Coletivos ambientais remodelam o cenário urbano e promovem a infraestrutura verde nas cidades

Busca por cidades mais verdes e ecologicamente equilibradas é uma empreitada que encontra inúmeros desafios, especialmente quando impulsionada por coletivos urbanos e grupos de ativistas dedicados ao plantio de árvores

Originalmente publicado Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Helena Degreas  em 21/12/2023 17h14 – Atualizado em 21/12/2023 18h31

Fotos Gratuitas/Freepik

Imersa em uma realidade natalina para lá de estranha, vejo pessoas carregando árvores de plástico já decoradas com a tão esperada neve tropical enquanto enfrento temperaturas de 38 °C em ruas desprovidas de sombras. Nas redes sociais, cidadãos reclamam das ondas de calor enquanto arrancam árvores da calçada com o objetivo de “melhorar a entrada do estacionamento” do condomínio onde residem, regozijando-se com os valores irrisórios das multas e a falta de fiscalização pública. Este último fato ocorreu na semana passada em uma discussão acalorada em um grupo de WhatsApp do qual, para minha infelicidade, sou obrigada a participar. Apesar do caos cotidiano que nos envolve, no último ano, encontrei grande satisfação em dedicar meu tempo livre ao voluntariado ambiental, participando ativamente do plantio de árvores com pessoas comprometidas em aprimorar as condições climáticas para as gerações futuras. No Brasil, onde aproximadamente 85% da população reside em ambientes urbanos, e globalmente, com mais de 50%, a empatia, generosidade e afeto são valores que prevalecem nestas iniciativas que, para o benefício do planeta e de todos nós, transformam positivamente nossas vidas.

A busca por cidades mais verdes e ecologicamente equilibradas é uma empreitada que encontra inúmeros desafios, especialmente quando impulsionada por coletivos urbanos e grupos de ativistas dedicados ao plantio de árvores. Nas discussões online dos grupos dos quais participo, surgiram algumas postagens que revelaram os entraves enfrentados por comunidades engajadas, destacando as barreiras encontradas no relacionamento e apoio do poder Executivo municipal encontradas em seus esforços para transformar o ambiente urbano. A história que descrevi no começo da coluna, foi apenas uma situação comum e reafirma visões individualistas, egoístas do ser humano, expressas no ditado popular “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Graças à educação, nossos jovens tendem a compreender e a agir em prol de uma realidade em que o comprometido com o bem-estar de todos os seres vivos do planeta, prevalece. Ególatras e “carrocêntricos” são uma espécie em extinção, portanto.

Apesar das dificuldades, ao longo do tempo, observei um aumento no número de cidadãos envolvidos em coletivos movidos por razões voltadas para o bem público. Eles persistem e buscam beneficiar toda a comunidade de maneira abrangente, contribuindo para o bem-estar da sociedade e a preservação sustentável das cidades. Essas ações geralmente são realizadas de forma colaborativa, envolvendo a participação ativa da comunidade local, grupos de voluntários, coletivos ambientais e organizações não governamentais, apontando para um futuro promissor em que a sustentabilidade apresenta-se como diretriz para a construção de um urbanismo verde.

Nas discussões dos grupos, os maiores entraves encontram-se na atuação e interferência do poder público municipal. Guiado por um funcionamento burocrático, cuja tomada de decisões contrasta com abordagens voltadas à atuação desses grupos, a ação que visa a eficácia do processo de intervenção urbana por meio do plantio de corredores ecológicos no contexto climático, praticada e reivindicada pelo ativismo ambiental, expõe a falta de alinhamento e congruência do discurso público de constituição de cidades resilientes aos extremos climáticos. Suas ações, cujo tempo de implantação esbarra em um sistema de governo onde o cumprimento de regras e procedimentos burocráticos é mais valorizado do que a própria ação, engessam uma realidade viva e diversa. Não faltam exemplos dessas barreiras, que vão da dificuldade, quando não da relutância persistente, do poder público municipal em fornecer mudas para projetos que buscam criar jardins de chuva em bairros alagáveis, até o adensamento de áreas vegetadas com a inclusão de espécies nativas ou o plantio em calçadas para proporcionar sombra aos pedestres, que se mostram, dentre tantos outros, obstáculos constantes para essas iniciativas, gerando frustrações em seus esforços para o plantio.

Esforços mais recentes deste grupo mostram a busca pelo plantio em “corredores ecológicos”. A implementação de corredores ecológicos urbanos, derivada das deliberações e atividades desses grupos, mostra-se alinhada com as metas da Agenda Urbana Ambiental Internacional. Desde 2020, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) está apoiando uma iniciativa para coordenar, de forma técnica, a plantação de um trilhão de árvores no mundo objetivando reverter centenas de danos causados a florestas, pantanais e ecossistemas em todo o mundo. Em suas conferências, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o período entre 2021 e 2030 como a Década da Restauração dos Ecossistemas. 

Embora suas atuações se restrinjam ao âmbito local, observei que as diretrizes propostas visam integrar porções de ecossistemas naturais ou seminaturais ou na criação de novas áreas verdes, buscando facilitar a dispersão de espécies, revitalizar áreas degradadas e sustentar populações de organismos vivos, tanto da fauna quanto da flora, que necessitam de extensões mais amplas para sua subsistência. Ao destacar a participação ativa dos grupos ativistas, especialmente o coletivo Corredor Ecológico Urbano Butantã, dedicado ao plantio de árvores, arbustos e forrageiras em áreas públicas como calçadas e outros espaços livres públicos disponíveis em sistemas viários, essas ações estabelecem a conectividade biológica, facilitando a mobilidade de flora e fauna, promovendo a troca genética e estabelecendo uma malha contínua de áreas verdes com habitats interconectados. Nesse contexto, Nik Sabey, idealizador do movimento “Novas Árvores por Aí” (SP), mobiliza a realização de plantios coletivos, envolvendo escolas, organizações não governamentais e diversos interessados, assim como novas iniciativas como o Corredor Ecológico Ipiranga (SP), que busca unir o Parque Fontes do Ipiranga ao Córrego Jaboticabal, e a proposta de criação do Corredor Ecológico Urbano Ibirapuera (SP), conectando o Jardim da Aclimação ao Parque do mesmo nome, reforçando o compromisso desses grupos com a preservação ambiental e a integração de espaços verdes na cidade.

Ao fortalecer a resiliência ambiental do sistema ecológico urbano, essas ações possibilitam a adaptação e migração de espécies diante de perturbações, contribuindo para a melhoria da qualidade ambiental, favorecendo a regulação térmica e a gestão das águas pluviais. Adicionalmente, promovem o bem-estar da comunidade por meio de espaços verdes contínuos em áreas residuais provenientes das sobras do sistema viário, atuando de maneira ativa na preservação da biodiversidade, mesmo em ambientes densamente construídos. Nessa jornada em que estive envolvida nos últimos dois anos em busca de cidades resilientes, destaco a ascensão e o protagonismo do ativismo urbano como agente catalisador das ideias de um urbanismo verde voltado ao cotidiano dos cidadãos.

Além de remodelar o cenário urbano, esse movimento impulsiona a melhoria da qualidade de vida e a promoção da infraestrutura verde nas cidades, exemplificando boas práticas em diversas esferas. Acredito que o ativismo instiga o diálogo público ao realizar campanhas educativas e workshops, sensibilizando a população sobre a importância do plantio de árvores e cuidados necessários para aprimorar as cidades. Ao envolver as pessoas em eventos como plantios coletivos, observação de pássaros locais, criação de pequenas hortas em praças ou a instalação de colmeias de abelhas sem ferrão, promove-se a valorização da vida comunitária, congregando moradores, escolas e empresas em esforços conjuntos para construir ambientes mais sustentáveis. Adicionalmente, práticas como a defesa incansável de políticas públicas robustas, o uso de tecnologia inovadora para o monitoramento ambiental, intervenções artísticas, parcerias estratégicas com o setor privado e o estímulo ao voluntariado consolidam o ecossistema do ativismo urbano. 

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Enquete Jovem Pan para esta coluna:



Incluir as pessoas nas deliberações de planejamento dos espaços urbanos é fundamental para construir um futuro mais inclusivo

Mirar na fluidez do transporte individual motorizado e esquecer dos cidadãos revela uma visão anacrônica de planejar o projeto das cidades 

Originalmente publicado Por Helena Degreas para a Jovem Pan News
12/12/2023 11h00 – Atualizado em 12/12/2023 11h09

Passarela flutuante liga o Parque Bruno Covas à ciclovia Franco Montoro – Divulgação/Governo do Estado de São Paulo

A busca por soluções para os eventos climáticos extremos que incorporem e priorizem a integração da perspectiva de gênero nas diretrizes de projeto e planejamento urbano é o caminho para a construção de cidades sustentáveis. Emergência climática e a injustiça de gênero no acesso aos serviços urbanos é uma das questões transversais que encontra-se na pauta da agenda internacional de discussões urbanas que vem sendo debatidas na 28ª sessão da Conferência das Partes (COP28) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) entre os meses de novembro e dezembro de 2023 na Expo City, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos (EAU).

Questões de gênero permeiam como categoria relacional e simbólica as construções sociais, influenciando a qualidade de vida das pessoas. Cidades não são “neutras”, pois materializam valores de grupos sociais que, embora subjetivos, manifestam-se em sua estrutura espacial. Pelas hierarquias e prioridades daqueles que exercem o poder, ruas e bairros vão se modelando, gerando as desigualdades que se apresentam na vida cotidiana. Pesquisadores urbanos afirmam que o viés androcêntrico tem demonstrado falhas significativas na provisão de espaços públicos adequados para atender às necessidades de mulheres de baixa renda e residentes em comunidades onde a autoconstrução é predominante. Mesmo nas condições mais simples, essas mulheres constroem lares, locais onde criam seus filhos, cuidam de seus familiares e se encontram com amigos. Sua vidas e suas tarefas diárias diferem e muito daquelas exercidas pelos homens. “Cidade predominantemente a pé” é uma expressão que resume o cotidiano de todas elas: levar os filhos à escola, comprar algo próximo r cuidar da casa são situações corriqueiras. A qualidade de vida, sob a ótica da sustentabilidade, estabelece uma relação intrínseca entre as condições de vida, o entorno social e o meio ambiente, integrando, em outras palavras, aspectos econômicos, sociais e ambientais, ampliando a compreensão do conceito para além de meros indicadores monetários ou visões rodoviaristas há muito descartadas pelo urbanismo voltado às pessoas em cidades cujos gestores públicos e técnicos urbanos são sensíveis ao tema.

Ao não incorporar ou ignorar aspectos fundamentais da vida cotidiana das pessoas como o cuidado, a distribuição assimétrica de tempo e tarefas ou a violência de gênero enfrentada por mulheres, perde a cidade, perdem as mulheres e deixa-se de investir em nossas crianças e jovens. Essa falta de neutralidade se reflete nas estruturas urbanas que frequentemente ignoram ou excluem as experiências específicas das mulheres, criando ambientes que não são verdadeiramente inclusivos.

Recentemente, tive acesso ao “Relatório dos Acessos ao Parque Linear Bruno Covas Novo Rio Pinheiros,” de autoria do Instituto Caminhabilidade (Laboratório Rio Pinheiros), que descreve como a predominância de decisões conduzidas por homens resulta em cidades desiguais, onde as experiências e necessidades das mulheres são sub-representadas, transformando o Parque Linear Bruno Covas em um estudo de caso em que barreiras de acesso predominam, o que evidencia a falta de adequação das políticas públicas às realidades específicas das mulheres. A pesquisa, realizada em 97 comunidades lindeiras ao parque (em um raio de 2,4 km em toda a extensão do parque das quais 60 comunidades encontram-se num raio de 2,4 km dos acessos existentes), apresenta diagnósticos e soluções para melhorar o acesso das pessoas ao local, considerando a situação de possibilidades de acesso a pé e por bicicletas (entre outubro de 2021 e abril de 2022). Por meio de entrevistas e mapeamentos realizados com as lideranças locais, foram comparados os tempos de deslocamento (a pé, de bicicleta e de transporte público) das comunidades até a entrada do parque mais próxima (Ponte Cidade Jardim e Ponte Laguna), com as distâncias geográficas entre comunidades e o parque (a distância em linha reta da comunidade até a margem do rio). Tão perto, mas tão longe: curiosamente, apesar da proximidade física, as pessoas levam muito tempo para poder alcançar as instalações do parque. De que adianta ver o parque e não conseguir chegar nele? Qual o sentido de investir na construção de um elemento espacial tão importante, que compõe a tão escassa infraestrutura de lazer urbano, se não há entradas suficientes para as pessoas que moram em frente a ele? Desenvolvam o projeto de acesso às comunidades do entorno, por favor. Mirar na fluidez do transporte individual motorizado e esquecer as pessoas? Planejamento e projeto urbanos anacrônicos. Corrijam o equívoco.

A mobilidade urbana é um dos pontos focais destacados no relatório do Parque Pinheiros. A presença limitada das mulheres nas ruas, muitas vezes moldada pelo machismo estrutural, gera uma sensação de insegurança que impacta diretamente a forma como elas se movem e acessam a cidade. As barreiras de deslocamento, frequentemente relacionadas aos padrões de cuidado atribuídos às mulheres, são identificadas como obstáculos significativos ao acesso a empregos e educação. O urbanismo feminista, uma abordagem evidenciada no relatório, surge como resposta a esses desafios. Reconhecendo que uma cidade boa para as mulheres é benéfica para toda a comunidade, esse movimento propõe a caminhabilidade como componente essencial para criar ambientes urbanos mais equitativos. A implementação desses princípios no Parque Pinheiros catalisa mudanças significativas, tornando os espaços mais acessíveis, seguros e promovendo uma participação mais ativa e igualitária na vida urbana.

No âmbito climático, a conexão intrínseca entre uma cidade mais equitativa e a luta contra as mudanças climáticas é evidenciada. O modelo urbano centrado nos carros é desafiado pela ênfase na caminhabilidade e no transporte sustentável propostos no relatório. Reduzir a dependência de veículos motorizados contribui para a diminuição das emissões de carbono, alinhando-se aos esforços globais para enfrentar a crise climática. A criação de espaços multiuso, conforme sugerido no relatório, reduz a necessidade de deslocamentos desnecessários, promovendo a eficiência no uso do espaço urbano e contribuindo para a redução do tráfego e da poluição associada. A parceria estratégica com escolas públicas locais, integrando o parque ao currículo educacional, destaca uma visão holística da sustentabilidade ao educar as gerações futuras sobre a importância da equidade de gênero, acessibilidade e cuidado com o meio ambiente. A formação de grupos de representantes comunitários para decisões mais participativas na construção do parque ressalta a importância do envolvimento da comunidade. Esse processo não apenas promove um senso de propriedade local, mas também assegura que as soluções sejam contextualizadas e verdadeiramente representativas das necessidades da comunidade.

Em resumo, o Parque Pinheiros perde a chance de ser tratado pelas autoridades públicas com políticas inovadoras no âmbito do planejamento urbano ao incorporar a perspectiva de gênero em seu projeto. Ao enfrentar os desafios específicos enfrentados pelas mulheres nos espaços urbanos, o parque não apenas poderia melhorar a qualidade de vida das mulheres e seus filhos, mas também desempenhar um papel vital na construção de cidades mais sustentáveis e justas. Queremos um futuro urbano mais inclusivo, igualitário e ecologicamente consciente? Incluam os cidadãos e as cidadãs nas deliberações de planejamento dos espaços urbanos.

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‘Cidades Esponja’ se tornam solução inovação inovadora para complexidade das chuvas intensas

Conceito proposto por pesquisador chinês visa transformar áreas urbanas em espaços capazes de absorver e gerenciar águas pluviais durante temporais

Por Helena Degreas

28/11/2023 11h00

Originalmente publicado Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Helena Degreas > ‘Cidades Esponjas’ se tornam solução inovação inovadora para complexidade das chuvas intensas.

Vista aérea de Chongqing, na China, exemplo bem-sucedido de “Cidade Esponja”

Em meio ao aquecimento global, evidencia-se o aumento de chuvas mais intensas, especialmente em áreas urbanas com sistemas de drenagem pluvial desatualizados, inicialmente concebidos para lidar com padrões de distribuição temporal e espacial das chuvas em volumes distintos dos observados atualmente. No século passado, as infraestruturas foram planejadas e construídas para acelerar a coleta de água da chuva em direção a rios, lagos ou oceanos. Embora tenham sido eficientes na captação e encaminhamento das águas pluviais à época, o incremento das chuvas intensas resultou em inundações mais frequentes, desafiando as infraestruturas urbanas devido à sua concentração e volume. Nossas cidades, predominantemente impermeáveis e revestidas por asfalto e concreto, obstruem a infiltração da água no solo interrompendo o ciclo natural de escoamento e infiltração natural.

Neste cenário, o conceito recente conhecido por “Cidades Esponja”, proposto pelo pesquisador Kongjian Yu (Diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Pequim) ainda em 2012, surge como uma resposta à necessidade de repensar as abordagens convencionais. Em 2014, já com o apoio do governo central da China, foram criados metas e prazos para reduzir o efeito dos extremos climáticos sobre as áreas urbanas. Estabeleceu-se que até 2020, 20% das áreas urbanas seriam permeáveis e que 70% da água da chuva deveria ser reciclada. Até 2030, isso deveria ser 80%. Em cidades como Wuhan, Chongqing e Xiamen, “pilotos de Cidades Esponja” foram iniciados. Chongqing é um exemplo bem-sucedido: em 2020, 24,2% da área urbana da cidade havia sido transformada. Até 2025, eles esperam que mais de 45% da cidade atenda às metas previstas em planejamento.

As Cidades Esponja buscam transformar áreas urbanas em espaços capazes de absorver e gerenciar águas pluviais durante chuvas intensas, liberando-as gradualmente em períodos de seca. Essa abordagem visa equilibrar os desafios aparentemente contraditórios de inundações e escassez de água, proporcionando uma solução holística para as complexidades climáticas urbanas. Aparentemente simples, a implementação desse conceito implica em intervenções urbanas e institucionais significativas. Trata-se de uma mudança de cultura no âmbito do planejamento urbano e, principalmente, da maneira de atuar em construção civil quando voltada às infraestruturas destinadas ao cuidado das águas pluviais em cidades. É necessário repensar a infraestrutura urbana, substituindo parte das superfícies impermeáveis por áreas permeáveis, como jardins, parques e espaços verdes. Essas intervenções não apenas ajudam a absorver e reter a água da chuva, mas também contribuem para criar ambientes urbanos mais sustentáveis e resilientes. A criação de microbacias de retenção (espelhos d’água em praças, lagoas em parques são alguns exemplos), telhados verdes e pavimentos permeáveis são algumas das estratégias adotadas para transformar as cidades em verdadeiras esponjas urbanas.

Contudo, a eficácia da iniciativa das Cidades Esponja depende significativamente da capacidade de governança para implementar e gerenciar essas mudanças. Diante desse desafio, propõe-se a criação de um mecanismo institucional dedicado, responsável pela gestão operacional, planejamento, organização, coordenação, governança e avaliação diária da implementação. Essa agência, ou figura administrativa pública, seria encarregada de manter um inventário detalhado dos projetos, registrando informações essenciais desde o tipo de projeto até lições aprendidas. Além disso, atuaria como facilitadora da cooperação internacional, fornecendo orientações e aconselhamentos na elaboração de políticas de desenvolvimento urbano alinhadas ao propósito das Cidades Esponjas, promovendo a integração com outras iniciativas governamentais. Outra questão importante e que permeia os quadros técnicos públicos e institucionais, é a cultura orientada para a engenharia (dura), em que prevalece uma abordagem na qual a dominação do ambiente físico pelos humanos ocorre através de soluções tecnológicas e estruturais para desafios hídricos.

No Brasil, uma das soluções prioritariamente adotadas por governos é bem conhecida: os “piscinões”, estruturas projetadas para armazenar grandes volumes de água pluvial durante chuvas intensas. Embora fundamentais para o controle de águas pluviais, apresentam riscos à saúde pública, propiciando a proliferação de vetores de doenças como dengue. Além disso, causam impactos ambientais ao modificar habitats naturais, afetando a biodiversidade local, e podem comprometer a estética urbana, reduzindo o apelo visual. Sua proximidade também pode depreciar o valor imobiliário de áreas circundantes, enquanto a falta de manutenção pode transformá-los em locais de acumulação de resíduos, prejudicando a qualidade da água e do entorno.

Mesmo na implementação inicial da Iniciativa Cidades Esponjas na China (SCI), essa mentalidade tecnocrática persiste ainda, tratando a iniciativa como um projeto de engenharia convencional. Assim, é crucial que a China promova uma mudança na ideologia de gestão, favorecendo a transição para o pensamento sistêmico na governança e planejamento de desenvolvimento buscando a transformação cultural por meio de iniciativas educacionais e de treinamento para capacitação, juntamente com colaborações em pesquisa.

Em conclusão, a proposta das Cidades Esponjas representa uma mudança fundamental na abordagem de gestão urbana na China, visando lidar de maneira mais eficaz com as questões de inundações e gestão de águas pluviais e serve de referência para a gestão urbana de várias cidades brasileiras. No entanto, o sucesso dessa iniciativa está diretamente relacionado à capacidade do governo em adotar medidas técnicas, de governança, financeiras e organizacionais adequadas para superar os desafios de implementação. A gestão da iniciativa deve transcender a abordagem de projetos independentes para uma governança participativa e programática, incorporando planejamento adaptativo e reflexão contínua. O aprendizado entre cidades, compartilhando experiências e promovendo boas práticas e inovações, desempenha um papel crucial na construção de cidades resilientes à água.

Dessa forma, as Cidades Esponjas não apenas representam uma solução inovadora para as complexidades das chuvas intensas, mas também uma visão abrangente e diretrizes para que governos integrem ações voltadas à implantação de infraestrutura verde e práticas sustentáveis com o objetivo de criar ambientes urbanos mais resilientes e ecologicamente amigáveis.

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Arborização urbana, centros de resfriamento e mais: confira estratégias adotadas para minimizar as ondas de calor

Necessidade de alinhar políticas públicas e sensibilizar a população torna-se ainda mais evidente diante da urgência climática

Coluna originalmente publicada para a Jovem Pan News

CRISTINA QUICLER / AFP

O crescente desafio de minimizar os efeitos das ondas de calor sobre a saúde física e mental da população nas cidades tem levado diversos gestores públicos a adotar estratégias para a criação de ambientes urbanos mais frescos. Conhecida como infraestrutura de sombreamento, sua abordagem tem sido capaz de resfriar áreas urbanas e proteger as pessoas dos efeitos do calor extremo por meio de ações complexas.

Mais da metade da população mundial mora em cidades e, aqui no Brasil, a porcentagem supera os 80%. Dados associados aos efeitos deste “calorão” e ventos fortes com mais de 100 km/h, caso da cidade onde resido, São Paulo, são previsíveis e merecem prontidão dos gestores municipais. Culpar as árvores ou afirmar que a situação é excepcional apenas reitera o que a maioria dos cidadãos já sabe: gestores e demais atores políticos, muitos deles eleitos pela população, incapazes de apontar caminhos para solucionar a curto, médio e longo prazo os efeitos que os extremos climáticos vem provocando nas cidades. Blá, Blá e Blá, como diria a jovem ativista Greta Thunberg ao se referir aos discursos e falas de governos e seus representantes quanto às ações práticas para alcançar as metas propostas pela Agenda 2030.

Estruturas sombreadas em parques e praças: combinando treliças ornamentais com vegetação, oferecem proteção contra a exposição direta ao sol, especialmente durante períodos de altas temperaturas. Em locais movimentados, essas instalações fixas ou temporárias, muitas delas consideradas “obras de arte escultóricas”, não só proporcionam alívio térmico, mas também se integram esteticamente, criando ambientes urbanos mais agradáveis e sustentáveis, refletindo o compromisso da cidade com o bem-estar da população.

Telhados e paredes verdes: implantação extensiva de telhados e paredes verdes em prédios e equipamentos públicos, reduzindo a absorção de calor e oferecendo áreas sombreadas.

Arborização urbana: Melbourne, na Austrália, foca em aumentar a vegetação nas áreas urbanas, criando sombras naturais. Recentemente, a ministra do Meio Ambiente, Soipan Tuya (Kenya), anunciou a meta de plantio de 10O milhões de árvores com o auxílio da população no feriado local de 13 de novembro. Sua meta, mais ambiciosa, prevê o plantio de 15 bilhões de árvores nos próximos 10 anos e tem por objetivo

Centros de resfriamento: Diversas cidades implementam Centros de Resfriamento durante ondas de calor para proteger os cidadãos. A cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos, abriu os saguões de entrada e ambientes de estar de bibliotecas, centros comunitários, hospitais, escolas e vários edifícios públicos para que a população possa abrigar-se em dias de calor. Melbourne, na Austrália, com Centros de Resfriamento em locais estratégicos comumente instalados em edifícios e equipamentos públicos. Já Tóquio, no Japão, adotou uma política pública para enfrentar o calor extremo por meio da criação de refúgios refrigerados chamados de Centros de resfriamento (tradução livre) em locais estratégicos, como shoppings e ginásios particulares durante períodos de altas temperaturas.

Distribuição de água e informação: Cidades implementam ações proativas durante ondas de calor, como a distribuição gratuita de água em áreas públicas proporcionando acesso fácil à hidratação. Paralelamente, campanhas informativas são conduzidas para educar a população sobre práticas seguras durante condições climáticas extremas. Iniciativas incluem orientações sobre manter-se hidratado e evitar atividades extenuantes ao ar livre, promovendo a conscientização e a prevenção de problemas de saúde relacionados ao calor.

Transporte público refrigerado como refúgio: Os meios de transporte público, como ônibus, metrôs e trens são tratados como refúgios durante ondas de calor, cabendo às autoridades a orientação ao uso desses serviços e locais para permanecer em ambientes climatizados.

Assistência a grupos vulneráveis: equipes de assistência social realizam visitas a comunidades de baixa renda, oferecendo suporte e distribuindo recursos como água e protetores solares. Da mesma forma, em Tóquio, iniciativas focam em garantir que idosos e demais grupos vulneráveis recebam atenção especial durante períodos de calor extremo, fornecendo locais refrigerados e assistência direta.

Projetos de infraestrutura urbana resiliente: algumas cidades, como Melbourne, na Austrália, têm investido em projetos de infraestrutura urbana que visam tornar as áreas urbanas mais resilientes ao calor, incluindo a criação de espaços verdes e pavimentação reflexiva, resultando na redução do calor urbano e melhoria do conforto térmico. Em Phoenix, nos EUA, a cidade investe no desenvolvimento de parques urbanos densamente arborizados e no aumento da vegetação intraurbana, com impacto direto na mitigação das ilhas de calor e na criação de espaços mais frescos. Já em Barcelona (Espanha), um projeto de renovação urbana focado na produção de mais áreas verdes contribui para o aumento da resiliência ao calor e a promoção de ambientes mais agradáveis e frescos.

Regulamentações de edifícios: cidades ao redor do mundo estão implementando regulamentações de edifícios para enfrentar o calor extremo. Exemplos incluem Sydney (Austrália), que estabeleceu padrões para eficiência energética e design sustentável em construções. Da mesma forma, Portland, nos EUA, adota códigos de construção que promovem técnicas de resfriamento passivo e materiais refletivos em edifícios que visam melhorar a eficiência energética e proporcionar ambientes internos mais frescos, contribuindo para a resiliência das cidades em face das crescentes temperaturas.

Sistemas de água urbana: em Singapura, a utilização de lagos e corpos d’água integrados ao design urbano contribui para resfriar o ambiente.

Pavimentos reflexivos ou ainda “pavimentos frescos”: trata-se de uma tecnologia desenvolvida para atenuar as altas temperaturas em áreas urbanas, pois empregam materiais especiais que refletem a luz solar e absorvem menos calor. Sua proposta é minimizar a retenção de calor nas superfícies urbanas, combatendo a formação de ilhas de calor. Além disso, ao melhorar o conforto térmico nas ruas, o “pavimento fresco” contribui para ambientes urbanos mais agradáveis, fomentando práticas sustentáveis na urbanização.

Ciclovias arborizadas: Amsterdã (Holanda) arborizou, ao longo dos últimos anos, suas ciclovias, para proteger os ciclistas do calor excessivo.

Sistemas de nebulização: Lisboa (Portugal) adotou sistemas de nebulização espalhados por toda a cidade para resfriamento temporário.

Alertas de onda de calor: A cidade utiliza sistemas avançados de monitoramento climático para emitir alertas de onda de calor. Esses alertas são divulgados antecipadamente para que os residentes estejam cientes dos períodos de calor extremo. No Brasil, o sistema já é adotado, mas, embora anunciados pela Defesa Civil e outros órgãos públicos, a divulgação de alertas de calor extremo que são enviados antecipadamente aos residentes por meio de mensagem de celular alcançam os cidadãos que dispõe do aparelho e que sejam capazes de pagar por planos de internet para celular.

O planejamento estratégico de ações a curto prazo desempenha um papel crucial no enfrentamento dos desafios climáticos, especialmente nas cidades vulneráveis às ondas de calor. A necessidade de alinhar políticas públicas, promover investimentos em infraestrutura resiliente e sensibilizar a população torna-se ainda mais evidente diante da urgência climática. Os atores públicos, ao considerarem ações imediatas, podem não apenas proteger as comunidades vulneráveis, mas também pavimentar o caminho para cidades mais sustentáveis e adaptadas ao clima no longo prazo.

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No Dia Mundial Sem Carro, Estudo Mobilize 2022 aponta avanços e retrocessos no planejamento da mobilidade urbana

Trabalho apresenta, de forma acessível e legível, os resultados dos levantamentos sobre a oferta de ônibus, trens, metrô, condições de calçadas, arborização, ciclovias e outras infraestruturas nas capitais brasileiras;

Fonte Jovem Pan

Dia Mundial Sem Carro é comemorado em 22 de setembro

Criado por ambientalistas no final do século passado, o Dia Mundial Sem Carro é comemorado em 22 de setembro com o objetivo de lembrar governantes, empresas e pessoas sobre a necessidade de revisão dos nossos processos de produção e consumo com vistas à redução da emissão de poluentes na atmosfera frente à emergência climática instalada em nosso planeta e seus impactos nefastos na saúde e na vida dos cidadãos. Por esta razão, destaco a importância da publicação do Estudo Mobilize 2022, lançado esta semana e que apresenta, de forma acessível, legível e, principalmente, compreensível àqueles que não são especialistas da área (eu e você, leitor), os resultados dos levantamentos de temas que tratam da infraestrutura física instalada para os diversos modos de mobilidade, mostrando de maneira inédita a percepção qualitativa dos usuários entrevistados. Trata-se de um trabalho de fôlego, um raio-x da infraestrutura pública adotada pelos municípios brasileiros passados dez anos de promulgação da Lei nº 12.587/12, que define a política nacional de mobilidade urbana e que obriga municípios a elaborarem seus Planos de Mobilidade Urbana como instrumentos de execução do planejamento das formas de deslocamento de pessoas e cargas nas cidades. É uma fonte de dados preciosa frente à dificuldade de se obter dados e informações de qualidade e confiáveis sobre a mobilidade urbana no país.

Se por um lado as avaliações de campo sobre as condições de mobilidade nas capitais contaram com o apoio de coletivos, organizações sociais e grupos de pesquisa ligados a universidades, permitindo um mergulho mais abrangente nas condições das cidades, por outro lado a maior dificuldade encontrada para a conclusão dos trabalhos ocorreu nos gabinetes governamentais, levando à necessidade de uso do recurso à Lei de Acesso à Informação (LAI), que resultou, em alguns casos, em respostas parciais ou escapistas, dificultando ou impedindo o fechamento de todos os campos de informação necessários à pesquisa e às entrevistas com os gestores públicos. A ausência de informações sobre a oferta de ônibustrensmetrô, condições de calçadas, arborização, ciclovias e outras infraestruturas, além do estágio do plano de mobilidade e a maior ou menor abertura da gestão municipal para a participação da cidadania, apresentam disparidades regionais na elaboração, tratamento e uso de dados para o exercício de boas práticas de gestão das informações públicas, situação que afeta, sobremaneira, a qualidade de vida dos cidadãos. Sem informação, sem dados, como é feita a análise do que inferniza a vida do cidadão nos transportes públicos ou mesmo nas calçadas quando anda a pé, por exemplo? 

Embora tímidos ainda, alguns avanços ocorreram nestes dez anos, destacando-se a implantação de alguns sistemas de corredores de ônibus, em especial nas cidades que sediaram os jogos da Copa 2014, os monotrilhos, embora incompletos, para as Linhas 15 e 17 do metrô de São Paulo, além da cidade do Rio de Janeiro que, sede das Olimpíadas, beneficiou-se com a construção de teleféricos, de vários corredores BRTs, da expansão do metrô e da implantação de linhas de VLT na região do Centro. Tropeços não faltam, mas, como destaca o relatório, trata-se de um processo que pretende alterar os conceitos e, por consequências, programas, ações e o pensar dos nossos gestores públicos. Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.

O que pensam os candidatos à Presidência sobre as questões que envolvem a habitação e o ambiente?

Instituições que representam arquitetos e urbanistas sugeriram 20 propostas sobre esses temas, mas nenhum incluiu ao menos uma delas no programa de governo
  • Por Helena Degreas
  • 20/09/2022 09h00 – Atualizado em 20/09/2022 11h08
Lula, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Simone Tebet, os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência

Fonte: Jovem Pan News

Em carta aberta, as instituições que representam arquitetos e urbanistas sugerem 20 propostas para compor os programas de governo dos candidatos como parte da agenda nacional e regional de desenvolvimento social e econômico, enfatizando a importância do planejamento e projeto das cidades, das intervenções urbanas, do patrimônio e das edificações como meio para alcançar a qualidade e o cuidado com a vida dos cidadãos. Assinaram o documento o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU Brasil), o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA), a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP) e a Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA).

O documento propõe a reconstituição do Ministério das Cidades e a ampliação dos mecanismos de participação popular e dos segmentos técnicos nas discussões e decisões sobre políticas públicas de planejamento urbano e habitação, incluindo o resgate das Conferências e do Conselho das Cidades. Extinta pelo atual governo Bolsonaro, a pasta era composta por profissionais, lideranças sindicais e sociais, ONGs, intelectuais, pesquisadores e professores universitários e foi responsável pela formulação de uma política nacional de desenvolvimento e planejamento urbano em sintonia com Estados e municípios, os poderes de Estado (Legislativo e Judiciário), além da participação da população por meio da criação de instrumentos institucionais que deram voz aos cidadãos, objetivando a integração e racionalização dos investimentos e ações nas cidades. Partem do princípio de que as cidades devem ser pensadas e estruturadas a partir do planejamento territorial, enfatizando que tanto a habitação quanto a mobilidade urbana precisam receber investimentos que priorizem as regiões periféricas e assentamentos precarizados. Para a mobilidade, o documento propõe a criação de mecanismos de financiamento e subsídio ao transporte público urbano a nível local e intrarregional, além do necessário investimento e integração da rede ferroviária e hidroviária. Reforçam a necessidade de políticas de reforma urbana construídas a partir da função social da cidade (habitaçãotrabalholazermobilidadeeducaçãosaúdesegurança, planejamento, preservação do patrimônio cultural e natural, e sustentabilidade urbana) que, listada na Constituição (artigo 182 da Constituição Federal de 88) e regulamentada pelo Estatuto da Cidade (L10257 – Planalto), prevê a recuperação de imóveis vazios em áreas centrais para destinação à habitação e equipamentos comunitários. Em relação à dimensão ambiental, as propostas apresentadas reiteram a necessidade de valorização dos ecossistemas locais no âmbito do planejamento territorial e urbano, fomentando a implementação de infraestrutura verde urbana e espaços públicos inclusivos e saudáveis. O avanço na reforma agrária, bem como a demarcação de terras indígenas, quilombolas, a delimitação de parques nacionais e áreas protegidas são tidas como fundamentais para a preservação e integridade dos ecossistemas brasileiros. Incentivo à pesquisa para a geração e distribuição de novas matrizes energéticas e a adoção de uma visão integrada das políticas de recurso hídricos, saneamento básico, saneamento ambiental e resíduos sólidos atentas à emergência climática e ao passivo ambiental são algumas das várias sugestões encaminhadas pela carta aos presidenciáveis.

Dos programas apresentados pelos quatro primeiros candidatos nas pesquisas de intenção de voto, nenhum deles propôs a recriação do Ministério das Cidades, situação que dificulta a unificação de políticas e programas entre Estados e municípios nas questões habitacionais, de mobilidade urbana e de planejamento territorial e ambiental com vistas à proteção de ecossistemas. Exemplo da visão fragmentada de nossas lideranças políticas é a recente aprovação da municipalização de regras de proteção de rios em área urbana. As várzeas de um rio precisam de proteção desde a nascente, passando pela vegetação que corre ao longo do seu leito até o seu final, quando desemboca em outras águas, quer rios, quer o mar. Como pode uma unidade de água, conhecida por córrego, riacho, rio, corredeira, ser esquartejada em unidades administrativas? Os resultados encontram-se disponíveis em ações relacionadas aos extremos climáticos. 

No programa do candidato Lula é proposta a retomada de garantia ao direito à cidade por meio da reforma urbana por meio de investimentos em infraestrutura de transporte público, habitação, saneamento básico e equipamentos sociais e promovendo o incentivo às cidades criativas e sustentáveis. Embora não esclareça no texto de onde virão os recursos, o candidato propõe criar programas de acesso à moradia por meio de financiamentos adequados a cada tipo de público e, claramente, entende que morar não se resume a um teto, mas ao acesso integral ao ambiente urbano, como escolas, modos diversos de transporte público, saneamento, entre outros serviços públicos. Seu programa está comprometido com a proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais. Como ação de Estado, irá assegurar a posse de suas terras, impedindo atividades predatórias, que prejudiquem direitos adquiridos. Reitera o compromisso por um país inclusivo e acessível, garantindo direitos e respeito a pessoas com deficiência, assegurando o acesso à saúde, à educação, à cultura e ao esporte, e à inserção no mundo do trabalho, rompendo as barreiras do capacitismo. Pretende combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico por meio da recuperação das capacidades estatais, do planejamento e da participação social, fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai. O candidato não esclarece no texto de onde virão os recursos necessários para implantação de suas propostas nem como pretende executá-las em grande parte dos casos.

No programa do candidato Bolsonaro, mantém-se o estado atual, ou seja, o acesso à habitação a partir do programa Casa Verde e Amarela por meio de financiamento com taxas de juro de 4,5% ao ano. Cabe ressaltar que os repasses do governo federal que dão suporte à construção de moradias às pessoas mais pobres preveem redução de 95% nos recursos do Casa Verde Amarela. Seu programa pretende elaborar tópicos que atendam ao necessário planejamento regional, levando em consideração as condições e as peculiaridades de cada região do Brasil, enfatizando que pretende manter o programa de regularização fundiária que vem promovendo e continua descrevendo seus feitos neste tema. Questões relacionadas à necessária integração de políticas e programas habitacionais e de mobilidade, além de questões territoriais e ambientais entre entes da federação, não foram mencionadas. Também não deixa claro, em seu texto, de onde virão os recursos para financiamento de suas propostas tampouco como pretende implantá-los.

O programa do candidato Ciro Gomes propõe ampliar o acesso a serviços básicos, como água limpa e tratada, saneamento, transporte, moradia e iluminação, à cultura e ao lazer. Prevê a regularização fundiária e a escritura da casa e do terreno, além de financiamento para a reforma de moradias populares utilizando a mão de obra da própria família ou da comunidade. Na dimensão ambiental, o programa pretende reduzir o desmatamento, a emissão de gases danosos à atmosfera, e viabilizar o crescimento econômico sustentável, sempre de forma soberana em relação aos demais países. Incentivará a manutenção da floresta em pé, por meio da realização de um zoneamento econômico e ecológico no país, em especial na região amazônica, associando-o à regularização da situação fundiária. Propõe incentivar a produção de energia limpa como a solar, eólica e a baseada na produção de hidrogênio verde, além de contar com a cooperação do setor privado para a geração e comercialização das diversas fontes de energia limpa. Apresenta inúmeras propostas de proteção às mulheres, indígenas, população negra e comunidade LGBTQIA+, aplicando-as, inclusive, em espaços públicos urbanos. Os recursos para subsidiá-las são citados no programa de governo, destacando-se a alteração da carga tributária no país, a junção de impostos, a taxação de grandes fortunas (0,5% sobre fortunas acima de R$ 20 milhões, que poderão gerar cerca de R$ 60 bilhões de receitas), recriação de imposto sobre lucros e dividendos distribuídos (podem gerar cerca de R$ 70 bilhões), entre outros. Em alguns casos, descreve a maneira como pretende implantar suas propostas.                  

A candidata à Presidência Simone Tebet pretende promover a regularização fundiária, com certificação e documentação dos imóveis a todos, reiterando seu compromisso em relação às comunidades indígenas e quilombolas (acelerando a emissão de títulos para povos remanescentes) e dando condições de acesso a diversos serviços de infraestrutura, notadamente aqueles vinculados ao saneamento básico em comunidades urbanas, periurbanas e rurais, além da melhoria da mobilidade nas cidades e entre comunidades por meios de baixo impacto ambiental. Propõe reduzir o déficit habitacional do país, adotando instrumentos como locação social, compra de unidades prontas para morar e aproveitamento de imóveis ociosos nos grandes centros. Seu programa apoia a melhoria da mobilidade nas cidades e regiões metropolitanas, reduzindo as emissões e incentivando opções mais limpas, ao promover a integração dos modais e o bilhete único. Visa implementar todos os direitos previstos na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência em seus 127 artigos e em todas as suas dimensões: combate à discriminação, reabilitação, saúde, educação, moradia, trabalho, assistência social, previdência social, cultura, esporte, turismo e lazer, transporte, mobilidade, acessibilidade, comunicação e informação e acesso à justiça para alcançar a inclusão dos cidadãos brasileiros com deficiências. Não deixa claro de onde sairão os recursos ou como serão realizadas suas propostas.

O breve relato sobre algumas das propostas apresentadas pelos candidatos não incorpora algumas das sugestões propostas pelas instituições que representam arquitetos e urbanistas brasileiros. Lamento muito. As 20 sugestões dos colegas descrevem o que pode ser realizado para romper com o ciclo de construção de uma sociedade injusta e desigual na distribuição de infraestruturas, serviços e equipamentos públicos para uma sociedade com milhões de brasileiros que moram em condições inadequadas espalhados por todo o país. O desmantelamento das políticas habitacionais e ambientais, associadas à desintegração dos programas de planejamento territorial entre entes federativos geraram impactos negativos na vida dos cidadãos, prejudicando sobremaneira as populações mais pobres e vulneráveis. Antes de decidir em quem votar, leiam os programas dos candidatos e tenham a certeza de que de fato serão devidamente representados. Vale também para os candidatos ao Senado, às câmaras e aos governos de Estado.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.

Você aceitaria ser atendido pelo Avatar de um guichê municipal criado no Metaverso?

coluna Jovem Pan News: Governos espalhados pelo mundo estão investindo fortemente na construção de sistemas e dispositivos que simulem aspectos da realidade cotidiana da administração pública.

Na enquete da semana, perguntei às pessoas se elas aceitariam o atendimento para a prestação de um serviço público realizada por meio de um avatar. Um terço aproximadamente respondeu que sim, mostrando que a realidade do sistema Metaverso e suas vantagens ainda são desconhecidos pela maior parte dos cidadãos.

A ausência de familiarização com as potencialidades no uso dos recursos do Metaverso na gestão pública é compreensível pois no Brasil, o tema ainda não recebeu a devida importância pelos governos. Enquanto isso, países que vão da Coreia do Sul até Barbados, país insular caribenho, vem investindo maciçamente no desenvolvimento de ambientes propícios aos desenvolvimento de serviços e produtos públicos que melhorarão a qualidade devida dos cidadãos, das empresas ampliando a criação de novos negócios e empresas digitais nos mais diversos setores.

Da criação de tecnologias disruptivas que eliminam barreiras legais e administrativas no âmbito de vistos e barreiras alfandegárias para negócios e visitas de avatares por todo o mundo até incentivo a criação de guichês de atendimento público instâncias administrativas de governo, o Metaverso é uma realidade que se faz presente a partir do uso de recursos que mesclam realidade virtuais, aumentadas e inteligência artificial para melhorar as condições de vida, educação, lazer, compras, informação e trabalho daqueles que hoje já se utilizam dos recursos online para executar suas atividades cotidianas.

Não tem volta.

Com que frequência você visita museus?

Imagem: Antonio Soukef Junior, agosto, 2022.

Na semana do bicentenário da independência, escrevi uma coluna que descreve histórias de crianças e jovens vivenciadas entre os anos de 1930 e 1950 no Parque da Independências mostrando a importância das instituições culturais no cotidiano do bairro do Ipiranga e da cidade de São Paulo. Com a coluna, fiz uma enquete em que era perguntada a frequência de visitação dos leitores em museus.


As respostas revelaram dados que assustariam até as mais conservadoras curadorias. Perguntados sobre a frequência, cerca de 3% declaram ser assíduos, 10% afirmar ir vez e outra e 87% informam raramente frequentá-los. Na interação, muitos me perguntaram por que eu não coloquei a opção nunca.

Medo das respostas, Só isso. Covardia, enfim. Talvez, eu ainda faça parte de uma bolha que imagina que os objetos que compõem o acervo seja mágicos e tragam com eles sentimentos de época, de pertencimento que eu gostaria de ter vivenciado. Nas pinceladas visíveis em pinturas, no trabalho do cinzel e do martelo que apesar da força bruta, expõe-se na leveza de uma escultura, da delicadeza dos entalhes da joias que adornaram imperadores, das trocas de conversas enquanto a gente comum realizava as refeições em louças singelas ou dos brasões e armas utilizados para vencer batalhas, o encanto de cada elemento me faz pensar sobre vidas, pessoas, histórias que me fazem ser, quem sou. É apaixonante.

O que pode estar ocorrendo para que história, arte e cultura encerrada em museus, galerias e demais espaços que acolhem elementos, para mim, tão caros, não sejam usufruídos da maneira e na quantidade que merecem? Acaso as pessoas não se interessam em conhecer de onde vieram ou por que são o que são? Interessam-se sim. Mas os tempos, são outros.

Tecnologias da informação e comunicação quando utilizada para agregar valor às experiências individuais e coletivas, podem gerar excelentes resultados e, quando agregadas pelos profissionais responsáveis pelas curadorias de eventos que se propõem a expandir o conhecimento, visualização e interação com pessoas e grupos “não iniciadas” (contem ironia), podem trazer ao cotidiano da gente comum, o prazer de experimentar um pouco do que sinto quando vou presencialmente ver exposições ou virtualmente conhecer acervos de todo o mundo.

Para além das exposições fixas, os museus e galerias tem experimentado práticas de curadoria que pretendem engajar cada vez mais pessoas interrompendo a narrativa das exposições que já vem prontas, estáveis e que não permitem interação ou questionamentos. A utilização de recursos oriundos das redes sociais, associados à interação digital por meio de visitas guiadas, podcasts, interações síncronas, utilização de games, imersões em realidades virtuais com experiências em realidade aumentada quando associados à Internet das Coisas e Inteligência Artificial ampliam as possibilidades de compreensão e interesses dos visitantes para muito além daquele vivenciado por meio da presencialidade proporcionada por uma visita.

A resposta à enquete, aponta para a necessidade de ampliação dos investimentos públicos e ampliação de incentivo fiscais às empresas para a constituição de acervos presenciais, digitais e ampliação dos recursos direcionados à interação e satisfação dos usuários para divulgação e disseminação dos elementos que compõem a riqueza cultural deste Brasil.

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População tem direito ao espaço público para exercer a sua cidadania

Embora o Recife tenha sido palco de uma manifestação pacífica no sábado, chamou-me a atenção a truculência adotada por policiais; quem irá se responsabilizar pelos cidadãos que hoje estão cegos?

Rodrigo Baltar/Agência Pixel/Estadão Conteúdo – 29/05/2021Protesto no Recife, no último sábado, registou conflito entre policiais e pessoas que se manifestavam contra o governo federal

As manifestações públicas nos espaços urbanos ocorrem desde sempre: ruaspraças, avenidas e áreas centrais são os locais que acolhem ações políticas que não se reduzem ou não cabem nos espaços privados de vida social. Transformados em palco para a realização de manifestação de matizes diversos, permitem que os atores sociais exponham suas reivindicações, evidenciando questões políticas e sociais. Em outras palavras, manifestem suas opiniões em “praça pública”. Quando associados à divulgação pelos meios de comunicação em massa, ganham importância e são capazes de influenciar a opinião de muitas pessoas. O sábado passado foi marcado por protestos organizados em redes sociais por meio da hashtag #29Mforabolsonaro, nos quais os manifestantes, enlutados com a perda de pessoas queridas (como bem escreveu o colunista Mathias Alencastro, da “Folha de S.Paulo”), gritavam contra a displicência criminosa adotada por autoridades públicas no combate a pandemia, que, até o dia de hoje, ceifou a vida de 462 mil brasileiros. Não é possível considerar esses dados como corriqueiros, normais.

Embora a manifestação tenha sido pacífica, chamou-me a atenção a truculência adotada por policiais militares na cidade do Recife. A partir das declarações de manifestantes feridos, lembrei-me da manchete de um jornal argentino de 2017 intitulada “Mirando na cabeça, polícia cega manifestantes com balas de borracha”. “Eles estavam atirando para cegar” disse um dos atingidos na Praça do Congresso, em Buenos Aires. Os argentinos expressavam desaprovação quanto às reformas previdenciárias que afetariam negativamente os trabalhadores. Era um ato político e legítimo. O cidadão tem o direito às cidades, à ocupação dos espaços públicos para expor suas opiniões ou suas indignações. É do jogo da democracia. A judicialização, na maior parte dos casos, demora décadas e não resolve as aflições do presente. Anos depois, em 2021, os brasileiros protestavam pela morte de amigos e familiares que poderiam estar vivos, não fosse a incapacidade do governo federal em tratar a questão à luz da ciência, como fizeram presidentes lúcidos de inúmeros países. São tratados da mesma forma truculenta por agentes públicos. Não imaginei ver ações de intimidação realizadas por grupos militares novamente contra grupos civis desarmados. Tais ações eram práticas corriqueiras durante o período em que vigorava a ditadura militar

O direito à expressão de repúdio da população frente aos descaminhos governamentais expõe ações coletivas urbanas de sujeitos sociais que saíram da comodidade das redes sociais, preferindo enfrentar a morte pelo vírus a aguardar que os agentes públicos, em tese seus representantes, ajam em prol das demandas públicas (direito à vida e à saúde) de todo um país. Cidadãos ativos, provocaram reações inadmissíveis de grupos que preferem a tranquilidade da ordem vigente (construída por alguns em benefício de poucos) em territórios públicos de um país democrático, amedrontando, encurralando e ferindo cidadãos. Controlar grupos sociais com o uso da brutalidade para “restabelecer” a ordem vigente?

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Quem definiu que manifestações pacíficas que defendem a aceleração do processo de imunização por parte das autoridades em espaços públicos fossem tratadas como atos terroristas pelos policiais militares da cidade do Recife? Quem deu a ordem? Por que deu a ordem? Quem irá se responsabilizar pelos cidadãos que hoje estão cegos? Que tipo de perigo oferece uma vereadora protestando para um conjunto de homens fardados (provavelmente armados), protegidos do lado de dentro de uma viatura policial, para que o gás de pimenta fosse utilizado contra ela? Não se trata de “balbúrdia” ou “baderna” para causar distúrbios no ambiente público. São cidadãos que exigem o restabelecimento da “ordem no ambiente público” pautada no direito à vida, à saúde, à educação e ao trabalho. Exigem também que sejam retomadas as discussões qualificadas dos temas que atendem às demandas sociais com ênfase em políticas públicas construídas para o bem-estar da população e do planeta.

Pedras no céu e liberdade: as lembranças do arquiteto Paulo Mendes da Rocha

Expoente da arquitetura brasileira morreu no domingo, aos 92 anos; sua partida deixa saudade, mas legado está espalhado pelas cidades, materializando uma vida profissional profícua

Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo – 21/10/2013O arquiteto Paulo Mendes da Rocha foi um dos mais importantes representantes do modernismo brasileiro

“Pedras no céu.” Foram com estas palavras que o engenheiro Mário Franco explicou o conceito estrutural do projeto realizado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha para o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) em uma de suas aulas ministradas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). De maneira didática, o professor Mário explicava a importância da compatibilização do projeto arquitetônico com o projeto estrutural, enfatizando que os dois profissionais devem trabalhar juntos para que obras de arte, como aquela, pudessem se materializar nas cidades. A solução encontrada para colocar a “pedra do Paulo no ar”, no caso o MuBE, foi inspirada na estrutura dos pássaros que, se por um lado precisam ser muito leves para voar, por outro devem ter ossos com resistência adequada para não desmoronar, quebrar.

Semanas depois, o professor Paulo Mendes da Rocha explica, em uma das orientações nas aulas de ateliê de projeto na FAUUSP, que o vão de 60 metros era necessário para que o museu se abrisse em praça para a cidade, garantindo, desta forma, uma continuidade espacial por meio do grande plano horizontal. Falou sobre a liberdade. Projetou liberdade. Nunca mais esqueci. Para além dos atributos funcionais e estéticos, sua obra tinha um papel político, situação esta que lhe impôs um afastamento compulsório em 1969, juntamente com seu mestre, Vilanova Artigas, e outras dezenas de professores durante todo o regime de ditadura militar. Por ser um pensador de esquerda, não deve ter sido fácil ficar longe de seus alunos, tampouco projetar e construir suas obras. Voltou durante a redemocratização, dando prosseguimento às atividades acadêmicas, sendo responsável pela formação de várias gerações de arquitetos inspirados em sua obra e suas ideias políticas. 

Representante da Escola Paulista de Arquitetura, Paulo pertenceu à primeira geração de arquitetos que realizou trabalhos marcadas pela ênfase na técnica construtiva, pela adoção do concreto armado aparente e valorização da estrutura. Sua obra era marcada pela busca da continuidade entre interior e exterior, pela construção de espaços únicos, contínuos, que permitiam a livre-circulação, entendida por ele como um ato de liberdade. Foi um dos mais importantes representantes do modernismo brasileiro, tendo recebido dois Pritzker, o Leão de Ouro da Bienal de Veneza e o Prêmio Imperial do Japão, além da medalha de ouro do Riba, o Real Instituto de Arquitetos Britânicos. Mais recentemente, conquistou a medalha de ouro da União Internacional de Arquitetos (UIA). 

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Sua obra é reconhecida internacionalmente. Destacam-se, entre inúmeros trabalhos, o Museu Brasileiro de Escultura (1988), a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo (1993), o Centro Cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (1996), o Museu da Língua Portuguesa (2006) e o projeto das novas instalações do Museu Nacional dos Coches, na zona de Belém, em Lisboa. Existe a ausência física, a saudade que fica por conta das palavras e pensamentos que deixam de acontecer. Mas a morte? Essa, definitivamente, não. Seu legado está aí, espalhado nas cidades, materializando uma vida profissional profícua, cujos pensamentos e posições políticas ficaram expressos em todas as suas obras. Nós, seus ex-alunos e discípulos, continuaremos aplicando seus ensinamentos e trabalhos. Muito obrigada, mestre.

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Créditos: Estadão Conteúdo – 13/09/1961

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