Veículos elétricos podem reduzir os danos do efeito estufa e melhorar a saúde da população

Substituição gradual da frota traz vantagens na qualidade do ar dos centros urbanos e contribui com o Acordo de Paris; desafio está na ausência de infraestrutura de recarga.

publicação original Jovem Pan

Um dos vilões do efeito estufa é a queima de combustíveis fósseis, como o petróleo para gerar gasolina e abastecer carros, o diesel, utilizado por ônibus e caminhões de frete leve, e o querosene, que abastece as aeronaves. As ações humanas e seus modos de produção construídos sob uma matriz energética fóssil e finita vêm alterando o funcionamento e a temperatura do planeta. Como consequência, assistimos a eventos climáticos extremos, que levam a riscos de morte e perdas de bens materiais nas cidades, obrigando gestores públicos a adotarem tecnologias mais limpas e revisarem comportamentos “convencionais” de administração urbana, buscando construir cidades resilientes e saudáveis para a sua população.

Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta para a importância na redução das emissões de gases poluentes, visando limitar o aumento da temperatura global entre 1,5˚C e 2˚C. Além disso, enfatiza a necessidade de remoção do carbono e o tratamento adequado dos seus estoques, incluindo ações que avancem para além dos termos de compensação ambiental. Estes últimos propõem apenas o plantio de espécies nativas por empresas e setores que desejam mitigar danos ambientais e sugerem, para além disso, a obrigatoriedade de conversão de resíduos agrícolas ou lixo já produzidos em um novo combustível.

Nas cidades, o aumento da temperatura global do planeta se apresenta na forma de estiagens, pancadas de chuvas de curta duração, mas com volumes de água maiores que o habitual, inundações, enxurradas e deslizamentos. Mas há um tipo de consequência ainda pouco explorado por ser menos visível: a poluição atmosférica e suas consequências na saúde humana. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 9 em cada 10 pessoas respiram ar contaminado, e que a poluição ambiental é o maior desafio para a saúde pública mundial. O documento enfatiza que, para cumprir as metas do Acordo de Paris, seria necessário investir cerca de 1% do PIB mundial na redução das emissões de carbono, acrescentando que os resultados poderão ser medidos “nos hospitais e também nos pulmões” da população, que deixará de sofrer com os efeitos causados pela poluição do ar.

Em entrevista ao G1, o pneumologista Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que respirar em São Paulo equivale a fumar quatro cigarros por dia. E acrescentou que quem fica mais tempo no trânsito é o mais prejudicado, referindo-se aos moradores das periferias, que permanecem horas a fio em seus trajetos diários dentro de ônibus, vans e vagões. As mortes ocorrem principalmente devido à inalação dos gases e à exposição a partículas finas, que penetram profundamente nos pulmões e no sistema cardiovascular, levando a doenças pulmonares diversas, infecções respiratórias, asma, bronquite, alergias, doenças do coração, entre outras. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a poluição do ar cause sete milhões de mortes em todo o mundo, e custe cerca de US$ 5,11 trilhões. Já no Brasil, o mesmo levantamento aponta para a morte de 50 mil pessoas ao ano. Embora subestimado, esse número equivale a um estádio de futebol como o Neo Química Arena, antigamente conhecido como Itaquerão, repleto de pessoas. É muita gente.

Embora empresas e países estejam trabalhando no sentido de “descarbonizar” (tradução livre para decarbonizing) sistemas econômicos sem emissões de dióxido de carbono (CO₂), adotando uma matriz energética limpa, no Brasil a história é diferente. Na contramão dos demais países que assumiram reduzir suas emissões globais de GEE (Gases de efeito estufa) no Acordo de Paris em 2015, o governo do presidente Jair Bolsonaro sozinho foi o responsável pelo aumento de 9,6% das emissões brutas de gases de efeito estufa apenas no ano de 2019. Estudos realizados para o Estado de São Paulo, também em 2015, indicavam que a substituição de cerca de 10% da frota movida à gasolina por veículos elétricos seria capaz de reduzir o total de emissões no Estado em 1,3% até 2030, em comparação aos valores de 2015. O mesmo estudo aponta que, se 25% da frota fosse movida por energia elétrica, haveria a redução de cerca de 26% das emissões quando comparados aos valores de 2015, mostrando que veículos elétricos podem ser uma excelente forma de mitigar os efeitos. Esta é uma boa notícia.

Como serão as cidades após a pandemia da Covid-19

Construir habitações e comércios distantes das áreas inundáveis e prover saneamento básico em regiões periféricas podem reduzir os riscos associados à transmissão de doenças contagiosas

Helena Degreas/Jovem PanA população mais afetada pela Covid-19 é justamente aquela que reside em locais mais distantes dos centros urbanos e utiliza o transporte público

Pestes, epidemia e pandemias foram responsáveis pelas mudanças na maneira como vivemos nas cidades. Fatores associados à saúde humana e ao urbanismo estão intimamente ligados ao planejamento de políticas públicas relacionadas à forma urbana e à implantação de infraestruturas sanitárias. Historicamente, aquedutos subterrâneos ou sobre a superfície foram construídos para conduzir água potável para as civilizações da antiguidade. Os romanos conseguiram desenvolver um sistema de abastecimento que envolvia 11 aquedutos tendo, o maior deles, cerca de 90 km de extensão. Ruas drenadas e pavimentadas, latrinas, cisternas, banheiras, instalações hidráulicas foram encontradas em ruínas civilizatórias que datam de mais de 3 mil anos antes de Cristo na Índia, Paquistão, Mesopotâmia e Egito

Hipócrates, conhecido como o patrono da medicina, descreve em seu tratado “Aeron Hidron Topon” as relações causais entre fatores relacionados ao meio físico e doenças  — ou ainda entre questões sanitárias e saúde da população  —, classificando as águas para uso humano e recomendando ao povo grego o afastamento da sujeira e a utilização de água pura para consumo. Vários outros exemplos sobre formulação de políticas públicas sanitárias adotadas ao longo dos séculos de constituição das cidades podem ser citados: desde a criação de espaços livres como praças e parques, para atender aspectos sociais e ambientais, até a definição de critérios técnicos como projeto, construção, licenciamento, fiscalização, manutenção, monitoramento e localização de cemitérios visando impedir a contaminação da qualidade do solo e das águas subterrâneas por eventual infiltração dos fluidos decorrentes do processo de decomposição dos corpos.

A peste bubônica levou ao planejamento de espaços públicos mais amplos, limpos e saudáveis. No renascimento, esboços de Leonardo da Vinci apresentam a Cidade Ideal formada por um conjunto de vias reticulares, edifícios com altura e densidade adequadas à dimensão das ruas para garantir boa luminosidade e ventilação, além de sistemas de esgotos e distribuição de água potável à população. A adoção de critérios sanitários para o planejamento de uma cidade com foco nas boas condições de insolação e ventilação (organização de espaços públicos projetados para acolher a circulação de pessoas e mercadorias), a definição da localização de habitações e comércios distantes das áreas inundáveis e a previsão de sistemas de esgoto e abastecimento de água potável criaram as condições sanitárias para a redução de riscos associados à transmissão de doenças contagiosas. Não é nenhuma novidade. 

De Leonardo da Vinci aos dias atuais, estas são algumas das práticas de planejamento e projeto que devem ser seguidas. Mas como ficam as regiões periféricas nos grandes centros urbanos? Se quisermos tratar nossa população e evitar as transmissões do novos vírus que ainda estão por vir, precisaremos implantar os conceitos de cidade ideal nestas regiões urgentemente. Melhorias e instalação de infraestrutura e equipamentos públicos em regiões centrais são recorrentes nos meios de comunicação: pistas cicláveis, alargamento de calçadas, parklets, jardins de chuva, muros verdes, entre outros programas e projetos “sustentáveis”, espalham-se em bairros nobres. Na cidade de São Paulo, é possível pesquisar informações como estas na plataforma GeoSampa.

No Brasil, as profundas desigualdades sociais materializam, na paisagem, extensas periferias que abrigam cidadãos precariamente. Muitos à margem das regulações urbanísticas e outros em aglomerações subnormais (favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas) moram em assentamentos irregulares e são marcados pela carência de serviços públicos essenciais como o de abastecimento de água, coleta de esgoto, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica. A ausência de ações concretas para o pronto atendimento de demandas, muitas delas sanitárias, afeta negativamente a vida de 5,17 milhões de domicílios distribuídos em 13.151 aglomerações em todos o país. 

A distribuição desigual de serviços públicos e infraestruturas nas cidades são características marcantes das políticas públicas urbanas e, quando analisado critério de localização no território urbano, é possível constatar que a alta incidência de infecção e mortes ocorre de maneira desigual: a população mais afetada é justamente aquela que reside em locais mais distantes dos centros urbanos e utiliza o transporte público como meio de locomoção e, mais recentemente, de contaminação pela Covid-19. A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik (professora da FAU-USP e do LabCidade) aponta a desigualdade como fator decisivo para determinar a população mais vulnerável ao contágio do coronavírus no Brasil. Destaca que são os trabalhadores de serviços essenciais, entre outros, que, ao viabilizar o isolamento social de parte da sociedade, são os primeiros a se contaminar graças às aglomerações que ocorrem nos vagões de trensmetrôsônibus e vans

A revisão do processo de planejamento urbano deverá atender e assegurar uma melhor distribuição de serviços, equipamentos públicos e infraestrutura de forma equitativa em território priorizando suas ações nas áreas periféricas e nos aglomerados subnormais. Planejar cidades resilientes a eventos extremos climáticos e sanitários, como este que estamos enfrentando agora, significa que prefeitosvereadores e técnicos públicos voltem suas ações para a promoção de moradias em áreas com infraestruturas e equipamentos públicos consolidados e conectados a um sistema de mobilidade urbana (modo ativo e motorizado público) eficiente, inclusivo e eficaz para a sociedade. 

Jardins verticais: do prazer estético à redução dos impactos ambientais urbanos

Quando inseridas em políticas públicas ambientais, essas estruturas têm poder de melhorar a qualidade do ar, diminuir a temperatura, gerar empregos e contribuir para economia circular de baixo carbono

  • Por Helena Degreas
  • 23/03/2021 09h00 – Atualizado em 23/03/2021 10h06

Helena Degreas/Jovem PanA parede verde é um dos recursos que podem ser utilizados como estratégia para a melhoria da qualidade de vida e saúde da população

Jardins verticais, paredes verdes ou paredes vivas são alguns dos diversos termos utilizados para designar sistemas de painéis de plantas cultivadas verticalmente em estruturas que podem ser independentes ou presas às paredes. As técnicas de plantio mais comuns são aquelas em que os elementos vegetais são plantados em floreiras que recebem composto orgânico. Inventor do Mur Végétal, o botânico e garden designer Patrick Blanc patenteou a técnica há 30 anos e, desde então, projetou e implantou inúmeras das suas criações em todo o mundo. Em parceria com o arquiteto francês Jean Nouvel, ele ajardinou a fachada do condomínio residencial One Central Park, na Austrália, alcançando 50 metros de altura e transformando-o num dos jardins mais altos do mundo. Foram utilizadas mais de 85 mil plantas nas fachadas distribuídas entre 23 paredes verdes com cerca de 350 espécies nativas e exóticas em 1.200 m² de área. Vale lembrar que os jardins verticais não são novidade, ao menos aqui em nossas terras. No Brasil, Burle Marx (1909-1994) e Haruyoshi Ono (1944-2017) já realizavam painéis verticais ajardinados em muros belíssimos, verdadeiras obras de arte urbana há décadas, com inúmeros projetos mesclando água, grafismos e vegetação, como o mural do Banco Safra localizado na avenida Paulista

Embora para a maioria da população o uso dos elementos vegetais em fachadas de edifícios e muros tenha um valor predominantemente estético, para prefeitos de cidades compactas, densamente construídas e cujo espaço livre público é exíguo, o plantio vertical é um dos recursos que podem ser utilizados como estratégia para a melhoria da qualidade de vida e saúde. Se atualmente mais da metade da população vive em áreas urbanas, estima-se que, até 2050, 66% das pessoas morarão em cidades. No Brasil, este número já alcança 84.72%, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015. Enfrentar e prevenir problemas ambientais, atuais e futuros, que causem não apenas riscos urbanos, mas também danos à saúde da população, fazem-se urgentes nas cidades.

Os benefícios na implantação dos ajardinamentos em paredes, fachadas e muros são diversos:

  • Ambientais: reduzem as temperaturas por meio da absorção da luz solar, absorvem os gases poluentes da atmosfera e filtram a poeira do ar externo, bloqueiam cerca de 40% dos sons de alta frequência externos e aumentam a biodiversidade, atraindo pássaros e insetos por causa dos frutos;
  • Econômicos: melhoram o comércio local  — as pessoas tendem a ficar mais tempo em áreas ajardinadas  —, fornecem isolamento térmico, reduzindo a demanda por energia, e geram empregos locais, pois, para a sua manutenção, são necessários profissionais diversos;
  • Saúde: reduzem o estresse provocado pelos ambientes urbanos e induzem a passeios e caminhadas ao ar livre.

Como exemplo de boas políticas ambientais vinculadas à gestão pública municipal, a Secretaría Distrital del Ambiente (Secretária do Meio Ambiente, em tradução livre) da cidade de Bogotá desenvolveu uma série de programas e projetos de cunho ambiental, com metas e indicadores que deverão ser cumpridos em prazos definidos e que buscam benefícios ambientais, econômicos e estéticos urbanos. Pretende-se, com todo esse aparato institucional, levar a cidade a ser cada vez mais resiliente às consequências resultantes dos extremos climáticos por meio da constituição de uma infraestrutura verde. Os jardins verticais constituem-se, portanto, em um dos elementos que promovem e ampliam a infraestrutura verde, desempenhando papel significativo para a mitigação das mudanças climáticas. Um dos manuais que orientam a implantação desta solução encontra-se disponível em seu site.

O prefeito de Londres, por sua vez, fez consulta pública perguntando à população quais as demandas para uma cidade com mais qualidade de vida. A partir do feedback, foi criada uma estratégia ambiental integrada, reunindo abordagens para aspectos urbanos que demandavam soluções urgentes, tais como melhoria na qualidade do ar, infraestrutura verde, mitigação da mudança climática, desperdício, adaptação às mudanças climáticas, ambiente barulhento e inclusão de incentivos ao desenvolvimento de uma economia circular de baixo carbono direcionado a empresas e prestadores de serviços. 

Já na cidade de São Paulo, ações pontuais realizadas pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA) foram realizadas para a instalação de jardins verticais em edifícios com “paredões sem janelas” por meio de chamamento público para edifícios vizinhos ao Elevado Costa e Silva (Minhocão) e previamente selecionados pela Câmara Técnica de Compensação Ambiental (CTCA). As empresas interessadas em adotar esses “paredões” poderiam se beneficiar com a conversão da compensação ambiental em obras e serviços, jardins verticais e coberturas verdes na capital e que constam do Decreto n° 55.994. Empresa ou munícipe que deseje realizar obras ou reformas envolvendo corte ou transplante de árvores pode se utilizar do Temo de Compromisso Ambiental para construir jardins verticais em qualquer lugar na capital. Em outras palavras, é possível derrubar várias árvores que estão no terreno em que você pretende construir e, em seu lugar, oferecer à cidade um jardim vertical. Como será que isso é calculado? O fato é que os moradores dos edifícios escolhidos pelas empresas e pela CTCA para a instalação dos jardins verticais entraram na Justiça para a sua remoção por falta de manutenção. Prefeitura e empresa alegaram que o desmonte estava previsto em contrato. Os gastos com foram arcados pela prefeitura da cidade. Entendo que o custo de todo esse processo deva ser da iniciativa privada que o instalou, nunca do poder público, especialmente se foram utilizados por meio de benefícios previstos pelo Termo de Compromisso Ambiental (TCA). 

Não coordenados adequadamente, este decreto e demais instrumentos legais previstos pela Prefeitura de São Paulo compõem apenas um conjunto de bons instrumentos legais que podem, eventualmente, ser de interesse de algum munícipe ou empresa interessada em mitigar danos ambientais. É nesse contexto que jardins verticais, muros verdes e demais tipos espaciais se realizam: sem metas, sem continuidade. Embora parte de uma série de medidas legais voltadas às questões ambientais para a ampliação de áreas verdes urbanas, observa-se que a ausência de metas e indicadores da eficácia na produção sistemática de novos tipos espaciais que compõem a infraestrutura verde municipal geram resultados pífios, que não correspondem à importância que exercem as ações ambientais na qualidade de vida e de saúde do cidadão. 

Quanto espaço ocupa um carro estacionado na rua? Parece pouco, mas não é

Favorecer o estacionamento de automóveis enquanto pessoas se aglomeram nas calçadas por falta de espaço não parece ser uma boa prática de gestão para um problema sanitário como o desta pandemia

  • Por Helena Degreas
  • 16/03/2021 09h00 – Atualizado em 16/03/2021 18h06

Helena Degreas/Jovem PanA cidade de São Paulo tem 50.712 vagas na rua para veículos

Você já parou para pensar quanto espaço ocupam os automóveis estacionados nas ruas da sua cidade? Cada vaga rotativa convencional (carros de passeio) ocupa cerca de 11 m² de rua. Parece pouco espaço, mas não é. Na cidade de São Paulo, as primeiras vagas de estacionamento rotativo pago foram implantadas em meados da década de 1970 em áreas comerciais e de serviços em regiões centrais. Naquela época, as cidades ainda eram planejadas utilizando-se os preceitos modernistas centrados no fluxo de veículos. Não havia transporte coletivo suficiente para todos os cidadãos (realidade de hoje ainda, infelizmente), e o Metrô ainda estava no início de sua implantação. Foi apenas em 1972 que um protótipo de composição de trem realizou a primeira viagem entre as estações Jabaquara e Saúde. A operação comercial ocorreu dois anos mais tarde.https://3892796372e2b2e23d20db8b338b407a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Meio século depois, os novos Planos Diretores propõem a revisão do conceito de mobilidade urbana ao incluir os modos não motorizados como bicicleta e a pé, além da ampliação da oferta de transporte coletivo público e sua integração. Os Planos de Mobilidade municipais apontam programas e ações para a sua implementação, que exigirão de prefeitos a reconfiguração dos espaços livres públicos localizados nos sistemas viários, em especial, aqueles destinados ao estacionamento rotativo em vias públicas. As cidades precisam ser pensadas para quem nelas vive. Donald Shoup, professor e pesquisador em planejamento urbano da UCLA, em seu livro “The High Cost of Free Parking” (ou, numa tradução livre, O Alto Custo do Estacionamento Grátis), afirmou que os resultados de suas pesquisas para as cidades americanas apontaram que cerca de 30% do fluxo de veículos em ruas comerciais são apenas de motoristas procurando vagas para estacionar, fato este que aumenta os problemas de poluição, congestionamento, acidentes e tempo perdido no trânsito.

Acredito que os resultados não sejam tão diferentes dos daqui. Só para se ter uma ideia, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) opera 50.712 vagas sendo 45.006 de Zona Azul Convencional, 2.118 destinadas a Zona Azul Caminhão, 1.020 para pessoas com deficiência física e/ou mobilidade reduzida (DeFis), 2.494 para idosos e 74 para Zona Azul Fretamento. Desconheço o método utilizado para o cálculo de vagas de estacionamento rotativo oferecidas nas regiões servidas por transporte público, mas conheço bem a necessidade de prover calçadas ampliadas para distanciamento social da população em época de pandemia, como estão fazendo prefeitos de cidades que estão preocupados com a saúde da população e a erradicação dos efeitos nefastos do Covid-19 em famílias e no sistema de saúde público.

A dimensão mínima para uma vaga destinada para Zona Azul Convencional é de 11,0 m², ou ainda as 45.006 reunidas ocupam cerca de 495 mil m². Se fossem contabilizados todos os espaços livres públicos utilizados como estacionamentos não pagos de veículos nas cidades brasileiras os números seriam ainda mais assombrosos. É muita área utilizada para benefício de motoristas e dos seus carros. Em 10 m², é possível morar numa área urbana com transporte público coletivo, comércios e serviços próximos. Em 2017, uma incorporadora e construtora inovou e lançou apartamentos de dimensões reduzidas localizados em eixos de estruturação da transformação urbana na cidade de São Paulo, atendendo a regulamentação urbanística vigente e que orientava a produção imobiliária ao longo das vias atendidas por transporte público. A proposta era a de criar uma cidade adensada, compacta, em que moradias, serviçoscomércios e transporte estivessem numa distância de no máximo 15 minutos a pé. Foram construídas inúmeras moradias e, dentre elas, microapartamentos de 10 m², ou seja, menores do que as vagas de estacionamento convencional da CET.

A título de curiosidade, deixo aqui o resultado de uma busca que fiz em um site que vende imóveis em diversas regiões de São Paulo. Um miniapartamento com 10 m² de área no centro da cidade pode ser encontrado atualmente por cerca de R$ 190 mil. Cabe nele um sofá-cama para dormir, que pode transformar-se num local para sentar e assistir TV, por exemplo; uma estação para preparar alimentos composta por micro-ondas, cooktop de duas bocas, frigobar, pia e armários para guardar poucos utensílios; uma bancada estreita de uso múltiplo, que pode servir como mesa de trabalho ou local para refeições; um banheiro bacana e um guarda-roupas, além de vários elementos decorativos. É muita área.

E se você pudesse escolher, o que você colocaria em 495 mil m² na cidade? Se essas vagas fossem minhas e se eu pudesse escolher, certamente ampliaria as estreitas calçadas em áreas comerciais, substituindo o estacionamento convencional rotativo pago durante o período de pandemia. Proteger as pessoas é o que se espera de prefeitos. A ampliação das calçadas pode ser realizada com tinta no chão utilizando-se as técnicas do urbanismo tático. Essa solução já e adotada para as pistas cicláveis. Que se faça o mesmo com as calçadas, ampliando-as. No espaço de estacionamento de um automóvel, duas pessoas poderiam conviver com o afastamento físico adequado para evitar (juntamente com as demais medidas sanitárias) a transmissão do coronavírus. Em outras palavras, onde estacionam 45 mil carros poderiam circular 90 mil pessoas com segurança.

O distanciamento social em áreas públicas é o “novo normal” nas cidades. Exemplos no mundo não faltam. Numa atitude radical, o prefeito Bill de Blasio anunciou no começo da pandemia um plano para ampliar as áreas públicas destinadas a pedestres e ciclistas de Nova York, transferindo veículos motorizados para novas rotas. De uma hora para a outra, a cidade ganhou mais de 160 km de espaços livres para o público. O espaço público precisa prover segurança e acolhimento sempre, mas, em tempos de pandemia, torna-se prioritário. Favorecer o estacionamento de automóveis enquanto pessoas se aglomeram nas calçadas por falta de espaço não me parece uma boa prática de gestão para um problema sanitário como o que estamos enfrentando hoje. As cidades precisam ser redesenhadas pensado na saúde e no bem-estar em quem nelas vive: seus cidadãos.

Vamos quebrar o asfalto e plantar árvores? Soluções para chuvas podem ser criativas e de baixo custo

Rotatórias, minirrotatórias e demais sistemas de sinalização do tráfego de automóveis têm o potencial de melhorar as condições estéticas locais e ainda colaborar com a absorção de águas

  • Por Helena Degreas
  • 02/03/2021 09h00 – Atualizado em 02/03/2021 09h40

Helena Degreas/Jovem PanRotatórias ajardinadas embelezam as vias e ajudam a absorver água das chuvas

As cidades enfrentam problemas relacionados à baixa capacidade de absorção das chuvas desde que o processo de urbanização adotado por nossa civilização assumiu a impermeabilização do solo por meio do uso de asfalto e do concreto como critério de ocupação do território. É como a água que usamos para regar um jardim: ela é absorvida pela terra. O pavimento utilizado para ruas e avenidas reduziu a capacidade de infiltração das águas pluviais. Como a água não tem por onde se infiltrar, o resultado é o escoamento superficial de um volume imenso que se acumula quadra a quadra e se transforma em enxurradas e inundações que, nas cidades, causam risco à integridade física das pessoas e danos materiais

Para captar, transportar e drenar a água das chuvas, o poder público municipal instala e mantém um conjunto de tubulações (galerias pluviais). Diferentemente do sistema de esgoto, as águas das chuvas não recebem tratamento específico e são direcionadas para os rios e córregos, podendo contaminar a local. Paralelamente, a necessidade de reduzir os custos do processo de urbanização leva prefeituras a adotarem, em seus planos diretores, estratégias e diretrizes para o adensamento populacional em bairros que dispõem de equipamentos públicos como escolashospitais e redes de transporte, mas onde há poucas pessoas morando e trabalhando. Um problema que pode surgir nestes casos é a capacidade de drenagem da infraestrutura instalada, que foi configurada para atender zoneamentos, densidade populacional e eventos climáticos (chuvas torrenciais que vêm ocorrendo sistematicamente nos últimos anos) de décadas passadas. PUBLICIDADE

Repensar a forma como as cidades vêm sendo construídas pode levar a soluções criativas e de baixo custo. Para além dos piscinões, é possível utilizar áreas de orientação de tráfego de veículos como rotatórias e faixas de sinalização viária como jardins, retirando a capa de asfalto e permitindo a infiltração das águas das chuvas. A foto que ilustra esta coluna foi tirada em um bairro predominantemente residencial na cidade de São Paulo, que, com o objetivo de reduzir a velocidade dos automóveis em seus cruzamentos e assegurar a travessia segura dos pedestres, teve implantadas rotatórias e demais sinalizações de segurança. População, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e subprefeitura foram responsáveis pelo ajardinamento destes locais, que contam com a parceria de empresas e da população residente para a gestão da manutenção. Rotatórias ajardinadas sobre o asfalto não são novidade nas cidades brasileiras. A iniciativa para o ajardinamento destes locais é solicitada predominantemente pela população e realizada em parceria com secretarias ou subprefeituras, como no caso da cidade de São Paulo desde meados dos anos 2000. Algumas funcionam como vasos, outras têm capacidade de infiltração apenas e algumas atuam como jardins de chuva, não obedecendo a um critério específico.

Leia também

Você já tropeçou na calçada? Passeio público de São Paulo tem armadilhas que atrapalham o pedestre

Se essa solução de baixo custo for tratada como programa de governo ou política pública municipal que compõe as ações de microdrenagem urbana inseridas no contexto que trata da necessidade de constituição de um plano de gestão de infraestrutura verde, como os realizados por cidades que adotaram a sustentabilidade como diretriz, seus resultados teriam o poder de impactar positivamente na qualidade da vida, reduzindo as consequências provenientes das enxurradas e inundações, melhorando as condições microclimáticas e atuando para além do ajardinamento viário com finalidade estética.

Leia também

Você já tropeçou na calçada? Passeio público de São Paulo tem armadilhas que atrapalham o pedestre

Se essa solução de baixo custo for tratada como programa de governo ou política pública municipal que compõe as ações de microdrenagem urbana inseridas no contexto que trata da necessidade de constituição de um plano de gestão de infraestrutura verde, como os realizados por cidades que adotaram a sustentabilidade como diretriz, seus resultados teriam o poder de impactar positivamente na qualidade da vida, reduzindo as consequências provenientes das enxurradas e inundações, melhorando as condições microclimáticas e atuando para além do ajardinamento viário com finalidade estética.

Você já tropeçou na calçada? Passeio público de São Paulo tem armadilhas que atrapalham o pedestre

Prefeitura determina que donos de imóveis se responsabilizem por conservação e manutenção dos pavimentos urbanos, mas esses serviços deveriam ser feitos por uma autarquia.

  • Por Helena Degreas
  • 23/02/2021 09h00 – Atualizado em 23/02/2021 09h36

Helena Degreas/Jovem PanDegraus altos em calçada da zona oeste dificulta a mobilidade

O leitor já deve ter percebido que caminhar pelas cidades brasileiras é um ato de coragem. Os calçamentos são geralmente sofríveis. Perdoe-me Carlos Drumond de Andrade, mas no meio do caminho o pedestre encontrará não apenas uma pedra, mas também um buraco, um bueiro solto, uma tampa fora do lugar, bancas de jornal, lixeiras, postes com fios pendurados de todas as empresas prestadoras de serviços urbanos… E quem cuida disso? A prefeitura? O cidadão? Essa é a questão. Citei as calçadas como se em todos os bairros, mesmo naqueles mais distantes das regiões centrais, o calçamento existisse. Quem já teve o privilégio de viajar para cidades de países próximos ao Brasil deve ter observado que os pisos têm um padrão uniforme, são lisinhos, bem cuidados. A mesma qualidade pode ser encontrada nos equipamentos públicos, mobiliário urbano e na distribuição da vegetação pelas calçadas.https://3076e2066e9aeb4502c0bcc0a16c521a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Por que os locais por onde circula toda a população brasileira é tão malcuidado? Em algum momento, todas as pessoas irão colocar o pé na calçada. Ir à banca, passar na farmácia, comprar algo da padaria da esquina, tomar o ônibus, levar uma criança para tomar sol, o seu pet para passear ou mesmo sentir o vento no rosto e ver gente na rua: são comportamentos rotineiros para as pessoas e que são realizados a pé ou em cadeira de rodas, com ajuda de muletas por exemplo; mais cedo ou mais tarde, mesmo os mais fanáticos por seus carros, em algum momento também sentirão o prazer de andar pelas ruas de suas cidades. Mas até os bairros mais ricos apresentam calçadas, em muitos casos, vergonhosas…PUBLICIDADE

No dicionário, a calçada é descrita como “caminho ou rua com pavimento de pedra”. E foi assim que tudo começou por aqui. Pedra para calçar as ruas de terra e proteger os pedestres. Todas as cidades têm suas histórias e respectivas datas, mas, aqui em São Pauloas primeiras calçadinhas foram feitas no século XVII, quando a cidade ainda era uma província. Sua função era muito importante: proteger as casas da água e da lama que resultavam das fortes enxurradas. Só isso. Para ilustrar a situação, recorro a um pequeno objeto em ferro fixado no chão e colocado logo à entrada das casas mais antigas. Alguns já devem ter visto. O tal objeto servia para limpar o barro da sola dos sapatos dos visitantes e moradores antes de entrar na casa. Em várias cidades, e apesar de existir há muitos anos, o objeto permanece útil e funcional ainda hoje.

Guias para separar o que de fato era passeio público, calçadas do leito destinado à circulação, primeiramente de mulas e carroças, e posteriormente dos automóveis, aconteceram apenas nos séculos seguintes. Aos poucos, a cidade foi se adensando, se espalhando no território, novos serviços foram sendo instalados. Veio a energia elétrica, abastecimento de água, coleta de esgoto, coleta de águas pluviais, gás, bombeiros, cabeamento para serviços diversos na área de comunicação, além de bancas de jornal, bancosárvores, esculturas, semáforos e tudo o que o leitor lembrar. Enquanto escrevia a coluna, fiz uma lista do nome das empresas prestadores de serviços que estão nas calçadas em torno da minha casa: por volta de 40. Todas têm permissões dos governos federalestadual e municipal para atuar sobre o espaço público e prestar serviços essenciais à vida de quem mora nas cidades. Todas têm manuais próprios para procedimento de implantação, distribuição e manutenção de seus serviços.https://platform.twitter.com/embed/Tweet.html?dnt=true&embedId=twitter-widget-0&frame=false&hideCard=false&hideThread=false&id=1364192198791729154&lang=pt&origin=https%3A%2F%2Fjovempan.com.br%2F&siteScreenName=portaljovempan&theme=light&widgetsVersion=889aa01%3A1612811843556&width=500px

À título de exemplo, cito a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), vinculada à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da cidade de São Paulo. Sozinha, ela responde por 14 manuais que tratam da sinalização urbana. Cada uma delas deve ter procedimentos e ações próprias para cumprir com o padrão de qualidade de seus serviços. Como organizar essa situação? Embora em praticamente todo o país a responsabilidade pelas calçadas seja do munícipe, pergunto-me como é possível que indivíduos sejam capazes de cuidar de todos os agentes públicos que atuam e intervêm diretamente no espaço em frente ao seu imóvel. Como garantir padronização das larguras e uniformidade quanto ao tipo e qualidade de piso utilizado se o munícipe escolhe a partir de seus interesses? Como garantir que uma calçadinha seja responsável por todos os caminhos e situações pelos quais um pedestre passa ao longo de suas caminhadas? Respondo: não é possível.

Para resolver a situação, o prefeito Bruno Covas promulgou o decreto nº 58.611, de 24 de janeiro de 2019, que tem como objetivo padronizar as calçadas de São Paulo. Ficaram definidos como responsáveis pelas obras e serviços relativos à implantação, conservação e manutenção de calçadas os proprietários, possuidores de títulos de propriedade e condomínios. As permissionárias que anteriormente citei deverão reparar os danos causados às calçadas após realizado o serviço. O munícipe deve seguir o conjunto de documentos e manuais que estão disponíveis no site da prefeitura. Por experiência própria, posso afirmar que os reparos destas empresas são inadequados. Calçadas acessíveis, com guias rebaixadas localizadas nos pontos adequados ao atravessamento de cidadãos vulneráveis, pisos homogêneos com identidade visual estabelecida pela prefeitura, implantação de postes para iluminação adequada — tanto para o automóvel quanto para o pedestre—, localização adequada de tapumes de obras, bancas de jornal, lixeiras, sinalização de ruas e organização de todas as tampas de serviços das diversas empresas permissionárias e concessionárias, por exemplo, deveriam ser realizadas por uma autarquia responsável pela qualidade do espaço público, incluindo nele não apenas as calçadas, mas todas as áreas em que circulam pedestres e ciclistas.

Leia também

Feios, sujos e maltratados: por que grande parte dos rios urbanos estão em condições tão degradantes? 

Para que isso aconteça, faz-se necessário o planejamento de um Sistema de Circulação de Pedestres como aquele previsto pelo Plano de Mobilidade de 2015. Andar a pé ou por meio de rodinhas demanda uma infraestrutura complexa, que envolve uma série de componentes que não se esgotam na Cartilha de Calçadas Acessíveis ou ainda no decreto promulgado pelo atual prefeito. Os componentes do Sistema de Mobilidade para Pedestres são compostos por calçadas, vias de pedestres (calçadões), faixas de pedestres e lombofaixas, transposições, passarelas e sinalização específica. Mais adiante, o artigo Art. 221 (Plano Diretor da Cidade de São Paulo, em seu Título 3 – Da Política e dos Sistemas Urbanos e Ambientais) define uma série de ações estratégicas que são de responsabilidade da prefeitura, destacando-se a definição de rotas (Rede de Mobilidade a Pé) para a implantação da padronização dos componentes do sistema de circulação de pedestres em locais de intenso fluxo com o objetivo de melhorar o acesso e deslocamento de qualquer pessoa com autonomia e segurança e, por fim, integrar o sistema de transporte público coletivo com o sistema de circulação de pedestres por meio de conexões entre modais de transporte, calçadas, faixas de pedestre, transposições, passarelas e sinalização específica, visando a plena acessibilidade ao espaço urbano construído. A circulação segura do pedestre depende da qualidade de todos os componentes que estão previstos no Sistema de Circulação de Pedestres definido pelo Plano Diretor e que ainda não estabeleceu a Rede de Mobilidade a Pé. Aguardamos por políticas públicas e verbas que, para além da PEC Emergencial, que visa melhorar as condições das calçadas, também defina políticas, planos e ações práticas para os pedestres da cidade de São Paulo.

Feios, sujos e maltratados: por que grande parte dos rios urbanos estão em condições tão degradantes?

Exemplos mostram que investimentos públicos em saneamento básico têm retornos imediatos na saúde e na qualidade de vida do cidadão

  • Por Helena Degreas
  • 16/02/2021 09h00 – Atualizado em 16/02/2021 09h21

Helena Degreas/Jovem PanCórrego na cidade de São Paulo que deságua no rio Tietê

Em algum momento você já deve ter passado próximo a um córrego malcheiroso, com as margens ocupadas por habitações subnormais e repleto de entulho boiando em suas águas escuras e lodacentas. Por que a água doce, líquido tão precioso, bem natural indispensável à existência humana, é tratado desta maneira? Não é possível considerar natural e tampouco aceitável viver em cidades cujos rios e córregos encontram-se em condições de abandono e degradação. Mas por que isso ocorre? Muitas das formas como as cidades tratam seus rios vêm mudando ao longo das últimas décadas à medida que somos forçados a encarar as consequências de políticas públicas alheias às questões ambientais e de ocupação irregular do solo urbano. Trata-se de uma reflexão sobre a maneira como se dá o processo de urbanização brasileiro e o enfrentamento das questões globais sobre saneamento e riscos à saúde da população. A resposta para a questão do cheiro horrível que exala das águas dos nossos rios está diretamente relacionada às questões de ausência de saneamento básico. É uma situação grave pois, para além do cheiro ruim, as condições das águas afetam diretamente a saúde da população e a qualidade de vida urbana. 

Embora direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei nº. 11.445/2007, apenas a metade da população brasileira tem coleta de esgoto. Dito de outra forma, são cidadãos brasileiros que, além de não terem coleta e tratamento de esgoto, também não têm o lixo de suas casas e de suas ruas recolhido, tratado e encaminhado para instalações de manejo de resíduos sólidos como aterros sanitários. Isso mesmo: mais de 100 milhões de brasileiros não têm, por exemplo, onde deixar o lixo gerado em suas casas. O que fazer com ele? Deixar acumular? Jogar nas águas dos rios? O que esperam os gestores de nossas cidade e estados?

Relatório divulgado em 2017 pela Agência Nacional de Águas – ANA (antigo Ministério das Cidades, extinto com a edição da Lei Nº 13.844, de 18 de junho de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro, que, por sinal, não é afeito a questões ambientais e à sustentabilidade do planeta), o Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, mostrava que 81% (4.490 de 5.570) dos municípios despejam pelo menos 50% do esgoto que produzem diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de limpeza. Cerca de 9,1 toneladas de esgoto sanitário são produzidas diariamente. De acordo com o Instituto Trata Brasil, 55% dele não é tratado. É como se 6000 piscinas olímpicas cheias de esgoto fossem lançadas nos rios e córregos de nossas cidades diariamente. Não é difícil entender o porquê da morte dos rios brasileiros. Pelos dados citados, tem-se a impressão de que os rios que atravessam a cidade têm a função de diluir os efluentes residenciais e industriais neles lançados. Tratamento e ligação de esgoto nas residências é fundamental. Mas como realizar esse trabalho se um número significativo de habitações nas cidades brasileiras encontra-se à margem da regulação urbanística? Ainda assim, como convencer proprietários que têm a posse legal a autorizar a ligação para a coleta de esgoto em suas casas se a conta virá mais cara ao final do mês? Saneamento básico associado a políticas habitacionais eficazes andam juntas.

Muitos são os exemplos de rios que atravessam cidades e que, com esforço de governos de países e cidades, requalificaram suas águas para usos ambientais, culturais e recreacionais, incluindo mobilidade e produção de alimentos. Vontade política para realizar obras deste porte são necessárias. Exemplos como os dos rios Reno (AlemanhaSuíça e Holanda), Tâmisa (Londres), Sena (Paris) e Cheonggyecheon (Seul), realizada em menos de dez anos, envolveram esforços conjuntos entre a iniciativa privada, populações e governos para despoluir suas águas e requalificar suas margens. No Brasil, também podemos encontrar exemplos bem sucedidos. Em São Paulo, temos o Parque Linear Banal-Canivete, implantado em 2012 e que está localizado no Jardim Damasceno, zona norte da cidade. Local carente de espaço livres públicos para o uso da população desencadeou uma série de mudanças nas dinâmicas sociais locais, que passaram a utilizar com intensidade suas praças e equipamentos de recreação.

A produção de novos espaços públicos gera encontros comunitários e sociais, contribuindo para a qualidade de vida urbana e interferindo positivamente nas questões ambientais por meio da redução da temperatura, melhoria da qualidade do ar, absorção das águas das chuvas e redução do número de pontos de enchentes, entre outros benefícios. Além dele, está prevista a implantação do Parque Linear do Rio Pinheiros. Este último pretende criar espaços diversificados mesclando usos recreativos e culturais que foram associados à despoluição do rio por meio obras de esgotamento sanitário e requalificação das margens, impactando positivamente na vida da população que reside e trabalha em seu entorno.

Leia também

Prefeitura hostil: quando as intervenções no espaço público mostram que o cidadão não é bem-vindo

Em Belo Horizonte, Minas Gerais, a construção do Parque do Córrego 1° de Maio melhorou a qualidade das águas do córrego e reduziu os riscos de inundações, além de ter proporcionado espaços para o lazer e recreação da população local, que não dispunha de equipamentos urbanos qualificados para esse tipo de uso. Investir em saneamento básico é o mínimo que se espera de um município, de um estado e de um país civilizado. Rios que poderiam abastecer populações não podem ser responsáveis pelo adoecimento dos moradores que encontram-se em suas margens. São espaços livres públicos vegetados e permeáveis que cumprem papel importantíssimo na qualidade de vida urbana e na sustentabilidade urbana.

Tags:
aguaChuvascórregosdespoluiçãoesgotoHelena Degreasmeio ambienteRio PinheirosriosSaneamento Básico

Coluna originalmente publicada aqui

Prefeitura hostil: quando as intervenções no espaço público mostram que o cidadão não é bem-vindo

‘Projetos antimendigos’ representam uma espécie de limpeza social urbana cujo objetivo é expulsar grupos de cidadãos indesejados que, destituídos de todos os seus direitos, vivem em estado de miséria absoluta

  • Por Helena Degreas
  • 09/02/2021 09h00

Helena DegreasO último censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2019 aponta que a população de rua na cidade de São Paulo é de 24.344

Instalar pedras sob viadutos, chuveirinhos que borrifam água sob marquises ou espetos de aço sobre superfícies impedindo o uso do espaço público são atitudes que simbolizam a hostilidade social para com as pessoas. Nada disso é novidade. Basta olhar ao seu redor para encontrar vários exemplos pelas ruas da cidade. Mas, quando a ação inexplicavelmente vem de um agente público, o fato, além de condenável, mostra que a prefeitura não gosta dos seus cidadãos e intervém de forma agressiva para evitar comportamentos considerados “inadequados” por aqueles que deveriam zelar pelo bem-estar da população. Dito de outra forma, tanto dos paralelepípedos da gestão Haddad quanto os jatos de água provenientes dos caminhões-pipa e os muros inclinados das gestões Serra/Kassab/Doria foram, e ainda são, soluções que colocam em prática os famigerados “projetos antimendigos”. Representam uma espécie de limpeza social urbana que tem o objetivo expulsar grupos de cidadãos indesejados que, destituídos de todos os seus direitos, vivem em estado de miséria absoluta na capital financeira da América Latina. “Regras higienistas” colocadas em prática por várias gestões municipais. 

Todas essas ações expõem a incapacidade das prefeituras de oferecer as ferramentas sociais necessárias para que grupos vulneráveis, no caso os cidadãos em situação de rua e em condições de miséria, estejam capacitados a tomar parte da vida comunitária, permitindo-lhes usufruir da igualdade de direitos e benefícios que a cidade pode e deve oferecer a todos indistintamente. Integração e reintegração social deveriam ser as palavras-chave para as ações da prefeitura. Por fim, apresenta um quadro em que as políticas públicas destinadas à moradia e geração de renda como prevenção à situação de rua não estão sendo aplicadas de maneira eficaz, pois não alcançam os grupos vulneráveis. O último censo realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2019 aponta que a população de rua na cidade de São Paulo é de 24.344, e após a recessão provocada pelos efeitos da paralisação das atividades econômicas provocadas pelos protocolos sanitários adotados pelos municípios que compõem o Estado de São Paulo, estes números foram ampliados. Para o Padre Júlio Lancelotti, que na semana passada literalmente quebrou a marretadas as pedras instaladas sob os viadutos Dom Luciano Mendes de Almeida e Antônio de Paiva Monteiro, localizados na Avenida Salim Farah Maluf, zona leste de São Paulo pela zeladoria municipal, a população está subestimada. O número de pessoas que residem nas ruas é muito maior. PUBLICIDADE

Leia também

Se você acha que o final de semana foi quente, espere pelos próximos dias

O padre Júlio Lancelotti está coberto de razão. Sem poder arcar com os custos de aluguéis, resta ao cidadão o espaço público, espécie de “vazio urbano que se transforma em moradia, espaço criado para construir suas experiências e vivências, lugar de vida para aqueles que não tem lugar numa sociedade” comenta o Arquiteto Antônio Busnardo Filho, professor e pesquisador em Teoria e Crítica da Arquitetura e Urbanismo da UNIVAG. Em resumo: a rua é um lar e, ao retirar seus pertences e jogar jatos de água, a zeladoria obedece a ordens de secretarias e do prefeito. Tem ordens para limpar o lugar, destroem a casa de alguém.  Neste caso em especial, a prática adotada pela Prefeitura de São Paulo “para aqueles que não têm lugar na sociedade”, pretendia desencorajar o abrigo de pessoas sem abrigo. Esconder cidadãos miseráveis dos olhos das pessoas no lugar de acolhê-los? Transformá-los em invisíveis sociais? Como pode? Isso é inaceitável. Se um agente público coloca pedras sob um viaduto para afastar “mendigos”, é porque nem ele acredita mais na eficácia das políticas públicas sociais adotadas pela atual gestão municipal. 

Quem são estas pessoas? São cidadãos paulistanos sem condições de acesso a programas de renda, saúde, moradia, educação e trabalho. Os chamados “mendigos” abrigam-se onde podem se abrigar. Trata-se de um público que encontra-se em condições de extrema pobreza, quando não de miséria. São pessoas que podem apresentar comprometimentos mentais e dependência química e que demandam tratamento no âmbito da saúde. Em alguns casos são famílias que, ou foram constituídas na rua, ou são recém-chegadas à rua e encontram-se nesta situação por estarem desempregadas, desocupadas, sem renda para custear seus lares. A formulação de políticas públicas para inclusão e reintegração de grupos sociais formados por cidadãos (crianças, adolescentes, jovens, idosos, famílias inteiras) que recorrem à sobrevivência por meio da mendicância requer urgência do prefeito de São Paulo. São seres humanos que precisam da atenção dos agentes públicos para se reintegrarem à sociedade. Nenhum deles escolheu morar nas ruas, tampouco escolheu não ter acesso aos seus direitos como cidadão. Aguardo ansiosamente que, ao retirar as pedras sob o viaduto, o prefeito de São Paulo Bruno Covas mostre que tem vontade política de enfrentar as complexas questões que levam à exclusão social e à miséria milhares de paulistanos. Que apresente aos mais de 24 mil cidadãos em situação de rua que ele está empenhado em resgatar a dignidade e os direitos desse grupo formado por pessoas e famílias em situação socialmente vulnerável.

Tags:
Bruno Covaspadre Julio LancellottiPrefeitura de São PauloSão Paulo

Coluna originalmente publicada aqui

Pedestres e ciclistas nas calçadas: compartilhamento ou disputa de espaço?

Pesquisas mostram crescimento do número de pessoas que se locomovem a pé ou de bicicleta, mas a prioridade nas intervenções urbanas ainda é do automóvel

  • Por Helena Degreas
    26/01/2021 11h00 – Atualizado em 26/01/2021 15h16

Helena Degreas/Jovem PanPedestres andam sobre faixa destinada a ciclistas em uma calçada no centro de São Paulo

Recentemente, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes da Prefeitura de São Paulo implantou uma nova ciclovia com 281 metros de extensão ao longo do viaduto Nove de Julho, no lado par, viabilizando o acesso das pistas existentes nas ruas Santo Antônio, Consolação e Quirino de Andrade à entrada da estação Anhangabaú (linha 3-Vermelha do Metrô). Embora bem-vinda e necessária, a implantação da ciclovia sobre as calçadas —  uma ampliação da mobilidade da população na cidade —  ainda demonstra que a prioridade das intervenções realizadas pela secretaria ainda é do automóvel. O compartilhamento está previsto em leis, normas e manuais, mas, ainda assim, fica a questão: por que colocar a ciclovia sobre a calçada e não repensar o dimensionamento das faixas dedicadas aos automóveis? Será que a prioridade ainda é do carro? 

A pesquisa Origem Destino do Metrô de São Paulo mostra que são realizadas cerca de 42 milhões de viagens diárias na região metropolitana de São Paulo. Com o objetivo de colaborar com a leitura e visualização da base dados da pesquisa, realizada em 2017, a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo e o Instituto Multiplicidade Mobilidade Urbana desenvolveram uma tabela. Das viagens citadas, 31,8% foram realizadas a pé e 0,9% de bicicleta. Ou seja, a pesquisa com base domiciliar mostra que para ir ao trabalho, à escola e às compras (os três principais motivos), um terço dos deslocamentos é feito por pedestres e ciclistas. Se hoje fosse realizado um novo levantamento sobre os modos de locomoção na cidade, os resultados certamente apresentariam um cenário diferente — os dados sobre deslocamentos a pé e por bicicleta seriam mais robustos. PUBLICIDADE

As consequências resultantes da pandemia levaram não apenas ao afastamento social da população como protocolo sanitário, mas também elevou o número de desempregados graças ao pífio desenvolvimento econômico nacional. A bicicleta apresentou-se como alternativa para redução dos gastos de transporte e geração de renda complementar, com o crescimento de entregas de mercadorias por bicicletas em todo o país. A Associação Brasileira do Setor de Bicicletas apontou, em pesquisa realizada entre 15 de junho e 15 de julho do ano passado, um crescimento de 118% em comparação ao mesmo período de 2019. Por sua vez, a pesquisa Viver em São Paulo: Especial Pandemia, realizada pela Rede Nossa São Paulo, mostra que, como consequência da pandemia, 38% da população entrevistada continuará a se deslocar mais a pé e que e 20% pretendem usar mais a bicicleta no dia a dia depois que o isolamento social não for mais necessário. Resumindo, não haverá calçadas suficientes para tantos pedestres e ciclistas.

Ampliar os modos de locomoção a pé e de bicicleta nas cidades é parte das discussões que compõem a agenda urbana internacional que trata de políticas para a construção de cidades e comunidades sustentáveis e de populações saudáveis, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dados das duas pesquisas mostram uma tendência que não tem mais volta: o modo ativo, ou seja, aquele realizado por locomoção a pé e de bicicleta, veio para ficar em nossas cidades. As pesquisas já mostram que pedestres e ciclistas realizam mais viagens diárias do que automóveis particulares e que a tendência é de incremento do modo ativo nos espaços públicos. Nossas calçadas, quando existem, são estreitas para o fluxo de pessoas e têm manutenção ruim, como mostra o relatório da campanha Calçadas do Brasil do Portal de Mobilidade Urbana Sustentável Mobilize. 

Leia também

Já correu uma maratona hoje? Experimente atravessar uma rua em São Paulo

Por esta ótica, é possível afirmar que todos os prefeitos da região metropolitana de São Paulo deveriam investir na construção, reformas e manutenção de calçadas para melhor acolher seus cidadãos. A afirmação também é válida para a construção, remodelação e reforma do sistema cicloviário. Se a prioridade é melhorar a mobilidade da população, a eliminação ou a redução das faixas de rolamento destinadas aos automóveis deveria ser a prioridade. O compartilhamento dos espaços ocorreria apenas em situações extremas, em que alternativas viárias são inexistentes. Desconheço o método e os instrumentos aplicados para o caso da implantação da ciclovia sobre a calçada do viaduto Nove de Julho. Um olhar mais apurado junto ao local aponta que o volume de pessoas circulando ao longo da semana é significativo por se tratar de uma área repleta de instituições públicas. A convivência harmoniosa entre pedestres e ciclistas pode não ocorrer da forma como se espera. É possível que o compartilhamento transforme-se em disputa de espaço público. 

Já as faixas de rolamento destinadas aos automóveis permanecem intactas, evidenciando aos pedestres e ciclistas sua autoridade e preferência sobre o espaço urbano. As políticas públicas e suas ações ainda mostram que se algum compartilhamento tiver que ocorrer na cidade, será entre ciclistas e pedestres nos espaços públicos que restaram do sistema viário. Nos automóveis, ninguém mexe. Ao recém empossado secretário municipal de Transportes, desejo um excelente trabalho. E que, em suas ações, tanto pedestres quanto ciclistas recebam não apenas a sua atenção especial, mas também a destinação de verbas adequadas à realização de mais calçadas e pistas cicláveis, tornando sua locomoção segura e eficaz. Numa cidade em que o poder público prioriza o coletivo na sua forma de planejar, os seus espaços são compartilhados por todos os cidadãos. É uma cidade mais justa.

Tags:
bicicletasCicloviasHelena DegreasMobilidade UrbanapedestresPrefeitura de São PauloSecretaria Municipal de Transportes

Coluna originalmente publicada aqui

Já correu uma maratona hoje? Experimente atravessar uma rua em São Paulo

Se você não é jovem, saudável e sem deficiências, provavelmente já passou pela estressante situação de apostar corrida contra o semáforo na capital paulista

  • Por Helena Degreas
  • 19/01/2021 09h00

Helena Degreas/Jovem PanCidadãos apertam o passo para conseguir completar a travessia em uma rua de São Paulo

Para aqueles que são adultos jovens, saudáveis e sem deficiências, atravessar a rua com o tempo semafórico destinado aos pedestres nos cruzamentos da cidade de São Paulo é moleza. Basta acelerar um pouco o passo e você chega na outra calçada rapidamente. Para os demais cidadãos, a história pode ser bem diferente.  Quantos metros você anda por segundo? Você consegue atravessar o semáforo de pedestres sem correr preocupado com um eventual atropelamento? Qual dos leitores já passou pela situação estressante de correr para atravessar a rua e perceber que o farol destinado ao pedestre ficou vermelho e você ainda não chegou do outro lado da calçada? Isso acontece porque os semáforos ajustam o tempo para evitar congestionamento de veículos. Dito de outra forma, não estão planejados para atender a velocidade de deslocamento das pessoas.https://53b1b23af142c0c538a0845591c7743b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

Um estudo realizado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) constatou que 97,8% das pessoas com mais de 60 anos da cidade de São Paulo não conseguem atravessar a rua no tempo dos semáforos. Essa situação por si só é muito grave, pois amplia o risco de atropelamento que resulta em óbito. Levantamento realizado pela prefeitura do município aponta que os idosos representam cerca de 15% da população paulistana e são as principais vítimas de atropelamentos. Para esse grupo, o caminhar é mais lento, a mobilidade vai ficando cada vez mais reduzida. As mortes que ocorrem em travessias próximas a hospitaisigrejas, centros de saúde e em bairros onde predominam uma população mais velha são previsíveis. Trata-se de estatística e georreferenciamento urbano. Novamente, cito a plataforma GeoSampa, que mapeia todos os acidentes na cidade. Sugiro uma consulta.

A mobilidade reduzida não é resultado apenas do processo natural de envelhecimento da população. Ela inclui também as crianças pequenas, que obviamente não andam na velocidade de adultos, os usuários de cadeiras de rodas, que locomovem-se em condições especiais e ainda sofrem com a falta de manutenção das ruas, as pessoas carregando carrinhos e até gente que, como eu, andam com a “cabeça nas nuvens” ou distraídas com o celular na mão. A pesquisa apontou que os idosos caminham a 2,7 quilômetros/hora ou ainda, 0,75 metros/segundo. O tempo de programação dos semáforos foi planejado para 1,2 metros/segundo ou, ainda, 4,3 quilômetros/hora pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP), em média. Com estes números, fica claro que alcançar a outra calçada caminhando tranquilamente é inviável dependendo do grupo do qual você faz parte. Para melhorar as condições de caminhabilidade, foi lançado ano passado, em São Paulo, o Estatuto do Pedestre, que prevê várias ações que deverão ser adotados pelos órgãos municipais responsáveis. O estabelecimento de metas e cronogramas fica a critério dos órgãos envolvidos. Depende de prioridades políticas que associam verbas às metas e ações. Dentre as diretrizes apresentadas no estatuto, destaca-se a requalificação do sistema semafórico com a ampliação dos tempos para travessia em locais com grande concentração de pedestres e a inclusão de equipamentos com sinal sonoro, tão comum em outros países. Apesar de previsto, o plano ainda encontra-se em processo de implantação. 

O Sr. Élio Bueno de Camargo é um dos vários membros que representam os interesses dos pedestres na cidade de São Paulo junto à Câmara Temática de Mobilidade a Pé (Rede Butantã). Nas reuniões mensais, ele cobra da prefeitura um papel ativo e mais ágil na solução dos problemas que envolvem os semáforos da cidade, defendendo que os tempos semafóricos sejam ajustados às necessidades da população em todo o território da cidade, e não apenas ao fluxo de veículos. Em relação às mortes por atropelamento, salienta que é necessária uma ação pública mais descentralizada na prevenção dos acidentes, já que ocorrem em todo o território urbano.

Leia também

Doria trata o complexo do Ibirapuera como grande salão de negócios em vez de entregá-lo ao paulistano

Cidades como Londres e Barcelona ampliaram o tempo semafórico destinado ao pedestre visando reduzir o risco de atropelamentos da população em geral. A velocidade adotada é de 0,9 metros/segundo para todos os semáforos. Essa e outras inciativas estão previstas nos planos de mobilidade e são, portanto, prioridade dos prefeitos. A população está envelhecendo e é desejável que o caminhar do cidadão seja tratado de maneira diferenciada. A priorização de políticas e ações voltadas à revisão da infraestrutura que envolve a mobilidade das pessoas é fundamental para uma cidade que pretende zerar as mortes por atropelamento.

Tags:
AcessibilidadeatropelamentosidososmobilidadepedestresruasSão Paulosemáforos

coluna originalmente publicada aqui