Passou da hora de os governos se anteciparem a calamidades e garantirem a segurança nas cidades e áreas rurais

Eventos afetam diretamente a vida da população, impactando a agricultura com secas e inundações, prejudicando safras, danificando plantações e ameaçando a segurança alimentar

Por Helena Degreas 22/06/2024 07h00 para a Jovem Pan News

Nas áreas urbanas, chuvas intensas podem causar inundações, deslizamentos de terra e danos à infraestrutura

A cada ano, os fenômenos El Niño e La Niña nos convidam para um baile de proporções globais, onde a natureza, sufocada pelo peso das emissões de gases de efeito estufa geradas pela matriz energética vigente, se apresenta como uma anfitriã implacável. Assim como numa dança, ciclos naturais antes ritmados, fluidos e harmoniosos agora exibem uma coreografia cruel, desequilibrando os padrões climáticos sobre a América do Sul e prometendo ora tempestades, ora secas mais prolongadas. As mudanças climáticas por nós provocadas exacerbaram esses fenômenos, transformando eventos periódicos em crises contínuas que afetam milhões de vidas, desafiam sistemas agrícolas e testam a resiliência de comunidades urbanas em todo o mundo. A situação tornou-se uma questão de segurança pública que exige planejamento antecipado e ações coordenadas entre governos para mitigar seus impactos devastadores à vida.

O Oceano Pacífico guarda segredos que impactam o clima do planeta. El Niño e La Niña, as duas fases do ciclo climático ENSO (Oscilação Sul Equatorial), alteram a temperatura das águas superficiais dos oceanos e influenciam padrões climáticos em diversas regiões, incluindo o Brasil. El Niño, com seu aquecimento das águas do Pacífico, gera secas em algumas áreas e chuvas torrenciais em outras, enquanto La Niña provoca o resfriamento das águas do Pacífico, trazendo efeitos opostos. Esses eventos afetam diretamente a vida da população, impactando a agricultura com secas e inundações, prejudicando safras, danificando plantações e ameaçando a segurança alimentar, potencialmente levando à fome em regiões vulneráveis. Entre os efeitos está a migração forçada de pessoas que, deixando suas casas, transformam-se em refugiados climáticos, aumentando a pressão sobre áreas urbanas e os sistemas de assistência social.

Nas áreas urbanas, chuvas intensas podem causar inundações, deslizamentos de terra e danos à infraestrutura, afetando transporte, energia e habitação. Além disso, El Niño e La Niña agravam problemas de saúde, como doenças transmitidas por vetores, aumentam os casos de problemas respiratórios e comprometem o acesso à água potável. As perdas econômicas são significativas, afetando diversos setores e exigindo uma resposta coordenada para mitigar seus impactos. Atualmente, o fenômeno El Niño chegou ao fim e foi substituído por La Niña, que envolve o resfriamento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico Tropical, especialmente na região central e centro-leste, incluindo as costas do Equador e do Peru, e que pode durar meses ou anos, afetando significativamente o clima global, incluindo o Brasil. Em nota técnica, estudos apontam que, na porção leste de São Paulo e litoral sul do Rio de Janeiro, especialmente nas áreas costeiras, são esperados entre cinco e oito eventos de chuva acima de 50 mm em 24 horas entre setembro de 2024 e fevereiro de 2025. As chuvas serão mais intensas no litoral sul de São Paulo, Baixada Santista e Costa Verde no Rio de Janeiro. Esses locais, incluindo Angra dos Reis, são extremamente vulneráveis a deslizamentos de terra e outros desastres geo-hidrológicos, exigindo atenção especial devido ao aumento da frequência de chuvas intensas e os consequentes riscos para a população. Em suma, eventuais calamidades provocadas por chuvas acima da média estão previstas.

O conceito de segurança da população adotado por governos e organismos internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), vai muito além da ausência de conflitos e violência contra o cidadão, abrangendo a proteção contra uma ampla gama de riscos e ameaças. Isso inclui mudanças climáticas, desastres naturais e tecnológicos, doenças e pobreza. Recentemente, inundações no Rio Grande do Sul têm devastado propriedades e deixado muitos desabrigados, enquanto estiagens severas em outros Estados brasileiros resultam em perdas agrícolas significativas. No Pantanal, incêndios destroem vastas áreas de biodiversidade, ameaçando a fauna e destruindo não apenas os meios de subsistência das comunidades locais, mas também a economia. Por sua magnitude de destruição social, econômica e ambiental, esses eventos exigem ações urgentes para a preparação e resposta a emergências, além de apoio à recuperação pós-desastre.

Ainda de acordo com o conceito de segurança da população, as mudanças climáticas manifestam-se visivelmente através de secas prolongadas que devastam colheitas, resultando em insegurança alimentar e perda de meios de subsistência para agricultores. Inundações frequentes causam destruição de infraestrutura, como estradas e pontes, e danificam habitações, levando ao deslocamento de comunidades inteiras. Essas condições extremas aumentam a incidência de doenças transmitidas pela água e comprometem o acesso à água potável. A perda de vidas em desastres naturais sublinha a urgência de ações governamentais para promover resiliência e adaptação, como a construção de infraestruturas mais robustas, sistemas de alerta precoce e práticas agrícolas sustentáveis. A pobreza e a desigualdade social, tão presentes no cotidiano de nossas cidades e áreas rurais, são grandes fatores de insegurança. A busca pela erradicação da pobreza por meio do acesso a serviços básicos, como educação e saúde, e a promoção do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos é fundamental para garantir a segurança das pessoas. Nas cidades, a pobreza se manifesta visivelmente nas favelas e em bairros autoproduzidos, onde a falta de saneamento, educação e saúde resulta em moradias inadequadas, sujeitas a riscos diversos e vulnerabilidade a condições climáticas extremas. No campo, as desigualdades se refletem em pequenas propriedades rurais sem acesso a tecnologias agrícolas modernas, mercados e recursos financeiros, limitando a produção e perpetuando a insegurança alimentar, ou ainda, a fome. A falta de serviços básicos, como água potável e atendimento médico, acentua essas dificuldades, aumentando a migração para áreas urbanas em busca de melhores oportunidades.

A magnitude devastadora dos eventos climáticos extremos em várias áreas de nossas vidas exige uma resposta imediata e abrangente dos governos para garantir a segurança da população nas cidades e áreas rurais. Eventos como secas prolongadas, inundações frequentes e desastres naturais impactam significativamente a vida das pessoas, causando perdas econômicas, destruição de infraestrutura e deslocamentos populacionais. Para minimizar os danos e salvar vidas, é essencial que os governos implementem ações urgentes de preparação e resposta a emergências, desenvolvendo sistemas de alerta precoce, infraestrutura resiliente e práticas agrícolas sustentáveis. A busca pela erradicação da pobreza, através do acesso a serviços básicos como educação e saúde, e a promoção do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos são fundamentais para garantir a segurança das pessoas. Além disso, a resposta eficaz às calamidades inclui apoio à recuperação pós-desastre para reconstruir comunidades e restaurar meios de subsistência. 

A pergunta que se impõe é: como os governos estão se preparando para garantir a segurança da população e evitar mortes previsíveis e perdas materiais? Futuros desastres provocados por extremos climáticos são previsíveis, e dados científicos, apesar da constante falta de verbas destinadas à pesquisa, não faltam, incluindo agências públicas brasileiras que se dedicam à pesquisa do tema. Quando governos procrastinam ou abandonam a população à própria sorte, esperando que o acaso resolva eventuais problemas ou delegando a “aquietação” do futuro climático à providência divina, perdem a oportunidade de agir de forma proativa e são, sim, responsáveis por danos e mortes anteriormente “anunciados”, por assim dizer. Passou da hora de governos anteciparem as futuras calamidades e planejarem a segurança da população de maneira eficaz e integrada.

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Por Helena Degreas29/05/2024 11h01 – Atualizado em 29/05/2024 11h02 para a Jovem Pan News

Recentemente, o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, emitiu uma declaração que sobre a tragédia que ocorreu no Estado. “Estudos alertaram, mas o governo também vive outras agendas”, afirmou Leite sobre as previsões da “tragédia anunciada” no RS, ilustrando como os líderes políticos precisam equilibrar diferentes demandas e prioridades em sua gestão. Tem razão: uma agenda política não é apenas uma lista de compromissos assumidos em campanha eleitoral; é um roteiro que guia as decisões que moldam o funcionamento das cidades. Reflete as prioridades, planos e objetivos que governos e líderes políticos se comprometem a realizar durante seus mandatos para atender as necessidades daqueles que moram nas cidades, ou seja, nós, cidadãos. Portanto, ao elegê-los com nosso voto, somos corresponsáveis por escolher aqueles que definirão as políticas, prioridades locais e, portanto, as agendas municipais, estaduais e federais e a destinação de recursos orçamentários para as ações que podem, com os anos, evitar os impactos causados pelas mudanças do clima. Como bem lembrou o governador, estudos alertaram para o eventual impacto que as chuvas e ventos poderiam causar nas cidades atingidas incluindo os mapeamentos sobre as áreas de risco, mas, as agendas políticas traçadas por nossos representantes nas escalas federal, estadual e municipal, tratou como questão menor nas discussões políticas, refletindo nos orçamentos o descaso.

Opiniões divergentes sobre os mais diversos assuntos sempre existiram. Mas, quando a desinformação sobre pautas urbanas impera, especialmente sem base científica, as agendas urbanas e a destinação de orçamentos podem ser prejudicadas, levando à priorização de projetos ineficazes, ao desperdício de recursos públicos e à resistência a políticas essenciais, como aquelas que levam à descarbonização. E mais: pode incentivar políticas de curto prazo que não resolvem problemas estruturais, intensificar a polarização política, dificultando a cooperação entre partes interessadas, e erodir a confiança pública em instituições governamentais. Exemplos como evidenciado pela fala do vereador Sandro Fantinel, do PL de Caxias do Sul, que atribuiu a proteção do meio ambiente como a causa da tragédia no Rio Grande do Sul. Essa visão polarizada, ausente de lastro científico, ilustra a resistência de atores políticos, eleitos pelos cidadãos, em investir em infraestrutura resiliente aos extremos climáticos. A falta de conscientização e conhecimento sobre a importância da sustentabilidade e das práticas ecossistêmicas por atores políticos, empresas e cidadãos, contribui para a resistência em adotar políticas ambientais robustas e para a priorização inadequada de recursos e projetos que não levam em conta os impactos ambientais a longo prazo. Além disso, os eventos adversos, causados ou agravados por ações humanas que resultam em danos ao meio ambiente, podem ser considerados, de certa forma, como sinistros ambientais ao identificar o comprometimento das ações humanas nas questões que afetam a resiliência dos territórios frente aos extremos climáticos. Todos previstos por diversos profissionais qualificados, que “alertaram” para as consequências, perdas e danos, como ocorreu no Rio Grande do Sul.

Exigir a proatividade dos diversos atores políticos para a adoção da cultura ambiental em políticas urbanas, embora seja uma tarefa hercúlea, pode promover mudanças significativas nos processos de decisão de governos e empresas que levem à descarbonização. Escolhas de consumo conscientes, como optar por produtos e serviços de empresas sustentáveis, incentivam o mercado a valorizar a responsabilidade ambiental, levando à integração dos critérios ESG na tomada de decisões de investimento e na gestão empresarial. A participação em movimentos sociais, engajando-se em campanhas, petições e manifestações levam não apenas à conscientização das pessoas, mas também, aumentam a pressão pública levando políticos a priorizar as questões ambientais em sua agenda, resultando na criação de novas leis e políticas públicas que promovam a sustentabilidade e a proteção ambiental.
Portanto, o apelo aos governos, às empresas e aos cidadãos torna-se ainda mais urgente. Precisamos de uma mudança de paradigma que promova a colaboração, a inovação e o compromisso comum com um futuro sustentável incluindo uma reflexão profunda sobre nossos padrões de consumo, que muitas vezes estão intrinsecamente ligados à exploração excessiva dos recursos naturais e à geração de resíduos. A transição para modelos de consumo mais conscientes e sustentáveis é fundamental para reduzir nossa pegada ambiental e mitigar os impactos negativos sobre o meio ambiente. Somente assim poderemos enfrentar os desafios da crise climática e construir um mundo mais justo, equitativo e sustentável para todos. Por fim, o voto consciente é fundamental para a mudança. Ao tomar essas ações, os cidadãos ajudam a criar uma cultura ambiental mais forte, influenciando tanto as políticas públicas quanto as práticas empresariais em direção a um futuro mais sustentável.

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Inundações são previsíveis e devem ser tratadas pelos prefeitos como riscos à vida da população

É possível mapear possíveis desastres causados pelas chuvas de verão e, assim, evitar que pessoas percam a casa, os móveis ou até a vida

  • Por Helena Degreas
  • 05/01/2021 08h00 – Atualizado em 07/01/2021 14h04

Helena Degreas/Jovem PanBuraco de dois metros de profundidade, provavelmente causado pela chuva, recebe sinalização improvisada para não machucar os mais desatentos

Até que “as águas de março fechem o verão”, muitos lares, comércios, bens materiais e vidas serão perdidos como consequência das chuvas torrenciais que assolam a cidade. É impressionante ler, ano após ano, as mesmas manchetes que tratam dos estragos provocados pelas tempestades. Inundaçõesenchentesdeslizamentosquedas de árvores e afundamentos de asfalto ocasionados por rompimentos de galerias de águas pluviais ainda são tratados como “desastres naturais”, em especial, quando os governos locais falham no gerenciamento dos riscos decorrentes dos efeitos relacionados aos extremos climáticos. Reitero que não são desastres ocasionados apenas por fenômenos naturais extremos: são decorrentes da falta de previsão de nossos gestores públicos dos riscos aos quais os cidadãos estão expostos nesta época do ano.https://53b1b23af142c0c538a0845591c7743b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-37/html/container.html

A imagem estampada na coluna desta semana é só mais uma das várias experiências vivenciadas por quem mora nas capitais brasileiras. O diâmetro do buraco é até singelo, mas a profundidade de cerca de 2 metros permite que uma pessoa distraída com seu celular possa ser engolida por ele. Provavelmente, a chuva torrencial sobrecarregou a rede de águas pluviais e o asfalto cedeu. Tentando solucionar a questão, o motorista do ponto de taxi em frente colocou um galho no local, apontando ao prefeito, involuntariamente, que a permeabilização da cidade se faz necessária e que esta é uma das várias ações de baixo custo que podem ser adotadas para melhorar a absorção das águas em diversos pontos da cidade: a substituição do asfalto por grama em alguns casos.PUBLICIDADE

Causou-me estranheza, portanto, ler a plataforma de governo do prefeito reeleito Bruno Covas. Um dos destaques tratava da construção de novos piscinões, que, apesar de necessários, não resolvem as consequências anteriormente citadas. Estas obras são desenvolvidas para conter as águas das chuvas que irão ocupar ruas e avenidas da cidade, evitando inundações, enchentes e prejuízos materiais em alguns pontos. Trata-se de uma ação que está longe de ser a única solução para as enchentes. Não previnem o problema, sempre haverá a necessidade de construção de mais piscinões. Como evitar isso? Antecipar, gerenciar e reduzir os riscos de desastres são atribuições dos gestores locais, pois eles devem atuar criando sistemas de alerta e estabelecendo estruturas específicas para o gerenciamento de crises como essas. Essas ocorrências são previsíveis e encontram-se inclusive mapeadas: uma simples busca na plataforma GeoSampa localiza desde quedas de árvores até deslizamentos e inundações ocorridas na cidade.

Dois excelentes documentos produzidos por secretarias da prefeitura paulistana nos últimos anos podem ser utilizados para a melhoria da plataforma de governo, colocando a questão das inundações numa discussão contemporânea, mais ampla, envolvendo assuntos que compõem a agenda urbana internacional como a gestão de riscos advindos dos extremos climáticos. O primeiro deles é o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias, que, em um de seus capítulos, destaca a importância da constituição de uma rede de infraestrutura verde (permeabilidade e vegetação) e azul (águas urbanas), abarcando os sistemas naturais também abrigados pelo espaço viário, como arborização, parques lineares, sistemas de biorretenção e paisagismo. Vagas verdes e jardins de chuva em calçadas e áreas residuais de sistemas viários são alguns exemplos. O outro é o Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres, cuja consulta pública foi recentemente concluída e define uma política de gestão para a provisão de áreas verdes e de proteção do patrimônio ambiental do município de São Paulo. Os dois documentos, elaborados por técnicos municipais após consulta pública, contribuem para o planejamento das consequências advindas dos extremos climáticos aos quais pessoas e bens estão expostos em função do aumento da temperatura no planeta. 

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A revisão de atribuições, responsabilidades e a alocação de recursos para a implementação de diretrizes apresentadas nos dois documentos ampliará a capacidade de resiliência da cidade de São Paulo, restaurando suas estruturas e funções básicas, evitando com isso os riscos à população. É importante que gestores públicos locais incluam o conhecimento das vulnerabilidades existentes e os riscos associados à ocorrência de eventos extremos climáticas ao dia a dia da gestão pública, bem como ao planejamento das cidades, para o bem do cidadão.

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Coluna originalmente publicada aqui