O que pensam os candidatos à Presidência sobre as questões que envolvem a habitação e o ambiente?

Instituições que representam arquitetos e urbanistas sugeriram 20 propostas sobre esses temas, mas nenhum incluiu ao menos uma delas no programa de governo
  • Por Helena Degreas
  • 20/09/2022 09h00 – Atualizado em 20/09/2022 11h08
Lula, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Simone Tebet, os quatro candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência

Fonte: Jovem Pan News

Em carta aberta, as instituições que representam arquitetos e urbanistas sugerem 20 propostas para compor os programas de governo dos candidatos como parte da agenda nacional e regional de desenvolvimento social e econômico, enfatizando a importância do planejamento e projeto das cidades, das intervenções urbanas, do patrimônio e das edificações como meio para alcançar a qualidade e o cuidado com a vida dos cidadãos. Assinaram o documento o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU Brasil), o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), a Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA), a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP) e a Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (FeNEA).

O documento propõe a reconstituição do Ministério das Cidades e a ampliação dos mecanismos de participação popular e dos segmentos técnicos nas discussões e decisões sobre políticas públicas de planejamento urbano e habitação, incluindo o resgate das Conferências e do Conselho das Cidades. Extinta pelo atual governo Bolsonaro, a pasta era composta por profissionais, lideranças sindicais e sociais, ONGs, intelectuais, pesquisadores e professores universitários e foi responsável pela formulação de uma política nacional de desenvolvimento e planejamento urbano em sintonia com Estados e municípios, os poderes de Estado (Legislativo e Judiciário), além da participação da população por meio da criação de instrumentos institucionais que deram voz aos cidadãos, objetivando a integração e racionalização dos investimentos e ações nas cidades. Partem do princípio de que as cidades devem ser pensadas e estruturadas a partir do planejamento territorial, enfatizando que tanto a habitação quanto a mobilidade urbana precisam receber investimentos que priorizem as regiões periféricas e assentamentos precarizados. Para a mobilidade, o documento propõe a criação de mecanismos de financiamento e subsídio ao transporte público urbano a nível local e intrarregional, além do necessário investimento e integração da rede ferroviária e hidroviária. Reforçam a necessidade de políticas de reforma urbana construídas a partir da função social da cidade (habitaçãotrabalholazermobilidadeeducaçãosaúdesegurança, planejamento, preservação do patrimônio cultural e natural, e sustentabilidade urbana) que, listada na Constituição (artigo 182 da Constituição Federal de 88) e regulamentada pelo Estatuto da Cidade (L10257 – Planalto), prevê a recuperação de imóveis vazios em áreas centrais para destinação à habitação e equipamentos comunitários. Em relação à dimensão ambiental, as propostas apresentadas reiteram a necessidade de valorização dos ecossistemas locais no âmbito do planejamento territorial e urbano, fomentando a implementação de infraestrutura verde urbana e espaços públicos inclusivos e saudáveis. O avanço na reforma agrária, bem como a demarcação de terras indígenas, quilombolas, a delimitação de parques nacionais e áreas protegidas são tidas como fundamentais para a preservação e integridade dos ecossistemas brasileiros. Incentivo à pesquisa para a geração e distribuição de novas matrizes energéticas e a adoção de uma visão integrada das políticas de recurso hídricos, saneamento básico, saneamento ambiental e resíduos sólidos atentas à emergência climática e ao passivo ambiental são algumas das várias sugestões encaminhadas pela carta aos presidenciáveis.

Dos programas apresentados pelos quatro primeiros candidatos nas pesquisas de intenção de voto, nenhum deles propôs a recriação do Ministério das Cidades, situação que dificulta a unificação de políticas e programas entre Estados e municípios nas questões habitacionais, de mobilidade urbana e de planejamento territorial e ambiental com vistas à proteção de ecossistemas. Exemplo da visão fragmentada de nossas lideranças políticas é a recente aprovação da municipalização de regras de proteção de rios em área urbana. As várzeas de um rio precisam de proteção desde a nascente, passando pela vegetação que corre ao longo do seu leito até o seu final, quando desemboca em outras águas, quer rios, quer o mar. Como pode uma unidade de água, conhecida por córrego, riacho, rio, corredeira, ser esquartejada em unidades administrativas? Os resultados encontram-se disponíveis em ações relacionadas aos extremos climáticos. 

No programa do candidato Lula é proposta a retomada de garantia ao direito à cidade por meio da reforma urbana por meio de investimentos em infraestrutura de transporte público, habitação, saneamento básico e equipamentos sociais e promovendo o incentivo às cidades criativas e sustentáveis. Embora não esclareça no texto de onde virão os recursos, o candidato propõe criar programas de acesso à moradia por meio de financiamentos adequados a cada tipo de público e, claramente, entende que morar não se resume a um teto, mas ao acesso integral ao ambiente urbano, como escolas, modos diversos de transporte público, saneamento, entre outros serviços públicos. Seu programa está comprometido com a proteção dos direitos e dos territórios dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais. Como ação de Estado, irá assegurar a posse de suas terras, impedindo atividades predatórias, que prejudiquem direitos adquiridos. Reitera o compromisso por um país inclusivo e acessível, garantindo direitos e respeito a pessoas com deficiência, assegurando o acesso à saúde, à educação, à cultura e ao esporte, e à inserção no mundo do trabalho, rompendo as barreiras do capacitismo. Pretende combater o uso predatório dos recursos naturais e estimular as atividades econômicas com menor impacto ecológico por meio da recuperação das capacidades estatais, do planejamento e da participação social, fortalecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente e a Funai. O candidato não esclarece no texto de onde virão os recursos necessários para implantação de suas propostas nem como pretende executá-las em grande parte dos casos.

No programa do candidato Bolsonaro, mantém-se o estado atual, ou seja, o acesso à habitação a partir do programa Casa Verde e Amarela por meio de financiamento com taxas de juro de 4,5% ao ano. Cabe ressaltar que os repasses do governo federal que dão suporte à construção de moradias às pessoas mais pobres preveem redução de 95% nos recursos do Casa Verde Amarela. Seu programa pretende elaborar tópicos que atendam ao necessário planejamento regional, levando em consideração as condições e as peculiaridades de cada região do Brasil, enfatizando que pretende manter o programa de regularização fundiária que vem promovendo e continua descrevendo seus feitos neste tema. Questões relacionadas à necessária integração de políticas e programas habitacionais e de mobilidade, além de questões territoriais e ambientais entre entes da federação, não foram mencionadas. Também não deixa claro, em seu texto, de onde virão os recursos para financiamento de suas propostas tampouco como pretende implantá-los.

O programa do candidato Ciro Gomes propõe ampliar o acesso a serviços básicos, como água limpa e tratada, saneamento, transporte, moradia e iluminação, à cultura e ao lazer. Prevê a regularização fundiária e a escritura da casa e do terreno, além de financiamento para a reforma de moradias populares utilizando a mão de obra da própria família ou da comunidade. Na dimensão ambiental, o programa pretende reduzir o desmatamento, a emissão de gases danosos à atmosfera, e viabilizar o crescimento econômico sustentável, sempre de forma soberana em relação aos demais países. Incentivará a manutenção da floresta em pé, por meio da realização de um zoneamento econômico e ecológico no país, em especial na região amazônica, associando-o à regularização da situação fundiária. Propõe incentivar a produção de energia limpa como a solar, eólica e a baseada na produção de hidrogênio verde, além de contar com a cooperação do setor privado para a geração e comercialização das diversas fontes de energia limpa. Apresenta inúmeras propostas de proteção às mulheres, indígenas, população negra e comunidade LGBTQIA+, aplicando-as, inclusive, em espaços públicos urbanos. Os recursos para subsidiá-las são citados no programa de governo, destacando-se a alteração da carga tributária no país, a junção de impostos, a taxação de grandes fortunas (0,5% sobre fortunas acima de R$ 20 milhões, que poderão gerar cerca de R$ 60 bilhões de receitas), recriação de imposto sobre lucros e dividendos distribuídos (podem gerar cerca de R$ 70 bilhões), entre outros. Em alguns casos, descreve a maneira como pretende implantar suas propostas.                  

A candidata à Presidência Simone Tebet pretende promover a regularização fundiária, com certificação e documentação dos imóveis a todos, reiterando seu compromisso em relação às comunidades indígenas e quilombolas (acelerando a emissão de títulos para povos remanescentes) e dando condições de acesso a diversos serviços de infraestrutura, notadamente aqueles vinculados ao saneamento básico em comunidades urbanas, periurbanas e rurais, além da melhoria da mobilidade nas cidades e entre comunidades por meios de baixo impacto ambiental. Propõe reduzir o déficit habitacional do país, adotando instrumentos como locação social, compra de unidades prontas para morar e aproveitamento de imóveis ociosos nos grandes centros. Seu programa apoia a melhoria da mobilidade nas cidades e regiões metropolitanas, reduzindo as emissões e incentivando opções mais limpas, ao promover a integração dos modais e o bilhete único. Visa implementar todos os direitos previstos na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência em seus 127 artigos e em todas as suas dimensões: combate à discriminação, reabilitação, saúde, educação, moradia, trabalho, assistência social, previdência social, cultura, esporte, turismo e lazer, transporte, mobilidade, acessibilidade, comunicação e informação e acesso à justiça para alcançar a inclusão dos cidadãos brasileiros com deficiências. Não deixa claro de onde sairão os recursos ou como serão realizadas suas propostas.

O breve relato sobre algumas das propostas apresentadas pelos candidatos não incorpora algumas das sugestões propostas pelas instituições que representam arquitetos e urbanistas brasileiros. Lamento muito. As 20 sugestões dos colegas descrevem o que pode ser realizado para romper com o ciclo de construção de uma sociedade injusta e desigual na distribuição de infraestruturas, serviços e equipamentos públicos para uma sociedade com milhões de brasileiros que moram em condições inadequadas espalhados por todo o país. O desmantelamento das políticas habitacionais e ambientais, associadas à desintegração dos programas de planejamento territorial entre entes federativos geraram impactos negativos na vida dos cidadãos, prejudicando sobremaneira as populações mais pobres e vulneráveis. Antes de decidir em quem votar, leiam os programas dos candidatos e tenham a certeza de que de fato serão devidamente representados. Vale também para os candidatos ao Senado, às câmaras e aos governos de Estado.

Tem alguma dúvida ou quer sugerir um tema? Escreva para mim no Twitter ou Instagram: @helenadegreas.

Revision of the Master Plan will make São Paulo more inclusive for whom?


The participation of people who live in regions with precarious infrastructure is necessary, that is, in the peripheries; citizens can submit proposals digitally by May 30

  • by Helena Degreas
  • 11/05/2021 09h00 – Atualizado em 11/05/2021 15h46

Helena Degreas

Municipal Secretary of Urbanism and Licensing, César Azevedo, stated that he intends to transform São Paulo into a more inclusive city by improving the strategic master plan

In an interview with Jornal da Manhã, by Jovem Pan, this Monday, 10th, the municipal secretary of Urbanism and Licensing, César Azevedo, stated that he intends to transform São Paulo into a more inclusive city by improving the strategic master plan. To this end, a consultancy (non-profit institution whose name is still unknown) was hired without bidding, which will carry out studies and diagnosis of any changes that will guide the discussions to the new plan. The secretary also cited consultations with a group of university professors – I find the idea interesting, although I still do not know who the invited researchers are and their relevance in the scenario of discussions on urban public policies – and added comments on the importance of citizen participation in this whole process. The digital platform Plano Diretor SP was launched on April 10 and will remain open until May 30 to receive proposals on the revision of the Strategic Master Plan (PDE) in 2021.

I didn’t quite understand what the secretary meant by “including city”. It’s a very broad concept, but it sounded good. It is only necessary to evaluate how the inclusion will take place. I remembered my dear Professor Milton Santos, who never tired of repeating in his classes: “City is infrastructure”. And, adding the thoughts of contemporary urban planners, the city is made by people and for people. More even, impossible. Systematic reviews of Master Plans are necessary so that cities can be adapted to the needs of the population. And, for the demands to be met, public participation is essential. Cities materialize the social relations of different groups that live in them. At this point, representativeness in decisions on the proposals for revision on the issues dealing with employment and housing, mobility, environment and climate, urban sanitation, urban risks among many other issues, which are of fundamental importance, is extremely important, as they will guide the intervention guidelines in cities and the allocation of funds for their materialization.

Due to the health crisis caused by the Covid-19 pandemic, the face-to-face meetings of social groups that represent citizens who live in regions with precarious infrastructure, or even in the “quasi-city” will be, to a certain extent, impaired. I explain: the digital debate demands access to the internet, infrastructure (computers, for example) and, mainly, financial resources to reach all of this. A study carried out by the Seade Foundation (2019) shows that the inequalities between “city and quasi-city” or even, center and peripheries, are profound. In urban regions where a more vulnerable population prevails, access to the Internet is made with a low-speed connection (56%), with exclusive use of cell phones (67%) and more: 25% of this population has never surfed the net.

Secretary, with this framework, how will these citizens be able to participate in the digital consultation? With low participation, the inclusion proposal is not feasible.

I believe that it is the government that is responsible for embracing a guideline that generates changes in the telecommunications sector, especially in the peripheral areas, including thousands of people. In several European and North American cities, ordinary people have access to the internet in squares, parks, buses, trains, subways, school equipment, cultural centers and museums, that is, they can get information through a free and public network. I didn’t read anything about it in the main proposals. In the meantime, extending the deadlines for the review is a priority. Upon entering the platform that summarizes the main suggestions made so far, I read that the city intends to take “consideration of the real city” through “special attention” to areas distant from the central regions. The whole city is real. The text is confused. The problem is that a few groups, especially the real estate and construction sectors, are organized, actively participate in the review and decide which guidelines are a priority, thus defining where the city funds will be allocated.

The secretaries and other participants in the PDE review must have realized that most of the urban territory (in addition to the Avenida Paulista and Faria Lima region) consists of neighborhoods and communities whose growth takes place outside the urban laws and, for this reason , have a disorganized appearance, are full of self-built houses and slums that spread along the streams, for example. In this case, I believe that the review should consider the “real city” (cited bay the secretary) where millions of citizens live, who are excluded from access to public facilities and urban infrastructure. If this is the proposal, it is excellent news, since thousands of people who occupy lots outside the law will have the real right of ownership by Usucapião (Immovable Property Not Susceptible to Acquisition Through Special Adverse Possession) , be it individual, be it collective. By this instrument, new owners will be entitled to install urban infrastructure such as public transport, schools, hospitals and health posts, security and green areas, for example.

For those who, like me, live and work in the “unreal city” (the one with public infrastructure) and who will not receive “special attention”, I suggest that they also participate in the review of the PDE. I’m already participating. My neighborhood has numerous problems which are by responsibility of the city of São Paulo. I need to know whether these issues will be a priority in the coming years and whether funds will be made available for their execution. Another theme mentioned in the secretary’s interview deals with the “reduction of distances” to reach the “inclusive city”. Mobility in the city of São Paulo is a subject that plagues everyone’s life. Several entities, such as the NGO Cidadeapé, which represent citizens in matters of active mobility, presented proposals demanding, among other actions, the elaboration of a diagnosis of the structure of the management of motorized dwarf mobility in the city. In other columns, I reiterated the fact that pedestrians walk all over the city, either on sidewalks or crossing streets, in inappropriate places, in addition to waiting for long traffic lights.

I also commented on the problems created by a fragmented and chaotic management structure, which occurs over spaces intended for pedestrian circulation, since the decisions on interventions are not unified. The creation of a body with management and deliberation power that manages the countless public spaces destined to everyone who walks on foot and circulates in a non-motorized way in the city is desirable and necessary. Walking, getting around by bicycle, skateboard, wheelchair, for example, even for a short journey, is something that every citizen does and should do it safely. Expecting dozens of departments to come together to create an action plan to ensure the well-being of those who walk on foot in cities is not feasible. The demands of these organizations will certainly transform São Paulo into an inclusive city, as the secretary wishes. As an urban planner and as a citizen, my dream is that mayors, secretaries, councilors and technicians work firmly in the purpose of extinguishing the visible inequalities between central (endowed with infrastructure) and peripheral areas (with precarious infrastructure), transforming, finally, São Paulo into a city indeed inclusive.

O direito à memória cultural: por que devemos nos preocupar com edifícios antigos

Sobrados, igrejas e até fábricas expõem ao mundo a identidade de um lugar; sem a preservação da história, perdemos nossa identidade cultural e muito de nós mesmos

Coluna original publicada na Jovem Pan News

  • Por Helena Degreas
  • 04/05/2021 09h00 – Atualizado em 04/05/2021 09h14

Helena Degreas/Jovem PanSobrado abandonado na Vila Maria Zélia, zona norte de São Paulo

Outro dia vi no Twitter de um colega algumas imagens das fachadas de um edifício construído no início do século XX e cujo valor histórico, apesar de evidente, não impediu a descaracterização total, transformando-o num prédio grotesco, que mais parecia uma caixa de sapatos esburacada. As fachadas originais, que eram repletas de ornamentos diversos, com janelões de madeira altos e esguios, foram substituídas por uma cerâmica de piso medonha. Alguns leitores devem estar se perguntando por que devemos nos preocupar com edifícios antigos? Preservar a história para quê? Um sobrado, uma igreja, uma fábrica, uma praça, um bairro inteiro carregam na imagem e expõem na paisagem a história de pessoas que viveram nestes lugares. Suas histórias estão todas lá, evidenciando-se em cada detalhe, como que lembrando aos residentes atuais a forma como moravam, trabalhavam, estudavam e viviam nossos antecessores, quais eram suas rotinas cotidianas e comportamentos sociais. Nos fazem lembrar que muito do que somos hoje devemos a todos eles. https://e559759a5aafdabbd5995e3ed11c2810.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

A isso tudo, chamamos de memória. Cada elemento desses é uma espécie de elo que nos conecta ao passado, nos lembra quem somos e de onde viemos. Cada espaço construído materializa a história de inúmeras gerações e traz, justamente por isso, a nossa história. Sem a preservação da história material (seus artefatos) e imaterial (suas histórias e valores), perdemos nossa identidade cultural e muito de nós mesmos. Mas por que então a descaracterização e demolição de bens arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos brasileiros é tão frequente?  Qualquer viajante ama postar fotos em frente a catedrais, prédios antigos e praças de países cuja população e governos têm políticas e incentivos para a conservação e preservação de arquiteturas e lugares construídos ao longo de todo um processo de formação histórica. Meus antepassados gregos, apesar das dificuldades econômicas que assolam o país há décadas, preservam sua história por meio dos seus monumentos. Grande parte da economia do país vem do turismo, que expõe suas tradições e valores por meio da arquitetura, dos seus museus  — que guardam objetos antigos  —, de vilarejos construídos a centenas de anos, de suas músicas e danças alegres, comidas, azeites, queijos e vinhos. Eles têm orgulho de sua história e do que são. A história moldou-os como sociedade e como indivíduos.

Embora ainda existam dificuldades diversas para tratar a preservação de bens históricos e culturais, é possível tecer algumas considerações sobre o assunto aqui em São Paulo. Em 2006, o prefeito da cidade promulgou a Lei nº 14.223 e o Decreto nº 47.950, conhecidos como Lei da Cidade Limpa. A partir dela, muitas fachadas, antes encobertas por painéis e placas promocionais de todos os tipos, foram retiradas, revelando a beleza de vários edifícios antigos e que ninguém conhecia. Se para os proprietários foi difícil trabalhar com anúncios menores e algumas adaptações, a cidade e a população ganharam identidade, pois ruas inteiras, construídas na mesma época e com fachadas e volumes semelhantes, ficaram à vista, apresentando a todos os cidadãos a história do lugar. Associações que tratam de comunicação, e que têm por hábito envelopar prédios e fachadas sistematicamente, tentam alterar a lei reclamando que, sem as placas, ninguém vê lojas. Como pode esse argumento? A população precisa ficar sempre de olho nestas investidas.

Desenvolvimento urbano e preservação histórica andam juntos e dependem da vontade da população e de sua atuação frente ao poder público para acontecer. A definição dos tipos de intervenção que o patrimônio cultural pode receber ocorrem nos três níveis de poder: na esfera municipal (em São Paulo, por meio do Conpresp), estadual (Condephaat) ou federal (Iphan). Um dos instrumentos de preservação é o tombamento, temido pelos proprietários de imóveis com valor histórico. O temor tem sua razão de ser: os processos para preservação são longos, arrastando-se em alguns casos por décadas, assemelhando-se aos processos enviados para o Judiciário brasileiro; ocorre também a falta de diálogo e interação entre as três instâncias, situação essa que gera mais atrasos. Já pensou ter que esperar dez anos ou mais pela apreciação e finalização de um processo sem poder fazer nada com o seu imóvel? Mais um fator prejudicial que se pode acrescentar é a falta de participação do público envolvido nas decisões e a priorização dos elementos técnicos e estéticos, que fazem com que o bem tombado deixe de ser um elemento participativo e articulado na cidade, perdendo seu simbolismo e caráter patrimonial urbano. Resoluções tomadas exclusivamente por técnicos tendem a se dissociar da realidade do cidadão.

Outra questão importante sobre a preservação de bens culturais trata das políticas de incentivos aos proprietários de imóveis que reconhecidamente têm valor cultural. Afinal, se a edificação é tombada porque o interesse é público, a prefeitura, o Estado e a União devem oferecer contrapartidas, pois interessa a eles preservar a cultura e história do país. Em São Paulo, com a aprovação do PDE (Plano Diretor Estratégico) em 2014, a conservação do imóvel tombado passa a ser uma condição para o uso do TDC (Transferência do Direito de Construir), um dos instrumentos que podem ser utilizados como ferramenta para a obtenção de recursos para as obras de reabilitação, restauro, retrofit, requalificação e demais projetos, a depender do nível de preservação do bem. Dito de outra forma, todo o imóvel possui um potencial construtivo associados às regulações urbanísticas de cada cidade. Um imóvel, quando é tombado, não consegue usufruir de todo o potencial construtivo previsto nas leis em função das restrições impostas pelo tombamento. Com a TDC, os proprietários podem vender o potencial construtivo não utilizado para outros imóveis na cidade e investir os recursos exclusivamente na recuperação do seu, pois trata-se de dinheiro destinado apenas para esta finalidade. Com os recursos, é possível contratar mão de obra técnica qualificada e materiais adequados para restaurar o bem. 

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Por fim, o instrumento de tombamento deveria ser apenas um dos elementos que compõem as políticas de preservação cultural, mas nem sempre é o que ocorre. Ao passar pelo processo de restauro, as obras precisam atender às demais disposições legais que garantem a segurança e a habitabilidade do edifício. Um exemplo é o AVCB (Auto de Vistoria de Corpo de Bombeiros), um documento que certifica as condições de segurança contra incêndio previstas numa legislação cuja aplicação direta nem sempre é possível para imóveis construídos em outros séculos… Outro exemplo trata das necessárias questões de acessibilidade a todas as áreas dos edifícios. A despeito das normas e legislações existentes, que devem ser aplicadas, é necessário construir soluções adequadas para cada edifício de maneira particular pois a aplicação direta da lei pode levar o proprietário a incorrer em crime por descaracterização do imóvel. Cabe ao poder público resolver esse conjunto de questões de forma a colaborar com o acesso a informações sobre os incentivos existentes, bem como colaborar com programas que unifiquem ações e agilizem processos e rotinas administrativas em nome da preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Você está a um clique de opinar sobre os destinos de sua cidade, basta querer

Por meio de audiências públicas virtuais, população de São Paulo poderá discutir, até o próximo dia 30, questões como buracos na rua, lixo nos córregos e enchentes

  • Por Helena Degreas
  • 13/04/2021 09h00 – Atualizado em 13/04/2021 09h27

Texto original publicado Jovem Pan

Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo – 01/11/2012Programa de Metas da cidade de São Paulo visa melhorar as condições de qualidade de vida urbana

Recentemente, o prefeito reeleito Bruno Covas (PSDB) apresentou o Programa de Metas (PDM) da cidade de São Paulo para o quadriênio 2021-2024, atendendo a emenda nº 30 da Lei Orgânica do Município de São Paulo. As 75 metas refletem os compromissos em campanha e atendem as normas que foram estabelecidas pelo Plano Diretor Estratégico. As metas e iniciativas encontram-se divididas em seis eixos temáticos. São eles: “SP Justa e Inclusiva”, “SP Segura e Bem Cuidada”, “SP Ágil”, “SP Inovadora e Criativa”, “SP Global e Sustentável” e “SP Eficiente”. Elas estão sendo apresentadas à população por meio de audiência públicas (eletrônicas e virtuais) desde o sábado passado, 10  — e vão até 30 de abril. Se você deseja dar sugestões para acréscimos, alterações no conjunto de prioridades e estratégias propostas por Covas para os próximos quatro anos de mandato, é bom se apressar: o prazo é curto e as mudanças dependem da participação dos cidadãos no site Participe Mais. O orçamento disponível, reservado no caixa da prefeitura para os investimentos e despesas relacionados ao planejamento e execução de obras, aquisição de imóveis e instalações, equipamentos e material permanente, é de R$ 29,9 bilhões.https://3310838462592fd1121678a4ddce88de.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Dentre as iniciativas de estímulo à mobilidade ativa, o programa prevê a manutenção de 1,5 milhão metros quadrados de calçadas por meio de recursos provenientes do Plano Emergencial de Calçadas (PEC – Decreto 58.845/2019), a implantação de dois projetos de Rotas Escolares Seguras, dois de Ruas Completas e cinco de Rotas Acessíveis para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Considerando que a cidade de São Paulo tem cerca de 65 milhões de metros quadrados de calçadas em seus 20 mil quilômetros de vias, mais de 4 mil escolas municipais de ensinos infantil, fundamental e médio e que a base de dados da Secretaria da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo aponta que cerca de 7.2% do total dos paulistanos têm algum tipo de deficiência funcional, é de se esperar um conjunto de inciativas mais significativas para a população. Entendo que manutenção de calçadas não é meta e, sim, serviço corriqueiro de subprefeituras. Já a requalificação, alargamento, redesenho viário — como previstos nas inciativas que se referem às metas 38, 39 e 40 — são importantes desde que as rotas sejam planejadas por meio de uma Rede de Mobilidade a Pé (rede de circulação para a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego) que conecte e integre toda a infraestrutura de caminhadas, associando-a às demais formas de mobilidade ativa e motorizada da cidade, pois é ela que deveria nortear o planejamento e o desenho urbano.

Para tratar a questão das inundações e enxurradas provenientes das tempestades que castigam a população, a prefeitura apresenta como meta a construção de 14 novos piscinões, além da limpeza e desobstrução de 8,2 milhões de metros de extensão dos rios e córregos. Pretende-se, por meio de duas metas, ampliar a resiliência da cidade às chuvas, evitando ou impedindo enxurradas e enchentes. Tanto os piscinões quanto a limpeza resolvem as consequências — inundações e enxurradas —, mas não são capazes de evitar a origem do problema, que é a intensa impermeabilização do solo urbano ou, ainda, da infraestrutura “cinza”. Logo adiante, e dissociada das duas anteriores, a meta 62 aponta o plantio de 180 mil árvores e a criação do Sistema Geral de Arborização. As propostas estão corretas, mas trabalham de forma isolada, cada uma com suas atribuições e orçamentos individualizados por secretarias e departamentos; cada qual com seu guichê. O resultado pode gerar desperdício de recursos e baixa eficácia das ações individualizadas, uma vez que, em sua quase totalidade, as metas e iniciativas pretendem atender aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, melhorar as condições de qualidade de vida urbana dos cidadãos e mitigar ações que coloquem populações urbanas em risco de vida e material.

A questão poderia ser tratada como política pública que envolve várias secretarias, dentre as quais a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, a Secretaria Municipal de Subprefeituras, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, além da Secretaria do Verde e Meio Ambiente e a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes. Todas elas têm, nos espaços públicos da cidade, seu local de planejamento, intervenção e trabalho. Parece óbvia a relação entre o tema resiliência urbana e a necessidade de planejamento unificado… Mas ainda não é. Em 2020, o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias publicado pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte descreve, no capítulo 6 – Infraestrutura Verde e Azul, uma série de ações que tratam dos sistemas naturais, também abrigados pelo espaço viário, como arborização, parques lineares, sistemas de biorretenção e paisagismo (biovaletas, jardins de chuva, entre outros). Além dele, o Plano Municipal de Áreas Protegidas, Áreas Verdes e Espaços Livres (Planpavel), em processo de redação final realizado pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente, tem como objetivo estratégico dar sustentabilidade ambiental à cidade por meio do aumento da cobertura vegetal das áreas públicas e particulares, da ampliação e requalificação das áreas verdes públicas nos territórios densamente ocupados, carentes de cobertura vegetal e de áreas públicas de lazer, maximizando os serviços ecossistêmicos e a governança e gestão das áreas verdes, além da requalificação dos cursos d’água e espaços.

Estes foram alguns poucos comentários referentes às metas e iniciativas propostas por Bruno Covas. Questões sobre regularização das habitações subnormais, oferta de novas habitações para a população de baixo poder aquisitivo, melhoria e ampliação da rede de saneamento básico (com ênfase na coleta de esgotos domiciliares em áreas periféricas), além de assuntos vinculados à população em situação de rua serão abordados em outra coluna. O que importa hoje é que você, cidadão paulistano, cadastre-se no site Participe Mais e depois acesse o Programa de Metas 2021-2024 e Plano Plurianual 2022-2025, colocando suas opiniões sobre os assuntos que mais afetam a sua vida: buracos na rualixo nos córregos e enchentes, por exemplo. O texto é longo e a leitura difícil, mas não se sinta desencorajado. Insista. Você pode e deve participar. Nem que seja em um único ponto. Aliás, a equipe que trabalha a comunicação da prefeitura bem que poderia melhorar a apresentação, facilitando a leitura e compreensão do material publicado, incluindo ilustrações, imagens, gráficos e demais elementos para uma população que não está habituada à leitura de material técnico, não é?

Veículos elétricos podem reduzir os danos do efeito estufa e melhorar a saúde da população

Substituição gradual da frota traz vantagens na qualidade do ar dos centros urbanos e contribui com o Acordo de Paris; desafio está na ausência de infraestrutura de recarga.

publicação original Jovem Pan

Um dos vilões do efeito estufa é a queima de combustíveis fósseis, como o petróleo para gerar gasolina e abastecer carros, o diesel, utilizado por ônibus e caminhões de frete leve, e o querosene, que abastece as aeronaves. As ações humanas e seus modos de produção construídos sob uma matriz energética fóssil e finita vêm alterando o funcionamento e a temperatura do planeta. Como consequência, assistimos a eventos climáticos extremos, que levam a riscos de morte e perdas de bens materiais nas cidades, obrigando gestores públicos a adotarem tecnologias mais limpas e revisarem comportamentos “convencionais” de administração urbana, buscando construir cidades resilientes e saudáveis para a sua população.

Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta para a importância na redução das emissões de gases poluentes, visando limitar o aumento da temperatura global entre 1,5˚C e 2˚C. Além disso, enfatiza a necessidade de remoção do carbono e o tratamento adequado dos seus estoques, incluindo ações que avancem para além dos termos de compensação ambiental. Estes últimos propõem apenas o plantio de espécies nativas por empresas e setores que desejam mitigar danos ambientais e sugerem, para além disso, a obrigatoriedade de conversão de resíduos agrícolas ou lixo já produzidos em um novo combustível.

Nas cidades, o aumento da temperatura global do planeta se apresenta na forma de estiagens, pancadas de chuvas de curta duração, mas com volumes de água maiores que o habitual, inundações, enxurradas e deslizamentos. Mas há um tipo de consequência ainda pouco explorado por ser menos visível: a poluição atmosférica e suas consequências na saúde humana. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que 9 em cada 10 pessoas respiram ar contaminado, e que a poluição ambiental é o maior desafio para a saúde pública mundial. O documento enfatiza que, para cumprir as metas do Acordo de Paris, seria necessário investir cerca de 1% do PIB mundial na redução das emissões de carbono, acrescentando que os resultados poderão ser medidos “nos hospitais e também nos pulmões” da população, que deixará de sofrer com os efeitos causados pela poluição do ar.

Em entrevista ao G1, o pneumologista Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que respirar em São Paulo equivale a fumar quatro cigarros por dia. E acrescentou que quem fica mais tempo no trânsito é o mais prejudicado, referindo-se aos moradores das periferias, que permanecem horas a fio em seus trajetos diários dentro de ônibus, vans e vagões. As mortes ocorrem principalmente devido à inalação dos gases e à exposição a partículas finas, que penetram profundamente nos pulmões e no sistema cardiovascular, levando a doenças pulmonares diversas, infecções respiratórias, asma, bronquite, alergias, doenças do coração, entre outras. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a poluição do ar cause sete milhões de mortes em todo o mundo, e custe cerca de US$ 5,11 trilhões. Já no Brasil, o mesmo levantamento aponta para a morte de 50 mil pessoas ao ano. Embora subestimado, esse número equivale a um estádio de futebol como o Neo Química Arena, antigamente conhecido como Itaquerão, repleto de pessoas. É muita gente.

Embora empresas e países estejam trabalhando no sentido de “descarbonizar” (tradução livre para decarbonizing) sistemas econômicos sem emissões de dióxido de carbono (CO₂), adotando uma matriz energética limpa, no Brasil a história é diferente. Na contramão dos demais países que assumiram reduzir suas emissões globais de GEE (Gases de efeito estufa) no Acordo de Paris em 2015, o governo do presidente Jair Bolsonaro sozinho foi o responsável pelo aumento de 9,6% das emissões brutas de gases de efeito estufa apenas no ano de 2019. Estudos realizados para o Estado de São Paulo, também em 2015, indicavam que a substituição de cerca de 10% da frota movida à gasolina por veículos elétricos seria capaz de reduzir o total de emissões no Estado em 1,3% até 2030, em comparação aos valores de 2015. O mesmo estudo aponta que, se 25% da frota fosse movida por energia elétrica, haveria a redução de cerca de 26% das emissões quando comparados aos valores de 2015, mostrando que veículos elétricos podem ser uma excelente forma de mitigar os efeitos. Esta é uma boa notícia.

Como serão as cidades após a pandemia da Covid-19

Construir habitações e comércios distantes das áreas inundáveis e prover saneamento básico em regiões periféricas podem reduzir os riscos associados à transmissão de doenças contagiosas

Helena Degreas/Jovem PanA população mais afetada pela Covid-19 é justamente aquela que reside em locais mais distantes dos centros urbanos e utiliza o transporte público

Pestes, epidemia e pandemias foram responsáveis pelas mudanças na maneira como vivemos nas cidades. Fatores associados à saúde humana e ao urbanismo estão intimamente ligados ao planejamento de políticas públicas relacionadas à forma urbana e à implantação de infraestruturas sanitárias. Historicamente, aquedutos subterrâneos ou sobre a superfície foram construídos para conduzir água potável para as civilizações da antiguidade. Os romanos conseguiram desenvolver um sistema de abastecimento que envolvia 11 aquedutos tendo, o maior deles, cerca de 90 km de extensão. Ruas drenadas e pavimentadas, latrinas, cisternas, banheiras, instalações hidráulicas foram encontradas em ruínas civilizatórias que datam de mais de 3 mil anos antes de Cristo na Índia, Paquistão, Mesopotâmia e Egito

Hipócrates, conhecido como o patrono da medicina, descreve em seu tratado “Aeron Hidron Topon” as relações causais entre fatores relacionados ao meio físico e doenças  — ou ainda entre questões sanitárias e saúde da população  —, classificando as águas para uso humano e recomendando ao povo grego o afastamento da sujeira e a utilização de água pura para consumo. Vários outros exemplos sobre formulação de políticas públicas sanitárias adotadas ao longo dos séculos de constituição das cidades podem ser citados: desde a criação de espaços livres como praças e parques, para atender aspectos sociais e ambientais, até a definição de critérios técnicos como projeto, construção, licenciamento, fiscalização, manutenção, monitoramento e localização de cemitérios visando impedir a contaminação da qualidade do solo e das águas subterrâneas por eventual infiltração dos fluidos decorrentes do processo de decomposição dos corpos.

A peste bubônica levou ao planejamento de espaços públicos mais amplos, limpos e saudáveis. No renascimento, esboços de Leonardo da Vinci apresentam a Cidade Ideal formada por um conjunto de vias reticulares, edifícios com altura e densidade adequadas à dimensão das ruas para garantir boa luminosidade e ventilação, além de sistemas de esgotos e distribuição de água potável à população. A adoção de critérios sanitários para o planejamento de uma cidade com foco nas boas condições de insolação e ventilação (organização de espaços públicos projetados para acolher a circulação de pessoas e mercadorias), a definição da localização de habitações e comércios distantes das áreas inundáveis e a previsão de sistemas de esgoto e abastecimento de água potável criaram as condições sanitárias para a redução de riscos associados à transmissão de doenças contagiosas. Não é nenhuma novidade. 

De Leonardo da Vinci aos dias atuais, estas são algumas das práticas de planejamento e projeto que devem ser seguidas. Mas como ficam as regiões periféricas nos grandes centros urbanos? Se quisermos tratar nossa população e evitar as transmissões do novos vírus que ainda estão por vir, precisaremos implantar os conceitos de cidade ideal nestas regiões urgentemente. Melhorias e instalação de infraestrutura e equipamentos públicos em regiões centrais são recorrentes nos meios de comunicação: pistas cicláveis, alargamento de calçadas, parklets, jardins de chuva, muros verdes, entre outros programas e projetos “sustentáveis”, espalham-se em bairros nobres. Na cidade de São Paulo, é possível pesquisar informações como estas na plataforma GeoSampa.

No Brasil, as profundas desigualdades sociais materializam, na paisagem, extensas periferias que abrigam cidadãos precariamente. Muitos à margem das regulações urbanísticas e outros em aglomerações subnormais (favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas) moram em assentamentos irregulares e são marcados pela carência de serviços públicos essenciais como o de abastecimento de água, coleta de esgoto, coleta de lixo e fornecimento de energia elétrica. A ausência de ações concretas para o pronto atendimento de demandas, muitas delas sanitárias, afeta negativamente a vida de 5,17 milhões de domicílios distribuídos em 13.151 aglomerações em todos o país. 

A distribuição desigual de serviços públicos e infraestruturas nas cidades são características marcantes das políticas públicas urbanas e, quando analisado critério de localização no território urbano, é possível constatar que a alta incidência de infecção e mortes ocorre de maneira desigual: a população mais afetada é justamente aquela que reside em locais mais distantes dos centros urbanos e utiliza o transporte público como meio de locomoção e, mais recentemente, de contaminação pela Covid-19. A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik (professora da FAU-USP e do LabCidade) aponta a desigualdade como fator decisivo para determinar a população mais vulnerável ao contágio do coronavírus no Brasil. Destaca que são os trabalhadores de serviços essenciais, entre outros, que, ao viabilizar o isolamento social de parte da sociedade, são os primeiros a se contaminar graças às aglomerações que ocorrem nos vagões de trensmetrôsônibus e vans

A revisão do processo de planejamento urbano deverá atender e assegurar uma melhor distribuição de serviços, equipamentos públicos e infraestrutura de forma equitativa em território priorizando suas ações nas áreas periféricas e nos aglomerados subnormais. Planejar cidades resilientes a eventos extremos climáticos e sanitários, como este que estamos enfrentando agora, significa que prefeitosvereadores e técnicos públicos voltem suas ações para a promoção de moradias em áreas com infraestruturas e equipamentos públicos consolidados e conectados a um sistema de mobilidade urbana (modo ativo e motorizado público) eficiente, inclusivo e eficaz para a sociedade. 

Feios, sujos e maltratados: por que grande parte dos rios urbanos estão em condições tão degradantes?

Exemplos mostram que investimentos públicos em saneamento básico têm retornos imediatos na saúde e na qualidade de vida do cidadão

  • Por Helena Degreas
  • 16/02/2021 09h00 – Atualizado em 16/02/2021 09h21

Helena Degreas/Jovem PanCórrego na cidade de São Paulo que deságua no rio Tietê

Em algum momento você já deve ter passado próximo a um córrego malcheiroso, com as margens ocupadas por habitações subnormais e repleto de entulho boiando em suas águas escuras e lodacentas. Por que a água doce, líquido tão precioso, bem natural indispensável à existência humana, é tratado desta maneira? Não é possível considerar natural e tampouco aceitável viver em cidades cujos rios e córregos encontram-se em condições de abandono e degradação. Mas por que isso ocorre? Muitas das formas como as cidades tratam seus rios vêm mudando ao longo das últimas décadas à medida que somos forçados a encarar as consequências de políticas públicas alheias às questões ambientais e de ocupação irregular do solo urbano. Trata-se de uma reflexão sobre a maneira como se dá o processo de urbanização brasileiro e o enfrentamento das questões globais sobre saneamento e riscos à saúde da população. A resposta para a questão do cheiro horrível que exala das águas dos nossos rios está diretamente relacionada às questões de ausência de saneamento básico. É uma situação grave pois, para além do cheiro ruim, as condições das águas afetam diretamente a saúde da população e a qualidade de vida urbana. 

Embora direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei nº. 11.445/2007, apenas a metade da população brasileira tem coleta de esgoto. Dito de outra forma, são cidadãos brasileiros que, além de não terem coleta e tratamento de esgoto, também não têm o lixo de suas casas e de suas ruas recolhido, tratado e encaminhado para instalações de manejo de resíduos sólidos como aterros sanitários. Isso mesmo: mais de 100 milhões de brasileiros não têm, por exemplo, onde deixar o lixo gerado em suas casas. O que fazer com ele? Deixar acumular? Jogar nas águas dos rios? O que esperam os gestores de nossas cidade e estados?

Relatório divulgado em 2017 pela Agência Nacional de Águas – ANA (antigo Ministério das Cidades, extinto com a edição da Lei Nº 13.844, de 18 de junho de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro, que, por sinal, não é afeito a questões ambientais e à sustentabilidade do planeta), o Atlas Esgotos – Despoluição de Bacias Hidrográficas, mostrava que 81% (4.490 de 5.570) dos municípios despejam pelo menos 50% do esgoto que produzem diretamente em cursos d’água próximos, sem submetê-los a qualquer trabalho de limpeza. Cerca de 9,1 toneladas de esgoto sanitário são produzidas diariamente. De acordo com o Instituto Trata Brasil, 55% dele não é tratado. É como se 6000 piscinas olímpicas cheias de esgoto fossem lançadas nos rios e córregos de nossas cidades diariamente. Não é difícil entender o porquê da morte dos rios brasileiros. Pelos dados citados, tem-se a impressão de que os rios que atravessam a cidade têm a função de diluir os efluentes residenciais e industriais neles lançados. Tratamento e ligação de esgoto nas residências é fundamental. Mas como realizar esse trabalho se um número significativo de habitações nas cidades brasileiras encontra-se à margem da regulação urbanística? Ainda assim, como convencer proprietários que têm a posse legal a autorizar a ligação para a coleta de esgoto em suas casas se a conta virá mais cara ao final do mês? Saneamento básico associado a políticas habitacionais eficazes andam juntas.

Muitos são os exemplos de rios que atravessam cidades e que, com esforço de governos de países e cidades, requalificaram suas águas para usos ambientais, culturais e recreacionais, incluindo mobilidade e produção de alimentos. Vontade política para realizar obras deste porte são necessárias. Exemplos como os dos rios Reno (AlemanhaSuíça e Holanda), Tâmisa (Londres), Sena (Paris) e Cheonggyecheon (Seul), realizada em menos de dez anos, envolveram esforços conjuntos entre a iniciativa privada, populações e governos para despoluir suas águas e requalificar suas margens. No Brasil, também podemos encontrar exemplos bem sucedidos. Em São Paulo, temos o Parque Linear Banal-Canivete, implantado em 2012 e que está localizado no Jardim Damasceno, zona norte da cidade. Local carente de espaço livres públicos para o uso da população desencadeou uma série de mudanças nas dinâmicas sociais locais, que passaram a utilizar com intensidade suas praças e equipamentos de recreação.

A produção de novos espaços públicos gera encontros comunitários e sociais, contribuindo para a qualidade de vida urbana e interferindo positivamente nas questões ambientais por meio da redução da temperatura, melhoria da qualidade do ar, absorção das águas das chuvas e redução do número de pontos de enchentes, entre outros benefícios. Além dele, está prevista a implantação do Parque Linear do Rio Pinheiros. Este último pretende criar espaços diversificados mesclando usos recreativos e culturais que foram associados à despoluição do rio por meio obras de esgotamento sanitário e requalificação das margens, impactando positivamente na vida da população que reside e trabalha em seu entorno.

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Coluna originalmente publicada aqui

Cientistas alertam para a urgência em declarar emergência climática

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Imagem:  Climate activists in a Fridays for Future rally in Leeds on Friday. Photograph: Danny Lawson/PA Fonte: The Guardian

Nota: a tradução do artigo foi realizada de forma “livre” (não sou tradutora) tem finalidade didática. Sugestões para correção de equívocos na interpretação são bem-vindas.

Texto original na íntegra: clique aqui

William J. Ripple1* , Christopher Wolf1* , Thomas M. Newsome2 , Phoebe Barnard3,4 , William R. Moomaw5 , xxxxx scientist signatories from xxx countries (list in supplemental file S1) 1 Department of Forest Ecosystems and Society, Oregon State University, Corvallis, OR 97331, USA 2 School of Life and Environmental Sciences, The University of Sydney, Sydney, NSW 2006, Australia 3Conservation Biology Institute, 136 SW Washington Avenue, Suite 202, Corvallis, OR 97333, USA 4 African Climate and Development Initiative, University of Cape Town, Cape Town, 7700, South Africa. 5 The Fletcher School and Global Development and Environment Institute, Tufts University, Medford, MA, USA

*Esses autores contribuíram igualmente para o trabalho.

Os cientistas têm a obrigação moral de alertar claramente a humanidade sobre qualquer ameaça catastrófica e dizer como está. ‘Com base nessa obrigação e nos dados apresentados abaixo, proclamamos aqui, com mais de 10.000 cientistas signatários de todo o mundo, uma declaração clara e inequívoca de que existe uma emergência climática no planeta Terra.

Exatamente há 40 anos, cientistas de 50 nações se reuniram na Primeira Conferência Mundial do Clima (Genebra, 1979) e concordaram que havia tendências alarmantes para as mudanças climáticas tornando a necessidade de agir frente a essa questão urgente.

Desde então, foram feitos durante a Cúpula do Rio de 1992, no Protocolo de Kyoto de 1997, no Acordo de Paris de 2015, bem como dezenas de outras assembleias globais e vários cientistas – com avisos explícitos sobre o progresso insuficiente (Ripple et al. 2017) no trato sobre a questão climática. No entanto, as emissões de gases de efeito estufa (GEE) ainda estão aumentando, com efeitos cada vez mais prejudiciais sobre o clima da Terra. Uma imensa mudança de escala de esforços que precisam ser realizados para conservar nossa biosfera faz-se necessário para evitar sofrimentos incalculáveis devido à crise climática (IPCC 2018).

A maioria das discussões públicas sobre mudanças climáticas baseia-se apenas na temperatura global da superfície, medida inadequada para captar a amplitude das atividades humanas e os perigos reais decorrentes do aquecimento global (Briggs et al. 2015). Os responsáveis pela formulação de políticas públicas e a população precisam urgentemente ter acesso a um conjunto de indicadores que comuniquem os efeitos das atividades humanas nas emissões de GEE (gases de efeito estufa) e os consequentes impactos no clima, no ambiente e na sociedade. Com base em trabalhos anteriores (consulte o arquivo suplementar S2), apresentamos um conjunto de sinais vitais gráficos[i] de mudanças climáticas ocorridas nos últimos 40 anos pelas atividades humanas que podem afetar as Emissões de GEE / mudança climática (Figura 1) e impactos climáticos reais (Figura 2). Usamos apenas conjuntos de dados relevantes, claros, compreensíveis e sistematicamente coletados e atualizados anualmente dos últimos cinco anos.

A crise climática está intimamente ligada ao consumo excessivo associado a um estilo de vida rico. A maioria dos países ricos são os principais responsáveis pelas emissões históricas de GEE e geralmente têm as maiores emissões per capita (Tabela S1). Aqui, mostramos padrões gerais, principalmente em escala global, assim como também são muitos os esforços climáticos que envolvem regiões e países individualmente. Nossos sinais vitais são projetados para serem úteis ao público, aos formuladores de políticas, à comunidade empresarial e àqueles que trabalham na implementação do acordo climático de Paris, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e aos objetivos Convenção da Diversidade Biológica de Aichi.

Tabela 1: Quadro S1 Resumos regionais para os 24 países e a União Europeia. As variáveis mostradas tratam da emissão de “CO²” (emissões totais de CO² associadas ao consumo de combustíveis fósseis em mega toneladas de CO²), da “População” tamanho da população em milhões), do “CO² / capita” (emissões de CO² per capita em toneladas por pessoa), “compartilhar” (porcentagem de todas as emissões de CO² associadas ao consumo de combustíveis fósseis em comparação com o total global) e “PIB / capita” (produto interno bruto per capita em dólares dos EUA por pessoa). Todos os dados são do ano 2018, exceto o PIB do Irã, que é de 2017 (a estimativa de 2018 ainda não estava disponível). Detalhes adicionais nas variáveis são fornecidas nas informações suplementares abaixo.

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Os sinais profundamente preocupantes das atividades humanas incluem aumentos sistemáticos da população humana quanto na de animais ruminantes como também aumentos significativos na produção de carne per capita, no produto interno bruto mundial, na perda global de cobertura de áreas florestadas, no consumo de combustíveis fósseis, mo número de passageiros transportados, nas emissões de dióxido de carbono (CO²) e nas emissões de CO² per capita desde 2000 (Figura 1, ficha suplementar S2).

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Figura 1. Mudança nas atividades humanas globais de 1979 até o presente. Esses indicadores estão vinculados ao menos, em parte, às mudanças climáticas. No painel (f), a perda anual de cobertura de árvores pode ser por qualquer motivo (por exemplo, incêndio florestal, colheita nas plantações de árvores ou conversão de florestas em terras agrícolas). O ganho da floresta não está envolvido no cálculo da perda de cobertura arbórea. No painel (h), “GT oe / ano” é a abreviação de gigatoneladas de equivalente de petróleo por ano; a hidroeletricidade e a energia nuclear são mostradas na Figura S2. As taxas mostradas nos painéis são as mudanças percentuais por década em todo o intervalo da série temporal. Os dados anuais são mostrados usando pontos cinza. Linhas pretas são linhas de tendência suaves de regressão local. Fontes e detalhes adicionais sobre cada variável é fornecida no arquivo suplementar S2, incluindo a Tabela S2.

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Figura S1. – Dióxido de carbono médio mensal medido no Observatório Mauna Loa, Havaí. Os dados de dióxido de carbono (curva preta), medidos como a fração molar no ar seco, em Mauna Loa constituem o registro mais longo de medições diretas de CO² na atmosfera. […] A linha preta representa os valores médios mensais, centralizados no meio de cada mês. A linha vermelha representa o mesmo, depois da correção para o ciclo sazonal médio. Este último é determinado como uma média móvel de SETE ciclos sazonais adjacentes, centrados no mês a ser corrigido, exceto o primeiro e o último TRÊS e anos e meio de registro, em que o ciclo sazonal foi calculado em média nos primeiros e últimos sete anos, respectivamente. Fonte https://www.esrl.noaa.gov/gmd/ccgg/trends/

Os sinais profundamente preocupantes das atividades humanas incluem aumentos sistemáticos tanto da população humana quanto de animais ruminantes. Também vem ocorrendo aumento significativo aumentos na produção de carne per capita, no produto interno bruto mundial, na perda global de cobertura florestada, no consumo de combustíveis fósseis, no número de passageiros transportados, nas emissões de dióxido de carbono (CO²) e nas emissões de CO² per capita desde 2000 (Figura 1, ficha suplementar S2). Sinais encorajadores incluem a redução das taxas globais de fertilidade (nascimento) (Figura 1b), a desaceleração da perda de floresta na Amazônia brasileira (Figura 1g), o aumento do consumo de energia solar e eólica (Figura 1h), a redução do investimento institucional na produção de combustível em mais de sete trilhões de dólares americanos (Figura 1j) e a proporção de emissões de GEE cobertos pelo preço do carbono (Figura 1m). No entanto, o declínio nas taxas de fertilidade humana desacelerou significativamente nos últimos 20 anos (Figura 1b) e o ritmo de perda de florestas na Amazônia brasileira começou a aumentar novamente (Figura 1g). O consumo de energia solar e eólica aumentou 373% por década mesmo assim em 2018 ainda era 28 vezes menor que o consumo de combustível fóssil (gás, carvão, petróleo) (Figura 1h). Em 2018, aproximadamente 14,0% das emissões globais de GEE eram cobertas pelo preço do carbono (Figura 1m), mas o preço médio global ponderado das emissões por tonelada de dióxido de carbono foi de apenas US $ 15,25 EUA (Figura 1n). É necessário um preço de taxa de carbono muito mais alto (IPCC 2018, Seção 2.5.2.1). Os subsídios anuais a combustíveis fósseis para empresas de energia têm flutuado e, devido a um aumento recente, foram superiores a US $ 400 bilhões em 2018 (Figura 1o).

O aquecimento dos oceanos, o aumento do nível do mar, os incêndios nos territórios dos Estados Unidos e demais condições climáticas cresceram de forma significativa impactando a vida marinha, de água doce e terrestre, o plâncton e corais, peixes e florestas (IPCC 2018, 2019). Essas questões apontam para a necessidade urgente de ação.

Apesar de 40 anos de negociações climáticas globais, com poucas exceções, a condução dos negócios manteve-se igual levando ao fracasso em lidar com essa situação (Figura 1). A crise climática chegou e está se acelerando mais rapidamente do que a maioria dos cientistas esperava (Figura 2,IPCC 2018). É mais grave do que o previsto, ameaçando os ecossistemas naturais e o destino da humanidade (IPCC 2019).  Especialmente preocupantes são os potenciais pontos de inflexão climática e os feedbacks que a natureza vem demonstrando (atmosféricos, marinhos e terrestres) que apontam para uma catastrófica “Terra da estufa”, muito além do controle dos seres humanos (Steffen et al. 2018). Essas reações em cadeia do clima podem causar perturbações significativas nos ecossistemas, na sociedade e nas economias, potencialmente criando grandes áreas inabitáveis na Terra.

Para garantir um futuro sustentável, precisamos mudar a maneira como vivemos, de forma a melhorar os sinais vitais resumidos em nossos gráficos. O crescimento econômico e o populacional estão entre os fatores mais importantes para o aumento das emissões de CO² oriundas da combustão fóssil (Pachauri et al. 2014, Bongaarts e O‘Neill 2018); portanto, precisamos de transformações ousadas e drásticas em relação às políticas econômicas e populacionais. Sugerimos seis etapas críticas e inter-relacionadas (em nenhuma ordem específica) que governos, empresas e o resto da humanidade podem adotar para diminuir os piores efeitos das mudanças climáticas. Essas são etapas importantes, mas não são as únicas ações necessárias ou possíveis (Pachauri et al. 2014; IPCC 2018, 2019).

  1. Energia: O mundo deve implementar rapidamente práticas maciças de eficiência e conservação de energia, substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis de baixo carbono (Figura 1h) e outras fontes de energia mais limpas, mais seguras para as pessoas e o meio ambiente (Figura S2). Devemos deixar estoques remanescentes de combustíveis fósseis no solo [ver linhas do tempo no IPCC (2018)] e buscar cuidadosamente emissões negativas efetivas usando tecnologias como a extração de carbono da fonte e da captura do ar, aprimorando os sistemas naturais (Etapa 3 ) Os países mais ricos precisam apoiar os países mais pobres na transição para esta mudança nas fontes de energia. Devemos eliminar rapidamente os subsídios às empresas de combustíveis fósseis (Figura 1o) e usar esquemas eficazes e justos para aumentar constantemente os preços do carbono para restringir o uso de combustíveis fósseis;
  2. Poluentes de vida curta. Precisamos reduzir rapidamente as emissões de poluentes climáticos de curta duração, incluindo metano (Figura 2b), carbono preto (fuligem) e hidrofluorcarbonetos (HFCs). Isso poderia retardar os feedbacks climáticos e potencialmente reduzir a tendência de aquecimento de curto prazo em mais de 50% nas próximas décadas, salvando milhões de vidas e aumentando o rendimento das culturas devido à redução da poluição do ar (Shindell et al. 2017). A alteração de Kigali de 2016 para eliminar gradualmente os HFCs é bem-vinda;
  3. Natureza. Nós devemos proteger e restaurar os ecossistemas da Terra. Fitoplâncton, recifes de coral, florestas, savanas, pradarias, pântanos, turfeiras, solos, manguezais e gramíneas marinhas contribuem muito para o sequestro de CO² atmosférico. Plantas marinhas e terrestres, animais e microrganismos desempenham papéis significativos no ciclo e armazenamento de carbono e nutrientes. Precisamos reduzir rapidamente a perda de florestas e biodiversidade (Figura 1f-1g), protegendo as florestas primárias e intactas restantes, especialmente aquelas com reservas de alto carbono e florestas mais jovens, com capacidade de sequestrar rapidamente o carbono (proforestação), enquanto realizamos reflorestamento e arborização, onde for apropriado, em escalas significativas. Embora a terra disponível possa ser limitadora em alguns lugares, até um terço das reduções de emissões necessárias até 2030 para atender ao acordo de Paris (<2˚C) poderiam ser obtidas com essas soluções climáticas naturais (Griscom et al. 2017).
  4.  Comida. Comer principalmente alimentos à base de plantas e reduzir o consumo global de produtos de origem animal (Figura 1c-1d), especialmente gado ruminante (Ripple et al. 2014), pode melhorar a saúde humana e reduzir significativamente as emissões de GEE (incluindo o metano na etapa 2). Além disso, isso liberará as terras cultivadas para o cultivo de plantas necessárias aos seres humanos em vez de alimentos liberando áreas de pastagens como apoio às soluções climáticas naturais (etapa 3). Práticas de cultivo para conservação, aumentam o carbono do solo e são de vital importância. Precisamos reduzir drasticamente a enorme quantidade de desperdício de alimentos em todo o mundo.
  5. Economia. A extração excessiva de materiais e a superexploração de ecossistemas, impulsionadas pelo crescimento econômico, devem ser rapidamente reduzidas para manter a sustentabilidade a longo prazo da biosfera. Precisamos de uma economia livre de carbono que aborde explicitamente a dependência humana da biosfera e políticas que orientem as decisões econômicas do acordo. As metas do crescimento do PIB e a busca incessante de riqueza precisam ser revistas com o objetivo de apoiar o bem estar humano, o apoio aos ecossistemas priorizando as necessidades básicas e a redução das desigualdades.
  6. População. Ainda aumentando em cerca de 80 milhões de pessoas por ano ou > 200.000 por dia (Figura 1a-1b), devemos estabilizar e, idealmente, reduzir gradualmente a população mundial dentro de uma estrutura que garanta a integridade social. Existem políticas comprovadas e eficazes que fortalecem os direitos humanos, diminuindo as taxas de fertilidade e diminuindo os impactos do crescimento da população nas emissões de GEE e na perda de biodiversidade. Essas políticas envolvem a disponibilização de serviços de planejamento familiar a todas as pessoas (e a remoção de barreiras ao acesso) e a obtenção da equidade total de gênero, incluindo a educação primária e secundária como norma global para todos, especialmente meninas e mulheres jovens (Bongaarts e O’Neill 2018).

Mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas, honrando a diversidade dos seres humanos, implica grandes transformações nas maneiras como nossa sociedade global funciona e interage com os ecossistemas naturais. Somos encorajados por uma recente onda de preocupação. Órgãos governamentais estão fazendo declarações de emergência climática. Os estudantes são impressionantes. Os processos de ecocídio estão em andamento nos tribunais. Os movimentos de cidadãos de base estão exigindo mudanças, e muitos países, estados e províncias, cidades e empresas estão respondendo ativamente.

Como uma Aliança dos Cientistas do Mundo, estamos prontos para ajudar os tomadores de decisão em uma transição justa para um futuro sustentável e equitativo. Instamos o uso generalizado de sinais vitais, que permitirão melhorar a qualidade das decisões daqueles que são responsáveis pela formulação de políticas, do setor privado ao público, e melhorar o entendimento e a magnitude dessa crise, além de acompanhar o progresso e realinhar as prioridades para aliviar as mudanças climáticas.

A boa notícia é que essa mudança transformadora, com justiça social e econômica para todos, promete muito mais bem-estar humano a longo prazo do que os negócios de sempre. Acreditamos que as perspectivas serão maiores se os tomadores de decisão e toda a humanidade responderem prontamente a esse aviso e declaração de emergência climática e agirem para sustentar a vida no planeta Terra, nosso único lar.

Revisores colaboradores

Franz Baumann, Ferdinando Boero, Doug Boucher, Stephen Briggs, Peter Carter, Rick Cavicchioli, Milton Cole, Eileen Crist, Dominick A. DellaSala, Paul Ehrlich, Iñaki Garcia-De-Cortazar, Daniel Gilfillan, Alison Green, Tom Green, Jillian Gregg, Paul Grogan, John Guillebaud, John Harte, Nick Houtman, Charles Kennel, Christopher Martius, Frederico Mestre, Jennie Miller, David Pengelley, Chris Rapley, Klaus Rohde, Phil Sollins, Sabrina Speich, David Victor, Henrik Wahren, and Roger Worthington

Financiamento

O Worthy Garden Club forneceu financiamento parcial para este projeto.

Site do Projeto
Para visualizar o site da Alliance of World Scientists ou assinar este documento, vá para:
https://scientistswarning.forestry.oregonstate.edu/

Material suplementar

Os dados suplementares estão disponíveis no BIOSCI online, incluindo o arquivo suplementar 1 (lista completa de todos xxxxx signatários) e arquivo suplementar 2.

Referências

Briggs S, Kennel CF, Victor DG. 2015. Planetary vital signs. Nature Climate Change 5:969.

Bongaarts J, O‘Neill BC. 2018. Global warming policy: Is population left out in the cold? Science 361:650–652.

Griscom BW et al. 2017. Natural climate solutions. Proceedings of the National Academy of Sciences 114:11645–11650.

IPCC. 2018. Global Warming of 1.5° C: An IPCC Special Report. Intergovernmental Panel on Climate Change.

IPCC. 2019. Climate Change and Land. Intergovernmental Panel on Climate Change.

Pachauri RK et al. 2014. Climate change 2014: synthesis report. Contribution of Working Groups I, II and III to the fifth assessment report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Intergovernmental Panel on Climate Change.

Ripple WJ, Smith P, Haberl H, Montzka SA, McAlpine C, Boucher DH. 2014. Ruminants, climate change and climate policy. Nature Climate Change 4:2–5.

Ripple WJ, Wolf C, Newsome TM, Galetti M, Alamgir M, Crist E, Mahmoud MI, Laurance WF. 2017. World Scientists‘ Warning to Humanity: A Second Notice. BioScience.

Shindell D, Borgford-Parnell N, Brauer M, Haines A, Kuylenstierna J, Leonard S, Ramanathan V, Ravishankara A, Amann M, Srivastava L. 2017. A climate policy pathway for near-and long-term benefits. Science 356:493–494.

Steffen W et al. 2018. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene. Proceedings of the National Academy of Sciences 115:8252–8259.

Observação:
O material complementar poderá ser lido ma íntegra no artigo original que se encontra aqui
Documento Original

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[i] Sinais vitais da terra – International Geosphere-Biosphere Programme include global land surface temperature anomalies, atmospheric carbon dioxide, arctic minimum sea ice extent and global mean sea level.

Age-friendly world: ou ainda, cidades para todas as fases da vida

Fonte: “- pondering” by Jack Kurzenknabe is licensed under CC PDM 1.0 

Ambientes favoráveis ao envelhecimento são aqueles que influenciam e oferecem experiências e oportunidades positivas à vida urbana em qualquer idade ao reconhecer e incluir em seu planejamento que tanto o corpo quanto a mente mudam com o passar dos anos. Incorporam na concepção de seus projetos e ações as mudanças pelas quais corpo e intelecto passam numa fase mais madura da vida, entendendo que os cidadãos têm o direito de viver física e socialmente no lugar que escolheram de forma ativa, produtiva, segura, autônoma, digna enfim.

Para atender à crescente demanda por cidades que atendam às expectativas dos idosos, a Organização Mundial da Saúde – OMS criou um programa direcionado à promoção de ambientes que favoreçam um envelhecimento saudável e ativo. Denominado Age-Friendly World, o programa é adotado por mais de mil cidades em 40 países que compõem uma Rede Global de Cidades e Comunidades favoráveis ao processo de envelhecimento, conhecidas no Brasil como Cidades Amigas do Idoso. Vale ressaltar que o termo Age-Friendly World carrega um conceito mais profundo que não se restringe apenas à população idosa. Trata-se de conceber, planejar, projetar, desenhar cidades para atender a todas as idades e fases da vida de indivíduos, famílias e comunidades.

Ser membro do programa ou receber o Certificado da OMS não significa que as cidades tenham adaptado seus ambientes de forma parcial ou plena. É um reconhecimento dado ao compromisso assumido pela governança local para adaptar a cidade às diretrizes da rede mundial.

Dentre as diretrizes do programa da OMS, destacam-se as ações que devem atender aos oito domínios ou ainda boas práticas para o exercício da vida cotidiana em cidades e que podem impactar na qualidade de vida e saúde da população. São eles:

• Espaços ao ar livre e edifícios;
• Transportes;
• Habitação;
• Participação social;
• Respeito e integração social;
• Participação cívica e emprego;
• Comunicação e informação;
• Apoio da comunidade e serviços de saúde.

Além destes 8 domínios ou práticas e ações, mais uma categoria foi incorporada:

Escolhas locais

Em nosso próximo post, falaremos sobre este e outros assuntos vinculados ao urbanismo e à adaptação e projeto de nossas cidades para todas as fases da vida.

 

 

Acessibilidade: siga essa ideia!

https://youtu.be/sfktCgSPE88