Com que frequência você visita museus?

Imagem: Antonio Soukef Junior, agosto, 2022.

Na semana do bicentenário da independência, escrevi uma coluna que descreve histórias de crianças e jovens vivenciadas entre os anos de 1930 e 1950 no Parque da Independências mostrando a importância das instituições culturais no cotidiano do bairro do Ipiranga e da cidade de São Paulo. Com a coluna, fiz uma enquete em que era perguntada a frequência de visitação dos leitores em museus.


As respostas revelaram dados que assustariam até as mais conservadoras curadorias. Perguntados sobre a frequência, cerca de 3% declaram ser assíduos, 10% afirmar ir vez e outra e 87% informam raramente frequentá-los. Na interação, muitos me perguntaram por que eu não coloquei a opção nunca.

Medo das respostas, Só isso. Covardia, enfim. Talvez, eu ainda faça parte de uma bolha que imagina que os objetos que compõem o acervo seja mágicos e tragam com eles sentimentos de época, de pertencimento que eu gostaria de ter vivenciado. Nas pinceladas visíveis em pinturas, no trabalho do cinzel e do martelo que apesar da força bruta, expõe-se na leveza de uma escultura, da delicadeza dos entalhes da joias que adornaram imperadores, das trocas de conversas enquanto a gente comum realizava as refeições em louças singelas ou dos brasões e armas utilizados para vencer batalhas, o encanto de cada elemento me faz pensar sobre vidas, pessoas, histórias que me fazem ser, quem sou. É apaixonante.

O que pode estar ocorrendo para que história, arte e cultura encerrada em museus, galerias e demais espaços que acolhem elementos, para mim, tão caros, não sejam usufruídos da maneira e na quantidade que merecem? Acaso as pessoas não se interessam em conhecer de onde vieram ou por que são o que são? Interessam-se sim. Mas os tempos, são outros.

Tecnologias da informação e comunicação quando utilizada para agregar valor às experiências individuais e coletivas, podem gerar excelentes resultados e, quando agregadas pelos profissionais responsáveis pelas curadorias de eventos que se propõem a expandir o conhecimento, visualização e interação com pessoas e grupos “não iniciadas” (contem ironia), podem trazer ao cotidiano da gente comum, o prazer de experimentar um pouco do que sinto quando vou presencialmente ver exposições ou virtualmente conhecer acervos de todo o mundo.

Para além das exposições fixas, os museus e galerias tem experimentado práticas de curadoria que pretendem engajar cada vez mais pessoas interrompendo a narrativa das exposições que já vem prontas, estáveis e que não permitem interação ou questionamentos. A utilização de recursos oriundos das redes sociais, associados à interação digital por meio de visitas guiadas, podcasts, interações síncronas, utilização de games, imersões em realidades virtuais com experiências em realidade aumentada quando associados à Internet das Coisas e Inteligência Artificial ampliam as possibilidades de compreensão e interesses dos visitantes para muito além daquele vivenciado por meio da presencialidade proporcionada por uma visita.

A resposta à enquete, aponta para a necessidade de ampliação dos investimentos públicos e ampliação de incentivo fiscais às empresas para a constituição de acervos presenciais, digitais e ampliação dos recursos direcionados à interação e satisfação dos usuários para divulgação e disseminação dos elementos que compõem a riqueza cultural deste Brasil.

Se você quiser comentar o texto ou fazer sugestões de novos assuntos, comente!

Como serão as cidades após a pandemia da Covid-19

Construir habitações e comércios distantes das áreas inundáveis e prover saneamento básico em regiões periféricas podem reduzir os riscos associados à transmissão de doenças contagiosas

Helena Degreas/Jovem PanA população mais afetada pela Covid-19 é justamente aquela que reside em locais mais distantes dos centros urbanos e utiliza o transporte público

Pestes, epidemia e pandemias foram responsáveis pelas mudanças na maneira como vivemos nas cidades. Fatores associados à saúde humana e ao urbanismo estão intimamente ligados ao planejamento de políticas públicas relacionadas à forma urbana e à implantação de infraestruturas sanitárias. Historicamente, aquedutos subterrâneos ou sobre a superfície foram construídos para conduzir água potável para as civilizações da antiguidade. Os romanos conseguiram desenvolver um sistema de abastecimento que envolvia 11 aquedutos tendo, o maior deles, cerca de 90 km de extensão. Ruas drenadas e pavimentadas, latrinas, cisternas, banheiras, instalações hidráulicas foram encontradas em ruínas civilizatórias que datam de mais de 3 mil anos antes de Cristo na Índia, Paquistão, Mesopotâmia e Egito

Hipócrates, conhecido como o patrono da medicina, descreve em seu tratado “Aeron Hidron Topon” as relações causais entre fatores relacionados ao meio físico e doenças  — ou ainda entre questões sanitárias e saúde da população  —, classificando as águas para uso humano e recomendando ao povo grego o afastamento da sujeira e a utilização de água pura para consumo. Vários outros exemplos sobre formulação de políticas públicas sanitárias adotadas ao longo dos séculos de constituição das cidades podem ser citados: desde a criação de espaços livres como praças e parques, para atender aspectos sociais e ambientais, até a definição de critérios técnicos como projeto, construção, licenciamento, fiscalização, manutenção, monitoramento e localização de cemitérios visando impedir a contaminação da qualidade do solo e das águas subterrâneas por eventual infiltração dos fluidos decorrentes do processo de decomposição dos corpos.

A peste bubônica levou ao planejamento de espaços públicos mais amplos, limpos e saudáveis. No renascimento, esboços de Leonardo da Vinci apresentam a Cidade Ideal formada por um conjunto de vias reticulares, edifícios com altura e densidade adequadas à dimensão das ruas para garantir boa luminosidade e ventilação, além de sistemas de esgotos e distribuição de água potável à população. A adoção de critérios sanitários para o planejamento de uma cidade com foco nas boas condições de insolação e ventilação (organização de espaços públicos projetados para acolher a circulação de pessoas e mercadorias), a definição da localização de habitações e comércios distantes das áreas inundáveis e a previsão de sistemas de esgoto e abastecimento de água potável criaram as condições sanitárias para a redução de riscos associados à transmissão de doenças contagiosas. Não é nenhuma novidade. 

De Leonardo da Vinci aos dias atuais, estas são algumas das práticas de planejamento e projeto que devem ser seguidas. Mas como ficam as regiões periféricas nos grandes centros urbanos? Se quisermos tratar nossa população e evitar as transmissões do novos vírus que ainda estão por vir, precisaremos implantar os conceitos de cidade ideal nestas regiões urgentemente. Melhorias e instalação de infraestrutura e equipamentos públicos em regiões centrais são recorrentes nos meios de comunicação: pistas cicláveis, alargamento de calçadas, parklets, jardins de chuva, muros verdes, entre outros programas e projetos “sustentáveis”, espalham-se em bairros nobres. Na cidade de São Paulo, é possível pesquisar informações como estas na plataforma GeoSampa.

No Brasil, as profundas desigualdades sociais materializam, na paisagem, extensas periferias que abrigam cidadãos precariamente. Muitos à margem das regulações urbanísticas e outros em aglomerações subnormais (favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas) moram em assentamentos irregulares e são marcados pela carência de serviços públicos essenciais como o de abastecimento de água, coleta de esgoto, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica. A ausência de ações concretas para o pronto atendimento de demandas, muitas delas sanitárias, afeta negativamente a vida de 5,17 milhões de domicílios distribuídos em 13.151 aglomerações em todos o país. 

A distribuição desigual de serviços públicos e infraestruturas nas cidades são características marcantes das políticas públicas urbanas e, quando analisado critério de localização no território urbano, é possível constatar que a alta incidência de infecção e mortes ocorre de maneira desigual: a população mais afetada é justamente aquela que reside em locais mais distantes dos centros urbanos e utiliza o transporte público como meio de locomoção e, mais recentemente, de contaminação pela Covid-19. A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik (professora da FAU-USP e do LabCidade) aponta a desigualdade como fator decisivo para determinar a população mais vulnerável ao contágio do coronavírus no Brasil. Destaca que são os trabalhadores de serviços essenciais, entre outros, que, ao viabilizar o isolamento social de parte da sociedade, são os primeiros a se contaminar graças às aglomerações que ocorrem nos vagões de trensmetrôsônibus e vans

A revisão do processo de planejamento urbano deverá atender e assegurar uma melhor distribuição de serviços, equipamentos públicos e infraestrutura de forma equitativa em território priorizando suas ações nas áreas periféricas e nos aglomerados subnormais. Planejar cidades resilientes a eventos extremos climáticos e sanitários, como este que estamos enfrentando agora, significa que prefeitosvereadores e técnicos públicos voltem suas ações para a promoção de moradias em áreas com infraestruturas e equipamentos públicos consolidados e conectados a um sistema de mobilidade urbana (modo ativo e motorizado público) eficiente, inclusivo e eficaz para a sociedade. 

Jardins verticais: do prazer estético à redução dos impactos ambientais urbanos

Quando inseridas em políticas públicas ambientais, essas estruturas têm poder de melhorar a qualidade do ar, diminuir a temperatura, gerar empregos e contribuir para economia circular de baixo carbono

  • Por Helena Degreas
  • 23/03/2021 09h00 – Atualizado em 23/03/2021 10h06

Helena Degreas/Jovem PanA parede verde é um dos recursos que podem ser utilizados como estratégia para a melhoria da qualidade de vida e saúde da população

Jardins verticais, paredes verdes ou paredes vivas são alguns dos diversos termos utilizados para designar sistemas de painéis de plantas cultivadas verticalmente em estruturas que podem ser independentes ou presas às paredes. As técnicas de plantio mais comuns são aquelas em que os elementos vegetais são plantados em floreiras que recebem composto orgânico. Inventor do Mur Végétal, o botânico e garden designer Patrick Blanc patenteou a técnica há 30 anos e, desde então, projetou e implantou inúmeras das suas criações em todo o mundo. Em parceria com o arquiteto francês Jean Nouvel, ele ajardinou a fachada do condomínio residencial One Central Park, na Austrália, alcançando 50 metros de altura e transformando-o num dos jardins mais altos do mundo. Foram utilizadas mais de 85 mil plantas nas fachadas distribuídas entre 23 paredes verdes com cerca de 350 espécies nativas e exóticas em 1.200 m² de área. Vale lembrar que os jardins verticais não são novidade, ao menos aqui em nossas terras. No Brasil, Burle Marx (1909-1994) e Haruyoshi Ono (1944-2017) já realizavam painéis verticais ajardinados em muros belíssimos, verdadeiras obras de arte urbana há décadas, com inúmeros projetos mesclando água, grafismos e vegetação, como o mural do Banco Safra localizado na avenida Paulista

Embora para a maioria da população o uso dos elementos vegetais em fachadas de edifícios e muros tenha um valor predominantemente estético, para prefeitos de cidades compactas, densamente construídas e cujo espaço livre público é exíguo, o plantio vertical é um dos recursos que podem ser utilizados como estratégia para a melhoria da qualidade de vida e saúde. Se atualmente mais da metade da população vive em áreas urbanas, estima-se que, até 2050, 66% das pessoas morarão em cidades. No Brasil, este número já alcança 84.72%, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015. Enfrentar e prevenir problemas ambientais, atuais e futuros, que causem não apenas riscos urbanos, mas também danos à saúde da população, fazem-se urgentes nas cidades.

Os benefícios na implantação dos ajardinamentos em paredes, fachadas e muros são diversos:

  • Ambientais: reduzem as temperaturas por meio da absorção da luz solar, absorvem os gases poluentes da atmosfera e filtram a poeira do ar externo, bloqueiam cerca de 40% dos sons de alta frequência externos e aumentam a biodiversidade, atraindo pássaros e insetos por causa dos frutos;
  • Econômicos: melhoram o comércio local  — as pessoas tendem a ficar mais tempo em áreas ajardinadas  —, fornecem isolamento térmico, reduzindo a demanda por energia, e geram empregos locais, pois, para a sua manutenção, são necessários profissionais diversos;
  • Saúde: reduzem o estresse provocado pelos ambientes urbanos e induzem a passeios e caminhadas ao ar livre.

Como exemplo de boas políticas ambientais vinculadas à gestão pública municipal, a Secretaría Distrital del Ambiente (Secretária do Meio Ambiente, em tradução livre) da cidade de Bogotá desenvolveu uma série de programas e projetos de cunho ambiental, com metas e indicadores que deverão ser cumpridos em prazos definidos e que buscam benefícios ambientais, econômicos e estéticos urbanos. Pretende-se, com todo esse aparato institucional, levar a cidade a ser cada vez mais resiliente às consequências resultantes dos extremos climáticos por meio da constituição de uma infraestrutura verde. Os jardins verticais constituem-se, portanto, em um dos elementos que promovem e ampliam a infraestrutura verde, desempenhando papel significativo para a mitigação das mudanças climáticas. Um dos manuais que orientam a implantação desta solução encontra-se disponível em seu site.

O prefeito de Londres, por sua vez, fez consulta pública perguntando à população quais as demandas para uma cidade com mais qualidade de vida. A partir do feedback, foi criada uma estratégia ambiental integrada, reunindo abordagens para aspectos urbanos que demandavam soluções urgentes, tais como melhoria na qualidade do ar, infraestrutura verde, mitigação da mudança climática, desperdício, adaptação às mudanças climáticas, ambiente barulhento e inclusão de incentivos ao desenvolvimento de uma economia circular de baixo carbono direcionado a empresas e prestadores de serviços. 

Já na cidade de São Paulo, ações pontuais realizadas pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA) foram realizadas para a instalação de jardins verticais em edifícios com “paredões sem janelas” por meio de chamamento público para edifícios vizinhos ao Elevado Costa e Silva (Minhocão) e previamente selecionados pela Câmara Técnica de Compensação Ambiental (CTCA). As empresas interessadas em adotar esses “paredões” poderiam se beneficiar com a conversão da compensação ambiental em obras e serviços, jardins verticais e coberturas verdes na capital e que constam do Decreto n° 55.994. Empresa ou munícipe que deseje realizar obras ou reformas envolvendo corte ou transplante de árvores pode se utilizar do Temo de Compromisso Ambiental para construir jardins verticais em qualquer lugar na capital. Em outras palavras, é possível derrubar várias árvores que estão no terreno em que você pretende construir e, em seu lugar, oferecer à cidade um jardim vertical. Como será que isso é calculado? O fato é que os moradores dos edifícios escolhidos pelas empresas e pela CTCA para a instalação dos jardins verticais entraram na Justiça para a sua remoção por falta de manutenção. Prefeitura e empresa alegaram que o desmonte estava previsto em contrato. Os gastos com foram arcados pela prefeitura da cidade. Entendo que o custo de todo esse processo deva ser da iniciativa privada que o instalou, nunca do poder público, especialmente se foram utilizados por meio de benefícios previstos pelo Termo de Compromisso Ambiental (TCA). 

Não coordenados adequadamente, este decreto e demais instrumentos legais previstos pela Prefeitura de São Paulo compõem apenas um conjunto de bons instrumentos legais que podem, eventualmente, ser de interesse de algum munícipe ou empresa interessada em mitigar danos ambientais. É nesse contexto que jardins verticais, muros verdes e demais tipos espaciais se realizam: sem metas, sem continuidade. Embora parte de uma série de medidas legais voltadas às questões ambientais para a ampliação de áreas verdes urbanas, observa-se que a ausência de metas e indicadores da eficácia na produção sistemática de novos tipos espaciais que compõem a infraestrutura verde municipal geram resultados pífios, que não correspondem à importância que exercem as ações ambientais na qualidade de vida e de saúde do cidadão. 

Quanto espaço ocupa um carro estacionado na rua? Parece pouco, mas não é

Favorecer o estacionamento de automóveis enquanto pessoas se aglomeram nas calçadas por falta de espaço não parece ser uma boa prática de gestão para um problema sanitário como o desta pandemia

  • Por Helena Degreas
  • 16/03/2021 09h00 – Atualizado em 16/03/2021 18h06

Helena Degreas/Jovem PanA cidade de São Paulo tem 50.712 vagas na rua para veículos

Você já parou para pensar quanto espaço ocupam os automóveis estacionados nas ruas da sua cidade? Cada vaga rotativa convencional (carros de passeio) ocupa cerca de 11 m² de rua. Parece pouco espaço, mas não é. Na cidade de São Paulo, as primeiras vagas de estacionamento rotativo pago foram implantadas em meados da década de 1970 em áreas comerciais e de serviços em regiões centrais. Naquela época, as cidades ainda eram planejadas utilizando-se os preceitos modernistas centrados no fluxo de veículos. Não havia transporte coletivo suficiente para todos os cidadãos (realidade de hoje ainda, infelizmente), e o Metrô ainda estava no início de sua implantação. Foi apenas em 1972 que um protótipo de composição de trem realizou a primeira viagem entre as estações Jabaquara e Saúde. A operação comercial ocorreu dois anos mais tarde.https://3892796372e2b2e23d20db8b338b407a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Meio século depois, os novos Planos Diretores propõem a revisão do conceito de mobilidade urbana ao incluir os modos não motorizados como bicicleta e a pé, além da ampliação da oferta de transporte coletivo público e sua integração. Os Planos de Mobilidade municipais apontam programas e ações para a sua implementação, que exigirão de prefeitos a reconfiguração dos espaços livres públicos localizados nos sistemas viários, em especial, aqueles destinados ao estacionamento rotativo em vias públicas. As cidades precisam ser pensadas para quem nelas vive. Donald Shoup, professor e pesquisador em planejamento urbano da UCLA, em seu livro “The High Cost of Free Parking” (ou, numa tradução livre, O Alto Custo do Estacionamento Grátis), afirmou que os resultados de suas pesquisas para as cidades americanas apontaram que cerca de 30% do fluxo de veículos em ruas comerciais são apenas de motoristas procurando vagas para estacionar, fato este que aumenta os problemas de poluição, congestionamento, acidentes e tempo perdido no trânsito.

Acredito que os resultados não sejam tão diferentes dos daqui. Só para se ter uma ideia, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) opera 50.712 vagas sendo 45.006 de Zona Azul Convencional, 2.118 destinadas a Zona Azul Caminhão, 1.020 para pessoas com deficiência física e/ou mobilidade reduzida (DeFis), 2.494 para idosos e 74 para Zona Azul Fretamento. Desconheço o método utilizado para o cálculo de vagas de estacionamento rotativo oferecidas nas regiões servidas por transporte público, mas conheço bem a necessidade de prover calçadas ampliadas para distanciamento social da população em época de pandemia, como estão fazendo prefeitos de cidades que estão preocupados com a saúde da população e a erradicação dos efeitos nefastos do Covid-19 em famílias e no sistema de saúde público.

A dimensão mínima para uma vaga destinada para Zona Azul Convencional é de 11,0 m², ou ainda as 45.006 reunidas ocupam cerca de 495 mil m². Se fossem contabilizados todos os espaços livres públicos utilizados como estacionamentos não pagos de veículos nas cidades brasileiras os números seriam ainda mais assombrosos. É muita área utilizada para benefício de motoristas e dos seus carros. Em 10 m², é possível morar numa área urbana com transporte público coletivo, comércios e serviços próximos. Em 2017, uma incorporadora e construtora inovou e lançou apartamentos de dimensões reduzidas localizados em eixos de estruturação da transformação urbana na cidade de São Paulo, atendendo a regulamentação urbanística vigente e que orientava a produção imobiliária ao longo das vias atendidas por transporte público. A proposta era a de criar uma cidade adensada, compacta, em que moradias, serviçoscomércios e transporte estivessem numa distância de no máximo 15 minutos a pé. Foram construídas inúmeras moradias e, dentre elas, microapartamentos de 10 m², ou seja, menores do que as vagas de estacionamento convencional da CET.

A título de curiosidade, deixo aqui o resultado de uma busca que fiz em um site que vende imóveis em diversas regiões de São Paulo. Um miniapartamento com 10 m² de área no centro da cidade pode ser encontrado atualmente por cerca de R$ 190 mil. Cabe nele um sofá-cama para dormir, que pode transformar-se num local para sentar e assistir TV, por exemplo; uma estação para preparar alimentos composta por micro-ondas, cooktop de duas bocas, frigobar, pia e armários para guardar poucos utensílios; uma bancada estreita de uso múltiplo, que pode servir como mesa de trabalho ou local para refeições; um banheiro bacana e um guarda-roupas, além de vários elementos decorativos. É muita área.

E se você pudesse escolher, o que você colocaria em 495 mil m² na cidade? Se essas vagas fossem minhas e se eu pudesse escolher, certamente ampliaria as estreitas calçadas em áreas comerciais, substituindo o estacionamento convencional rotativo pago durante o período de pandemia. Proteger as pessoas é o que se espera de prefeitos. A ampliação das calçadas pode ser realizada com tinta no chão utilizando-se as técnicas do urbanismo tático. Essa solução já e adotada para as pistas cicláveis. Que se faça o mesmo com as calçadas, ampliando-as. No espaço de estacionamento de um automóvel, duas pessoas poderiam conviver com o afastamento físico adequado para evitar (juntamente com as demais medidas sanitárias) a transmissão do coronavírus. Em outras palavras, onde estacionam 45 mil carros poderiam circular 90 mil pessoas com segurança.

O distanciamento social em áreas públicas é o “novo normal” nas cidades. Exemplos no mundo não faltam. Numa atitude radical, o prefeito Bill de Blasio anunciou no começo da pandemia um plano para ampliar as áreas públicas destinadas a pedestres e ciclistas de Nova York, transferindo veículos motorizados para novas rotas. De uma hora para a outra, a cidade ganhou mais de 160 km de espaços livres para o público. O espaço público precisa prover segurança e acolhimento sempre, mas, em tempos de pandemia, torna-se prioritário. Favorecer o estacionamento de automóveis enquanto pessoas se aglomeram nas calçadas por falta de espaço não me parece uma boa prática de gestão para um problema sanitário como o que estamos enfrentando hoje. As cidades precisam ser redesenhadas pensado na saúde e no bem-estar em quem nelas vive: seus cidadãos.