiça. Quem sabe algum vizinho chama. Por que só eu tenho que chamar sempre? Ninguém chamou e, numa noite, um rapaz de bicicleta afobado para entregar uma refeição no prédio ao lado, não viu o tal buraco e caiu com a sacola de comida. Fui ajudá-lo a se levantar, estava bem, mas tinha perdido o pedido e a comida. Poucos dias depois, o buraco já estava com cerca de 5 centímetros de profundidade. A largura era variável, mas as fissuras estavam lá cada vez mais abertas. Em uma delas, estava nascendo grama. A vingança da natureza contra obras humanas mal construídas. Soube pelo porteiro que um carro não apenas perdeu a calota e teve os amortecedores destruídos, mas que também precisou ser guinchado ao passar pelo tal buraco. Era noite e o motorista foi surpreendido. Com o carro danificado, desceu aos gritos praguejando e xingando o prefeito, o vereador e todos os políticos que lembrou naquele momento (tem meu total apoio), responsabilizando-os pelos altos impostos e pelo serviço medíocre prestado aos cidadãos, proferindo um conjunto de frases e palavras que prefiro não transcrever aqui. Perdi a paciência e parti para o exercício da cidadania ativa. Matei a preguiça.

Em caráter emergencial e, na esperança de evitar futuros acidentes com vítimas fatais, pedi aos responsáveis pela obra situada em frente ao buracão que, gentilmente, cedessem um cone — daqueles grandes, altos, cor de laranja com faixas brancas, para colocar sobre ele. Depois de ouvi-los relatar detalhadamente as quedas de moto, bicicletas e calotas perdidas, os auxiliares da obra colocaram o sinalizador e, rindo, disseram que a prefeitura iria tapar o tal buraco com o concreto básico (não sei bem o que isso significava), mas que ele iria abrir rapidinho. Será, pensei? Não tenho nenhuma paciência para telefonemas longos que começam com: “Olá, boa tarde! Você ligou para a central SP 156, estamos todos trabalhando para…”. Desliguei. Deu preguiça novamente. Essa história iria levar, no mínimo, meia hora. Fui direto ao portal SP156.

Acessei a plataforma oficial. Bonita. Mas a forma de organização do site é pouco amistosa com o cidadão. São muitas informações organizadas em categorias no formato de “árvore”, ou seja, pressupõe que a pessoa saiba a sequência de informações para acessar o que está buscando. Não sou especialista em prefeitura e tampouco conheço a lógica de quem programou e diagramou o site. “Vai demorar. Mas tudo bem, vou ao menos tentar”, pensei. O buraco precisava de conserto. Entrei na categoria “Rua e Bairro”; depois em “Tapa buraco”; neste momento, fui direcionada para uma espécie de Manual de Instruções para solicitar o serviço da prefeitura. São 12 itens que, lidos, pretendem apresentar em quais circunstâncias o pedido deve ser realizado pelo cidadão, os prazos, as responsabilidades, entre outros temas. Li com atenção, levei muitos minutos. Já no segundo item denominado “O que é o serviço”, diz que trata-se de um conserto no asfalto em que o órgão responsável remove o asfalto velho ao redor do buraco e o preenche com asfalto novo. Completa informando que a prefeitura se responsabiliza pelos buracos que nascem, como aquele que eu descrevi até agora, naturalmente. Aqueles que são fruto da má qualidade da massa asfáltica, que são originários do péssimo serviço de implantação e conserto, são de responsabilidade dela. Os demais que são criados pela Sabesp, Cetesb e demais concessionárias (algumas dezenas delas) não são de sua responsabilidade. E agora? De quem era o buraco?

Fui até lá para ver a origem. Quem era o dono do buraco? Precisava saber se tinha nome. Nome não tinha, mas tinha uma tampa chamada “águas pluviais”. Estava claro que o afundamento era proveniente do comprometimento de galeria de águas de chuva. Os assistentes da obra continuavam ali, observando. Fui até lá. Perguntei se eles sabiam de quem era o buracão que, agora, já tinha se transformado em cratera. Era possível ver quase uma trincheira aberta, um vazio imenso, parecia o fundo de um poço. “A galeria não deu conta da chuva, dona. Não é só o asfalto, a senhora não está vendo que tem um monte de remendo de outras chuvas no chão?”, perguntou. De fato, estavam todos lá, sobrepostos uns aos outros. Agradeci. Voltei à plataforma. “Iniciar processo”. Cadastrei meu login e senha. Contei a tal história. Semanas depois, o buraco estava recapeado. Desta vez, os assistentes da obra em frente ao “craterão” me observavam. Esperavam por minhas perguntas e estavam mais curiosos com o enredo da novela do que com o seu conserto.

De cara um deles grita do primeiro andar da obra: “Eu não disse doutora? Os homens da prefeitura vieram aqui e rapidinho colocaram concreto em cima. Vai abrir de novo”. Final da história? Que nada! As fissuras retornaram firmes e fortes! Hoje pela manhã fui visitar o local: no entorno da tampa cimentada, tem um novo afundamento. Levei a minha fita métrica: 4 cm. Singelo ainda. Em breve eu, os assistentes da obra e o porteiro assistiremos consternados, a retomada da saga: “O retorno da cratera”, com o roteiro escrito pela Secretaria Municipal das Subprefeituras, a Direção da Prefeitura do Município de São Paulo e tendo como público pagante o cidadão do município de São Paulo. Certeza que vai ganhar a estatueta do Oscar!

Podcast: Praças e hortas nas alturas? Como as cidades estão criando novos usos para seus antigos telhados

Sou Helena Degreas e hoje vou comentar a coluna que escrevi nesta semana para a Jovem Pan News chamada de Praças e Hortas nas alturas ou ainda sobre como as cidades estão criando novos usos para seus antigos telhados. Ao transformar em espaços habitáveis para as populações, estas coberturas de edifícios permitem a incorporação de mais metros quadrados para recreação, lazer e até mesmo produção de hortas, pomares e miniflorestas urbanas. A coluna encontra-se neste link: bit.ly/3ndrJ0r

Você está a um clique de opinar sobre os destinos de sua cidade, basta querer

Por meio de audiências públicas virtuais, população de São Paulo poderá discutir, até o próximo dia 30, questões como buracos na rua, lixo nos córregos e enchentes

  • Por Helena Degreas
  • 13/04/2021 09h00 – Atualizado em 13/04/2021 09h27

Texto original publicado Jovem Pan

Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo – 01/11/2012Programa de Metas da cidade de São Paulo visa melhorar as condições de qualidade de vida urbana

Recentemente, o prefeito reeleito Bruno Covas (PSDB) apresentou o Programa de Metas (PDM) da cidade de São Paulo para o quadriênio 2021-2024, atendendo a emenda nº 30 da Lei Orgânica do Município de São Paulo. As 75 metas refletem os compromissos em campanha e atendem as normas que foram estabelecidas pelo Plano Diretor Estratégico. As metas e iniciativas encontram-se divididas em seis eixos temáticos. São eles: “SP Justa e Inclusiva”, “SP Segura e Bem Cuidada”, “SP Ágil”, “SP Inovadora e Criativa”, “SP Global e Sustentável” e “SP Eficiente”. Elas estão sendo apresentadas à população por meio de audiência públicas (eletrônicas e virtuais) desde o sábado passado, 10  — e vão até 30 de abril. Se você deseja dar sugestões para acréscimos, alterações no conjunto de prioridades e estratégias propostas por Covas para os próximos quatro anos de mandato, é bom se apressar: o prazo é curto e as mudanças dependem da participação dos cidadãos no site Participe Mais. O orçamento disponível, reservado no caixa da prefeitura para os investimentos e despesas relacionados ao planejamento e execução de obras, aquisição de imóveis e instalações, equipamentos e material permanente, é de R$ 29,9 bilhões.https://3310838462592fd1121678a4ddce88de.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Dentre as iniciativas de estímulo à mobilidade ativa, o programa prevê a manutenção de 1,5 milhão metros quadrados de calçadas por meio de recursos provenientes do Plano Emergencial de Calçadas (PEC – Decreto 58.845/2019), a implantação de dois projetos de Rotas Escolares Seguras, dois de Ruas Completas e cinco de Rotas Acessíveis para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Considerando que a cidade de São Paulo tem cerca de 65 milhões de metros quadrados de calçadas em seus 20 mil quilômetros de vias, mais de 4 mil escolas municipais de ensinos infantil, fundamental e médio e que a base de dados da Secretaria da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo aponta que cerca de 7.2% do total dos paulistanos têm algum tipo de deficiência funcional, é de se esperar um conjunto de inciativas mais significativas para a população. Entendo que manutenção de calçadas não é meta e, sim, serviço corriqueiro de subprefeituras. Já a requalificação, alargamento, redesenho viário — como previstos nas inciativas que se referem às metas 38, 39 e 40 — são importantes desde que as rotas sejam planejadas por meio de uma Rede de Mobilidade a Pé (rede de circulação para a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego) que conecte e integre toda a infraestrutura de caminhadas, associando-a às demais formas de mobilidade ativa e motorizada da cidade, pois é ela que deveria nortear o planejamento e o desenho urbano.

Para tratar a questão das inundações e enxurradas provenientes das tempestades que castigam a população, a prefeitura apresenta como meta a construção de 14 novos piscinões, além da limpeza e desobstrução de 8,2 milhões de metros de extensão dos rios e córregos. Pretende-se, por meio de duas metas, ampliar a resiliência da cidade às chuvas, evitando ou impedindo enxurradas e enchentes. Tanto os piscinões quanto a limpeza resolvem as consequências — inundações e enxurradas —, mas não são capazes de evitar a origem do problema, que é a intensa impermeabilização do solo urbano ou, ainda, da infraestrutura “cinza”. Logo adiante, e dissociada das duas anteriores, a meta 62 aponta o plantio de 180 mil árvores e a criação do Sistema Geral de Arborização. As propostas estão corretas, mas trabalham de forma isolada, cada uma com suas atribuições e orçamentos individualizados por secretarias e departamentos; cada qual com seu guichê. O resultado pode gerar desperdício de recursos e baixa eficácia das ações individualizadas, uma vez que, em sua quase totalidade, as metas e iniciativas pretendem atender aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, melhorar as condições de qualidade de vida urbana dos cidadãos e mitigar ações que coloquem populações urbanas em risco de vida e material.

A questão poderia ser tratada como política pública que envolve várias secretarias, dentre as quais a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, a Secretaria Municipal de Subprefeituras, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, além da Secretaria do Verde e Meio Ambiente e a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes. Todas elas têm, nos espaços públicos da cidade, seu local de planejamento, intervenção e trabalho. Parece óbvia a relação entre o tema resiliência urbana e a necessidade de planejamento unificado… Mas ainda não é. Em 2020, o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias publicado pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte descreve, no capítulo 6 – Infraestrutura Verde e Azul, uma série de ações que tratam dos sistemas naturais, também abrigados pelo espaço viário, como arborização, parques lineares, sistemas de biorretenção e paisagismo (biovaletas, jardins de chuva, entre outros). Além dele, o Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (Planpavel), em processo de redação final realizado pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente, tem como objetivo estratégico dar sustentabilidade ambiental à cidade por meio do aumento da cobertura vegetal das áreas públicas e particulares, da ampliação e requalificação das áreas verdes públicas nos territórios densamente ocupados, carentes de cobertura vegetal e de áreas públicas de lazer, maximizando os serviços ecossistêmicos e a governança e gestão das áreas verdes, além da requalificação dos cursos d’água e espaços.

Estes foram alguns poucos comentários referentes às metas e iniciativas propostas por Bruno Covas. Questões sobre regularização das habitações subnormais, oferta de novas habitações para a população de baixo poder aquisitivo, melhoria e ampliação da rede de saneamento básico (com ênfase na coleta de esgotos domiciliares em áreas periféricas), além de assuntos vinculados à população em situação de rua serão abordados em outra coluna. O que importa hoje é que você, cidadão paulistano, cadastre-se no site Participe Mais e depois acesse o Programa de Metas 2021-2024 e Plano Plurianual 2022-2025, colocando suas opiniões sobre os assuntos que mais afetam a sua vida: buracos na rualixo nos córregos e enchentes, por exemplo. O texto é longo e a leitura difícil, mas não se sinta desencorajado. Insista. Você pode e deve participar. Nem que seja em um único ponto. Aliás, a equipe que trabalha a comunicação da prefeitura bem que poderia melhorar a apresentação, facilitando a leitura e compreensão do material publicado, incluindo ilustrações, imagens, gráficos e demais elementos para uma população que não está habituada à leitura de material técnico, não é?

Veículos elétricos podem reduzir os danos do efeito estufa e melhorar a saúde da população

Substituição gradual da frota traz vantagens na qualidade do ar dos centros urbanos e contribui com o Acordo de Paris; desafio está na ausência de infraestrutura de recarga.

publicação original Jovem Pan

Um dos vilões do efeito estufa é a queima de combustíveis fósseis, como o petróleo para gerar gasolina e abastecer carros, o diesel, utilizado por ônibus e caminhões de frete leve, e o querosene, que abastece as aeronaves. As ações humanas e seus modos de produção construídos sob uma matriz energética fóssil e finita vêm alterando o funcionamento e a temperatura do planeta. Como consequência, assistimos a eventos climáticos extremos, que levam a riscos de morte e perdas de bens materiais nas cidades, obrigando gestores públicos a adotarem tecnologias mais limpas e revisarem comportamentos “convencionais” de administração urbana, buscando construir cidades resilientes e saudáveis para a sua população.

Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta para a importância na redução das emissões de gases poluentes, visando limitar o aumento da temperatura global entre 1,5˚C e 2˚C. Além disso, enfatiza a necessidade de remoção do carbono e o tratamento adequado dos seus estoques, incluindo ações que avancem para além dos termos de compensação ambiental. Estes últimos propõem apenas o plantio de espécies nativas por empresas e setores que desejam mitigar danos ambientais e sugerem, para além disso, a obrigatoriedade de conversão de resíduos agrícolas ou lixo já produzidos em um novo combustível.

Nas cidades, o aumento da temperatura global do planeta se apresenta na forma de estiagens, pancadas de chuvas de curta duração, mas com volumes de água maiores que o habitual, inundações, enxurradas e deslizamentos. Mas há um tipo de consequência ainda pouco explorado por ser menos visível: a poluição atmosférica e suas consequências na saúde humana. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 9 em cada 10 pessoas respiram ar contaminado, e que a poluição ambiental é o maior desafio para a saúde pública mundial. O documento enfatiza que, para cumprir as metas do Acordo de Paris, seria necessário investir cerca de 1% do PIB mundial na redução das emissões de carbono, acrescentando que os resultados poderão ser medidos “nos hospitais e também nos pulmões” da população, que deixará de sofrer com os efeitos causados pela poluição do ar.

Em entrevista ao G1, o pneumologista Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que respirar em São Paulo equivale a fumar quatro cigarros por dia. E acrescentou que quem fica mais tempo no trânsito é o mais prejudicado, referindo-se aos moradores das periferias, que permanecem horas a fio em seus trajetos diários dentro de ônibus, vans e vagões. As mortes ocorrem principalmente devido à inalação dos gases e à exposição a partículas finas, que penetram profundamente nos pulmões e no sistema cardiovascular, levando a doenças pulmonares diversas, infecções respiratórias, asma, bronquite, alergias, doenças do coração, entre outras. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a poluição do ar cause sete milhões de mortes em todo o mundo, e custe cerca de US$ 5,11 trilhões. Já no Brasil, o mesmo levantamento aponta para a morte de 50 mil pessoas ao ano. Embora subestimado, esse número equivale a um estádio de futebol como o Neo Química Arena, antigamente conhecido como Itaquerão, repleto de pessoas. É muita gente.

Embora empresas e países estejam trabalhando no sentido de “descarbonizar” (tradução livre para decarbonizing) sistemas econômicos sem emissões de dióxido de carbono (CO₂), adotando uma matriz energética limpa, no Brasil a história é diferente. Na contramão dos demais países que assumiram reduzir suas emissões globais de GEE (Gases de efeito estufa) no Acordo de Paris em 2015, o governo do presidente Jair Bolsonaro sozinho foi o responsável pelo aumento de 9,6% das emissões brutas de gases de efeito estufa apenas no ano de 2019. Estudos realizados para o Estado de São Paulo, também em 2015, indicavam que a substituição de cerca de 10% da frota movida à gasolina por veículos elétricos seria capaz de reduzir o total de emissões no Estado em 1,3% até 2030, em comparação aos valores de 2015. O mesmo estudo aponta que, se 25% da frota fosse movida por energia elétrica, haveria a redução de cerca de 26% das emissões quando comparados aos valores de 2015, mostrando que veículos elétricos podem ser uma excelente forma de mitigar os efeitos. Esta é uma boa notícia.

Como serão as cidades após a pandemia da Covid-19

Construir habitações e comércios distantes das áreas inundáveis e prover saneamento básico em regiões periféricas podem reduzir os riscos associados à transmissão de doenças contagiosas

Helena Degreas/Jovem PanA população mais afetada pela Covid-19 é justamente aquela que reside em locais mais distantes dos centros urbanos e utiliza o transporte público

Pestes, epidemia e pandemias foram responsáveis pelas mudanças na maneira como vivemos nas cidades. Fatores associados à saúde humana e ao urbanismo estão intimamente ligados ao planejamento de políticas públicas relacionadas à forma urbana e à implantação de infraestruturas sanitárias. Historicamente, aquedutos subterrâneos ou sobre a superfície foram construídos para conduzir água potável para as civilizações da antiguidade. Os romanos conseguiram desenvolver um sistema de abastecimento que envolvia 11 aquedutos tendo, o maior deles, cerca de 90 km de extensão. Ruas drenadas e pavimentadas, latrinas, cisternas, banheiras, instalações hidráulicas foram encontradas em ruínas civilizatórias que datam de mais de 3 mil anos antes de Cristo na Índia, Paquistão, Mesopotâmia e Egito

Hipócrates, conhecido como o patrono da medicina, descreve em seu tratado “Aeron Hidron Topon” as relações causais entre fatores relacionados ao meio físico e doenças  — ou ainda entre questões sanitárias e saúde da população  —, classificando as águas para uso humano e recomendando ao povo grego o afastamento da sujeira e a utilização de água pura para consumo. Vários outros exemplos sobre formulação de políticas públicas sanitárias adotadas ao longo dos séculos de constituição das cidades podem ser citados: desde a criação de espaços livres como praças e parques, para atender aspectos sociais e ambientais, até a definição de critérios técnicos como projeto, construção, licenciamento, fiscalização, manutenção, monitoramento e localização de cemitérios visando impedir a contaminação da qualidade do solo e das águas subterrâneas por eventual infiltração dos fluidos decorrentes do processo de decomposição dos corpos.

A peste bubônica levou ao planejamento de espaços públicos mais amplos, limpos e saudáveis. No renascimento, esboços de Leonardo da Vinci apresentam a Cidade Ideal formada por um conjunto de vias reticulares, edifícios com altura e densidade adequadas à dimensão das ruas para garantir boa luminosidade e ventilação, além de sistemas de esgotos e distribuição de água potável à população. A adoção de critérios sanitários para o planejamento de uma cidade com foco nas boas condições de insolação e ventilação (organização de espaços públicos projetados para acolher a circulação de pessoas e mercadorias), a definição da localização de habitações e comércios distantes das áreas inundáveis e a previsão de sistemas de esgoto e abastecimento de água potável criaram as condições sanitárias para a redução de riscos associados à transmissão de doenças contagiosas. Não é nenhuma novidade. 

De Leonardo da Vinci aos dias atuais, estas são algumas das práticas de planejamento e projeto que devem ser seguidas. Mas como ficam as regiões periféricas nos grandes centros urbanos? Se quisermos tratar nossa população e evitar as transmissões do novos vírus que ainda estão por vir, precisaremos implantar os conceitos de cidade ideal nestas regiões urgentemente. Melhorias e instalação de infraestrutura e equipamentos públicos em regiões centrais são recorrentes nos meios de comunicação: pistas cicláveis, alargamento de calçadas, parklets, jardins de chuva, muros verdes, entre outros programas e projetos “sustentáveis”, espalham-se em bairros nobres. Na cidade de São Paulo, é possível pesquisar informações como estas na plataforma GeoSampa.

No Brasil, as profundas desigualdades sociais materializam, na paisagem, extensas periferias que abrigam cidadãos precariamente. Muitos à margem das regulações urbanísticas e outros em aglomerações subnormais (favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas) moram em assentamentos irregulares e são marcados pela carência de serviços públicos essenciais como o de abastecimento de água, coleta de esgoto, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica. A ausência de ações concretas para o pronto atendimento de demandas, muitas delas sanitárias, afeta negativamente a vida de 5,17 milhões de domicílios distribuídos em 13.151 aglomerações em todos o país. 

A distribuição desigual de serviços públicos e infraestruturas nas cidades são características marcantes das políticas públicas urbanas e, quando analisado critério de localização no território urbano, é possível constatar que a alta incidência de infecção e mortes ocorre de maneira desigual: a população mais afetada é justamente aquela que reside em locais mais distantes dos centros urbanos e utiliza o transporte público como meio de locomoção e, mais recentemente, de contaminação pela Covid-19. A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik (professora da FAU-USP e do LabCidade) aponta a desigualdade como fator decisivo para determinar a população mais vulnerável ao contágio do coronavírus no Brasil. Destaca que são os trabalhadores de serviços essenciais, entre outros, que, ao viabilizar o isolamento social de parte da sociedade, são os primeiros a se contaminar graças às aglomerações que ocorrem nos vagões de trensmetrôsônibus e vans

A revisão do processo de planejamento urbano deverá atender e assegurar uma melhor distribuição de serviços, equipamentos públicos e infraestrutura de forma equitativa em território priorizando suas ações nas áreas periféricas e nos aglomerados subnormais. Planejar cidades resilientes a eventos extremos climáticos e sanitários, como este que estamos enfrentando agora, significa que prefeitosvereadores e técnicos públicos voltem suas ações para a promoção de moradias em áreas com infraestruturas e equipamentos públicos consolidados e conectados a um sistema de mobilidade urbana (modo ativo e motorizado público) eficiente, inclusivo e eficaz para a sociedade. 

Jardins verticais: do prazer estético à redução dos impactos ambientais urbanos

Quando inseridas em políticas públicas ambientais, essas estruturas têm poder de melhorar a qualidade do ar, diminuir a temperatura, gerar empregos e contribuir para economia circular de baixo carbono

  • Por Helena Degreas
  • 23/03/2021 09h00 – Atualizado em 23/03/2021 10h06

Helena Degreas/Jovem PanA parede verde é um dos recursos que podem ser utilizados como estratégia para a melhoria da qualidade de vida e saúde da população

Jardins verticais, paredes verdes ou paredes vivas são alguns dos diversos termos utilizados para designar sistemas de painéis de plantas cultivadas verticalmente em estruturas que podem ser independentes ou presas às paredes. As técnicas de plantio mais comuns são aquelas em que os elementos vegetais são plantados em floreiras que recebem composto orgânico. Inventor do Mur Végétal, o botânico e garden designer Patrick Blanc patenteou a técnica há 30 anos e, desde então, projetou e implantou inúmeras das suas criações em todo o mundo. Em parceria com o arquiteto francês Jean Nouvel, ele ajardinou a fachada do condomínio residencial One Central Park, na Austrália, alcançando 50 metros de altura e transformando-o num dos jardins mais altos do mundo. Foram utilizadas mais de 85 mil plantas nas fachadas distribuídas entre 23 paredes verdes com cerca de 350 espécies nativas e exóticas em 1.200 m² de área. Vale lembrar que os jardins verticais não são novidade, ao menos aqui em nossas terras. No Brasil, Burle Marx (1909-1994) e Haruyoshi Ono (1944-2017) já realizavam painéis verticais ajardinados em muros belíssimos, verdadeiras obras de arte urbana há décadas, com inúmeros projetos mesclando água, grafismos e vegetação, como o mural do Banco Safra localizado na avenida Paulista

Embora para a maioria da população o uso dos elementos vegetais em fachadas de edifícios e muros tenha um valor predominantemente estético, para prefeitos de cidades compactas, densamente construídas e cujo espaço livre público é exíguo, o plantio vertical é um dos recursos que podem ser utilizados como estratégia para a melhoria da qualidade de vida e saúde. Se atualmente mais da metade da população vive em áreas urbanas, estima-se que, até 2050, 66% das pessoas morarão em cidades. No Brasil, este número já alcança 84.72%, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015. Enfrentar e prevenir problemas ambientais, atuais e futuros, que causem não apenas riscos urbanos, mas também danos à saúde da população, fazem-se urgentes nas cidades.

Os benefícios na implantação dos ajardinamentos em paredes, fachadas e muros são diversos:

  • Ambientais: reduzem as temperaturas por meio da absorção da luz solar, absorvem os gases poluentes da atmosfera e filtram a poeira do ar externo, bloqueiam cerca de 40% dos sons de alta frequência externos e aumentam a biodiversidade, atraindo pássaros e insetos por causa dos frutos;
  • Econômicos: melhoram o comércio local  — as pessoas tendem a ficar mais tempo em áreas ajardinadas  —, fornecem isolamento térmico, reduzindo a demanda por energia, e geram empregos locais, pois, para a sua manutenção, são necessários profissionais diversos;
  • Saúde: reduzem o estresse provocado pelos ambientes urbanos e induzem a passeios e caminhadas ao ar livre.

Como exemplo de boas políticas ambientais vinculadas à gestão pública municipal, a Secretaría Distrital del Ambiente (Secretária do Meio Ambiente, em tradução livre) da cidade de Bogotá desenvolveu uma série de programas e projetos de cunho ambiental, com metas e indicadores que deverão ser cumpridos em prazos definidos e que buscam benefícios ambientais, econômicos e estéticos urbanos. Pretende-se, com todo esse aparato institucional, levar a cidade a ser cada vez mais resiliente às consequências resultantes dos extremos climáticos por meio da constituição de uma infraestrutura verde. Os jardins verticais constituem-se, portanto, em um dos elementos que promovem e ampliam a infraestrutura verde, desempenhando papel significativo para a mitigação das mudanças climáticas. Um dos manuais que orientam a implantação desta solução encontra-se disponível em seu site.

O prefeito de Londres, por sua vez, fez consulta pública perguntando à população quais as demandas para uma cidade com mais qualidade de vida. A partir do feedback, foi criada uma estratégia ambiental integrada, reunindo abordagens para aspectos urbanos que demandavam soluções urgentes, tais como melhoria na qualidade do ar, infraestrutura verde, mitigação da mudança climática, desperdício, adaptação às mudanças climáticas, ambiente barulhento e inclusão de incentivos ao desenvolvimento de uma economia circular de baixo carbono direcionado a empresas e prestadores de serviços. 

Já na cidade de São Paulo, ações pontuais realizadas pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA) foram realizadas para a instalação de jardins verticais em edifícios com “paredões sem janelas” por meio de chamamento público para edifícios vizinhos ao Elevado Costa e Silva (Minhocão) e previamente selecionados pela Câmara Técnica de Compensação Ambiental (CTCA). As empresas interessadas em adotar esses “paredões” poderiam se beneficiar com a conversão da compensação ambiental em obras e serviços, jardins verticais e coberturas verdes na capital e que constam do Decreto n° 55.994. Empresa ou munícipe que deseje realizar obras ou reformas envolvendo corte ou transplante de árvores pode se utilizar do Temo de Compromisso Ambiental para construir jardins verticais em qualquer lugar na capital. Em outras palavras, é possível derrubar várias árvores que estão no terreno em que você pretende construir e, em seu lugar, oferecer à cidade um jardim vertical. Como será que isso é calculado? O fato é que os moradores dos edifícios escolhidos pelas empresas e pela CTCA para a instalação dos jardins verticais entraram na Justiça para a sua remoção por falta de manutenção. Prefeitura e empresa alegaram que o desmonte estava previsto em contrato. Os gastos com foram arcados pela prefeitura da cidade. Entendo que o custo de todo esse processo deva ser da iniciativa privada que o instalou, nunca do poder público, especialmente se foram utilizados por meio de benefícios previstos pelo Termo de Compromisso Ambiental (TCA). 

Não coordenados adequadamente, este decreto e demais instrumentos legais previstos pela Prefeitura de São Paulo compõem apenas um conjunto de bons instrumentos legais que podem, eventualmente, ser de interesse de algum munícipe ou empresa interessada em mitigar danos ambientais. É nesse contexto que jardins verticais, muros verdes e demais tipos espaciais se realizam: sem metas, sem continuidade. Embora parte de uma série de medidas legais voltadas às questões ambientais para a ampliação de áreas verdes urbanas, observa-se que a ausência de metas e indicadores da eficácia na produção sistemática de novos tipos espaciais que compõem a infraestrutura verde municipal geram resultados pífios, que não correspondem à importância que exercem as ações ambientais na qualidade de vida e de saúde do cidadão. 

Quanto espaço ocupa um carro estacionado na rua? Parece pouco, mas não é

Favorecer o estacionamento de automóveis enquanto pessoas se aglomeram nas calçadas por falta de espaço não parece ser uma boa prática de gestão para um problema sanitário como o desta pandemia

  • Por Helena Degreas
  • 16/03/2021 09h00 – Atualizado em 16/03/2021 18h06

Helena Degreas/Jovem PanA cidade de São Paulo tem 50.712 vagas na rua para veículos

Você já parou para pensar quanto espaço ocupam os automóveis estacionados nas ruas da sua cidade? Cada vaga rotativa convencional (carros de passeio) ocupa cerca de 11 m² de rua. Parece pouco espaço, mas não é. Na cidade de São Paulo, as primeiras vagas de estacionamento rotativo pago foram implantadas em meados da década de 1970 em áreas comerciais e de serviços em regiões centrais. Naquela época, as cidades ainda eram planejadas utilizando-se os preceitos modernistas centrados no fluxo de veículos. Não havia transporte coletivo suficiente para todos os cidadãos (realidade de hoje ainda, infelizmente), e o Metrô ainda estava no início de sua implantação. Foi apenas em 1972 que um protótipo de composição de trem realizou a primeira viagem entre as estações Jabaquara e Saúde. A operação comercial ocorreu dois anos mais tarde.https://3892796372e2b2e23d20db8b338b407a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Meio século depois, os novos Planos Diretores propõem a revisão do conceito de mobilidade urbana ao incluir os modos não motorizados como bicicleta e a pé, além da ampliação da oferta de transporte coletivo público e sua integração. Os Planos de Mobilidade municipais apontam programas e ações para a sua implementação, que exigirão de prefeitos a reconfiguração dos espaços livres públicos localizados nos sistemas viários, em especial, aqueles destinados ao estacionamento rotativo em vias públicas. As cidades precisam ser pensadas para quem nelas vive. Donald Shoup, professor e pesquisador em planejamento urbano da UCLA, em seu livro “The High Cost of Free Parking” (ou, numa tradução livre, O Alto Custo do Estacionamento Grátis), afirmou que os resultados de suas pesquisas para as cidades americanas apontaram que cerca de 30% do fluxo de veículos em ruas comerciais são apenas de motoristas procurando vagas para estacionar, fato este que aumenta os problemas de poluição, congestionamento, acidentes e tempo perdido no trânsito.

Acredito que os resultados não sejam tão diferentes dos daqui. Só para se ter uma ideia, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) opera 50.712 vagas sendo 45.006 de Zona Azul Convencional, 2.118 destinadas a Zona Azul Caminhão, 1.020 para pessoas com deficiência física e/ou mobilidade reduzida (DeFis), 2.494 para idosos e 74 para Zona Azul Fretamento. Desconheço o método utilizado para o cálculo de vagas de estacionamento rotativo oferecidas nas regiões servidas por transporte público, mas conheço bem a necessidade de prover calçadas ampliadas para distanciamento social da população em época de pandemia, como estão fazendo prefeitos de cidades que estão preocupados com a saúde da população e a erradicação dos efeitos nefastos do Covid-19 em famílias e no sistema de saúde público.

A dimensão mínima para uma vaga destinada para Zona Azul Convencional é de 11,0 m², ou ainda as 45.006 reunidas ocupam cerca de 495 mil m². Se fossem contabilizados todos os espaços livres públicos utilizados como estacionamentos não pagos de veículos nas cidades brasileiras os números seriam ainda mais assombrosos. É muita área utilizada para benefício de motoristas e dos seus carros. Em 10 m², é possível morar numa área urbana com transporte público coletivo, comércios e serviços próximos. Em 2017, uma incorporadora e construtora inovou e lançou apartamentos de dimensões reduzidas localizados em eixos de estruturação da transformação urbana na cidade de São Paulo, atendendo a regulamentação urbanística vigente e que orientava a produção imobiliária ao longo das vias atendidas por transporte público. A proposta era a de criar uma cidade adensada, compacta, em que moradias, serviçoscomércios e transporte estivessem numa distância de no máximo 15 minutos a pé. Foram construídas inúmeras moradias e, dentre elas, microapartamentos de 10 m², ou seja, menores do que as vagas de estacionamento convencional da CET.

A título de curiosidade, deixo aqui o resultado de uma busca que fiz em um site que vende imóveis em diversas regiões de São Paulo. Um miniapartamento com 10 m² de área no centro da cidade pode ser encontrado atualmente por cerca de R$ 190 mil. Cabe nele um sofá-cama para dormir, que pode transformar-se num local para sentar e assistir TV, por exemplo; uma estação para preparar alimentos composta por micro-ondas, cooktop de duas bocas, frigobar, pia e armários para guardar poucos utensílios; uma bancada estreita de uso múltiplo, que pode servir como mesa de trabalho ou local para refeições; um banheiro bacana e um guarda-roupas, além de vários elementos decorativos. É muita área.

E se você pudesse escolher, o que você colocaria em 495 mil m² na cidade? Se essas vagas fossem minhas e se eu pudesse escolher, certamente ampliaria as estreitas calçadas em áreas comerciais, substituindo o estacionamento convencional rotativo pago durante o período de pandemia. Proteger as pessoas é o que se espera de prefeitos. A ampliação das calçadas pode ser realizada com tinta no chão utilizando-se as técnicas do urbanismo tático. Essa solução já e adotada para as pistas cicláveis. Que se faça o mesmo com as calçadas, ampliando-as. No espaço de estacionamento de um automóvel, duas pessoas poderiam conviver com o afastamento físico adequado para evitar (juntamente com as demais medidas sanitárias) a transmissão do coronavírus. Em outras palavras, onde estacionam 45 mil carros poderiam circular 90 mil pessoas com segurança.

O distanciamento social em áreas públicas é o “novo normal” nas cidades. Exemplos no mundo não faltam. Numa atitude radical, o prefeito Bill de Blasio anunciou no começo da pandemia um plano para ampliar as áreas públicas destinadas a pedestres e ciclistas de Nova York, transferindo veículos motorizados para novas rotas. De uma hora para a outra, a cidade ganhou mais de 160 km de espaços livres para o público. O espaço público precisa prover segurança e acolhimento sempre, mas, em tempos de pandemia, torna-se prioritário. Favorecer o estacionamento de automóveis enquanto pessoas se aglomeram nas calçadas por falta de espaço não me parece uma boa prática de gestão para um problema sanitário como o que estamos enfrentando hoje. As cidades precisam ser redesenhadas pensado na saúde e no bem-estar em quem nelas vive: seus cidadãos.

As cidades estão preparadas para o envelhecimento da população?

texto original publicado aqui

Idoso caminha de bengala em área residencial de Londres

Como no restante do mundo, a longevidade não é apenas uma tendência, é uma certeza.

Organização Mundial da Saúde (OMS) define como idoso o indivíduo com 60 anos ou mais. O mesmo entendimento está presente na Política Nacional do Idoso (instituída pela lei federal 8.842), que assegura os direitos sociais nos âmbitos da saúdetrabalhoassistência socialeducaçãoculturaesporte, habitação e meios de transportes, criando condições para a promoção da autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Já o Estatuto do Idoso (lei 10.741) regula todos os direitos citados, concedendo atendimento preferencial em estabelecimentos públicos e privados e prioridade na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas.

A idade cronológica nada mais é do que uma convenção social que determina quais grupos sociais têm acesso a direitos e políticas públicas. Recentemente, o prefeito Bruno Covas e o governador João Doria alteraram a gratuidade do bilhete único para pessoas entre 60 e 64 anos. Eles argumentaram que se tratava de uma adequação das políticas públicas que incidem nesta faixa etária, a exemplo da ampliação da aposentadoria compulsória no serviço público, que passou de 70 para 75 anos, e a reforma da Previdência, que fixou a idade mínima de 65 anos para aposentadoria dos homens e 62 a das mulheres. Até mesmo o próprio Estatuto do Idoso foi revisado e incluiu uma nova faixa etária: 80+ como prioridade dentro da prioridade, por assim dizer.

Mas o que significa isso em nosso dia a dia nas cidades? Em 2030, o número de idosos no Brasil deve ultrapassar o número de crianças, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, isso representa 14,03% da população, o que equivale a 29,3 milhões de pessoas. É muita gente. Considerando que cerca de 85% da população brasileira vive em cidades, que a longevidade é cada vez maior e que o envelhecimento acontece de forma desigual, a qualidade de vida de todos já está sendo afetada. Maior ou menor grau de dependência nas atividades diárias e isolamento social são alguns dos aspectos mais tristes que vêm ocorrendo com nossos idosos. Não é uma questão relativa apenas à saúde, mas à incapacidade de cuidar de tarefas simples (para os digitais), como pagar uma conta por celular ou ler uma placa de sinalização de rua para localizar-se, por exemplo. Aliás, este assunto será futuramente tratado em outra coluna, mas antecipo uma questão: por que sou obrigada a ler uma placa de rua com aquelas letrinhas miudinhas colocadas na altura adequada para um motorista de ônibus e não para um ser humano?

À exemplo de cidades no mundo, gestores públicos estão conscientes do processo de envelhecimento pelo qual suas cidades estão passando e preparando-se por meio de políticas públicas, programas e ações projetadas para curto, médio e longo prazos. Assim fez Londres. Ainda nos anos de 1980, gestores públicos em todas as instâncias de governo identificaram a redução no ritmo de natalidade, o crescente número de aposentados e problemas de saúde causados pelo sedentarismo dos cidadãos. Como resultado, adotaram programas de incentivo à mobilidade ativa, adaptando toda a infraestrutura de circulação de pedestres ao caminhar das pessoas, melhorando a sinalização viária, trocando pisos e pavimentos e reorganizando tempos semafóricos com o objetivo de evitar gastos públicos com a saúde no século XXI.

As ações adotadas por estes gestores visam ainda hoje ampliar a independência e a liberdade dos indivíduos por meio de um envelhecimento ativo e saudável, prevendo a redução futura da sobrecarga do sistema de previdência, saúde e assistência social, bem como também eventual dependência familiar. As adaptações requerem um processo de planejamento urbano contínuo que pode durar décadas, pois prevê não apenas alterações culturais e comportamentais, mas também interferência direta na forma de projetar e planejar as cidades e as habitações. Para as cidades brasileiras, as ações para atendimento das pessoas idosas são direcionadas para suprir a demanda atual da população. A questão que se coloca é mais complexa, pois determina a previsão das adaptações urbanas necessárias ao longo do tempo visando o envelhecimento ativo, saudável e independente.

Outras formas de pensar a habitação são necessárias, dimensões e programas de atividades precisarão ser repensados. Bairros com usos mistos, nos quais as necessidades do dia a dia podem ser resolvidas a pé, em no máximo 15 minutos, são desejáveis. Programas sociais que incentivem o uso da interação digital podem melhorar a qualidade da informação, da comunicação e da solução de problemas triviais de quem mora na cidade sem a dependência de alguém mais jovem, um filho ou neto, por exemplo, para comprar um produto ou pagar uma conta. E, por fim, desenvolver ações que integrem gerações nos vários ambientes sociais, garantindo que as pessoas continuem ativas, afastando o isolamento por vezes resultante de preconceitos associados à velhice.

Não basta que o poder público faça a zeladoria dos espaços públicos. Tapar buracos, trocar lâmpadas, consertar bancos de praças são assuntos inerentes à manutenção corriqueira e obrigatória do espaço urbano realizadas por agentes públicos. Uma boa ação é analisar dados de longevidade e permanência nos distritos urbanos, avaliando, no tempo, as necessidades de um distrito para daqui a dez, quinze, vinte anos, preparando toda a infraestrutura pública e equipamentos urbanos locais para atender a essa nova demanda lá no futuro. É o que faz a cidade de Nova York, dentre outras cidades estadunidenses. Portanto, oferecer festinhas sociais como bailes e concursos de misses em clubes e centros comunitários para esse grupo etário é bem interessante, mas não o suficiente para manter um indivíduo ativo e independente ao longo da vida. Cidades são feitas por pessoas e para pessoas, portanto cabe aos gestores públicos prever demandas, tendências e utilizar dados estatísticos a favor da qualidade de vida da população no futuro próximo.

Vamos quebrar o asfalto e plantar árvores? Soluções para chuvas podem ser criativas e de baixo custo

Rotatórias, minirrotatórias e demais sistemas de sinalização do tráfego de automóveis têm o potencial de melhorar as condições estéticas locais e ainda colaborar com a absorção de águas

  • Por Helena Degreas
  • 02/03/2021 09h00 – Atualizado em 02/03/2021 09h40

Helena Degreas/Jovem PanRotatórias ajardinadas embelezam as vias e ajudam a absorver água das chuvas

As cidades enfrentam problemas relacionados à baixa capacidade de absorção das chuvas desde que o processo de urbanização adotado por nossa civilização assumiu a impermeabilização do solo por meio do uso de asfalto e do concreto como critério de ocupação do território. É como a água que usamos para regar um jardim: ela é absorvida pela terra. O pavimento utilizado para ruas e avenidas reduziu a capacidade de infiltração das águas pluviais. Como a água não tem por onde se infiltrar, o resultado é o escoamento superficial de um volume imenso que se acumula quadra a quadra e se transforma em enxurradas e inundações que, nas cidades, causam risco à integridade física das pessoas e danos materiais

Para captar, transportar e drenar a água das chuvas, o poder público municipal instala e mantém um conjunto de tubulações (galerias pluviais). Diferentemente do sistema de esgoto, as águas das chuvas não recebem tratamento específico e são direcionadas para os rios e córregos, podendo contaminar a local. Paralelamente, a necessidade de reduzir os custos do processo de urbanização leva prefeituras a adotarem, em seus planos diretores, estratégias e diretrizes para o adensamento populacional em bairros que dispõem de equipamentos públicos como escolashospitais e redes de transporte, mas onde há poucas pessoas morando e trabalhando. Um problema que pode surgir nestes casos é a capacidade de drenagem da infraestrutura instalada, que foi configurada para atender zoneamentos, densidade populacional e eventos climáticos (chuvas torrenciais que vêm ocorrendo sistematicamente nos últimos anos) de décadas passadas. PUBLICIDADE

Repensar a forma como as cidades vêm sendo construídas pode levar a soluções criativas e de baixo custo. Para além dos piscinões, é possível utilizar áreas de orientação de tráfego de veículos como rotatórias e faixas de sinalização viária como jardins, retirando a capa de asfalto e permitindo a infiltração das águas das chuvas. A foto que ilustra esta coluna foi tirada em um bairro predominantemente residencial na cidade de São Paulo, que, com o objetivo de reduzir a velocidade dos automóveis em seus cruzamentos e assegurar a travessia segura dos pedestres, teve implantadas rotatórias e demais sinalizações de segurança. População, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e subprefeitura foram responsáveis pelo ajardinamento destes locais, que contam com a parceria de empresas e da população residente para a gestão da manutenção. Rotatórias ajardinadas sobre o asfalto não são novidade nas cidades brasileiras. A iniciativa para o ajardinamento destes locais é solicitada predominantemente pela população e realizada em parceria com secretarias ou subprefeituras, como no caso da cidade de São Paulo desde meados dos anos 2000. Algumas funcionam como vasos, outras têm capacidade de infiltração apenas e algumas atuam como jardins de chuva, não obedecendo a um critério específico.

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