Bairros calmos, seguros e confortáveis: o direito de envelhecer dignamente

Este post traz um podcast que trata do direito de envelhecer no lugar que você escolheu para morar. Na rua, no bairro e na cidade que você escolheu. De maneira, confortável, segura e digna.

E o que vem a ser isso?
É o lugar em que tudo que você precisa no dia a dia pode ser realizado a pé em até 15, 20 minutinhos da sua casa.
O podcast é um complemento ao post publicado no Portal Acesse.
No artigo chamado –  ‘Ville du 1/4h’: bairros resilientes às diferentes etapas da vida – falei sobre um conceito contemporâneo conhecido como Cidade de 15 minutos que é tema de discussão da Agenda Urbana Internacional e está vinculado aos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU – Organização das Nações Unidas.
No podcast eu poderia falar também da Cidade Amiga do Idoso mas, quem me conhece, sabe que apesar dos avanços promovidos pela proposta, sou a favor da acessibilidade que segue os princípios de Desenho Universal.
Em outras palavras ou atende a todas as pessoas independente da idade, gênero, etnia, cultura, perfil econômico ou precisa ser repensada para fazê-lo. Fragmentar um bairro em setores que atendem grupos específicos é uma inclusão ruim. Assim, o conceito de cidade a pé, cidade para pessoas, cidade para todos ou cidades e bairros para todas as fases da vida são propostas que vem substituir a cidade pensada para o automóvel. O urbanismo modernista proposto pela Carta de Atenas preconizou a cidade funcional propondo a separação das áreas residencias, de lazer e de trabalho por meio da setorização espacial e do planejamento do uso do solo. A priorização da circulação do automóvel particular, fragmentou a cidade por meio de inúmeras vias expressas. Este documento veio como resposta do ponto de vista dos arquitetos para atender as necessidades de problemas urbanísticos causados pelo rápido crescimento da população nas cidades à época.

Devolver a cidade para as pessoas por meio do redesenho local deve ser prioridade para governantes. O bairro onde moro, aqui em alto de Pinheiros na cidade de São Paulo tem uma população em que a faixa etária predominante é de 50 e poucos anos. Em 2030, cerca de 34% do total dos moradores locais terá por volta de 60 e poucos anos. Ou iniciamos uma revisão do design dos bairros agora, ou em 10 anos estaremos com baixa qualidade de vida.

Sobre gentilezas urbanas…

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Praticar a gentileza em ambientes urbanos com grande movimento de pessoas parece impossível, verdadeira obra de ficção.  Mas não foi o que aconteceu na rua Santa Clara quase esquina da Rua Bresser região conhecida por seu comércio pujante na cidade de São Paulo.

Passei por lá para pesquisar preços para o novo estofamento do meu sofá quando, do nada algo me chama a atenção. Uma geladeira na calçada. Amarela, colorida, linda!

Sim, uma geladeira. Confesso que fiquei reticente em abrir apesar da minha imensa curiosidade. Geminianos são assim. Mas acredito que neste caso, qualquer um que se deparasse com uma geladeira amarela sozinha na calçada se sentiria impelido a abrir. Somos humanos curiosos.

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Tomei coragem: fotografei de todos os ângulos primeiro.

Depois li tudo, absolutamente TUDO o que estava escrito nela. Estava bem adesivada, instruções claras e… só faltava abrir.

Coloque a mão e… ABRI: não havia nada dentro. Era hora do almoço: 12h30

Funcionamento impecável. Até a lâmpada de dentro estava acesa. Estava limpíssima – acho até que bem mais do que a minha que limpo semanalmente.

De quem era? quem teve essa ideia bacana? será que a geladeira havia sido colocada naquele dia? tinha alguém zelando pela integridade dela? ou simplesmente deixou lá porque é uma pessoa que ainda acredita na humanidade?

Como detetive de araque, segui a fiação… passou por trás do primeiro vaso, do segundo, subiu a parede, a porta, a vitrine e, por fim, entrou na loja pela porta.

Entro. Curiosidade me matando. Pergunto para o caixa da loja: de quem é a geladeira? “fala com a gerente” diz a moça.

Vou atrás.

Explico para a gerente Juliana que já tinha visto várias iniciativas gentis na rua: cabideiro com roupas usadas, local com livros para compartilhar, flores num carrinho para você pegar, bancos, mesas…, mas, comida?

#AltaAnsiedade

Transformo-me em uma metralhadora de perguntas: vocês colocaram a geladeira? está funcionando? ninguém destruiu? nenhum engraçadinho teve alguma ideia besta e colocou algo que não deveria dentro? quem está usando? as pessoas estão gostando? como faz para participar? que tipo de comida vai lá dentro? e no final de semana? também colocam comida?

“Sim” diz Juliana: comida. E emenda: “e por que não?”

De fato, pensei: “E por que não?”

No começo ela disse que ficou um pouco preocupada com o tipo de uso. Mas logo depois tranquilizou-se pois percebeu que todos aqueles que abrem e tiram algo, voltam e colocam algo dentro depois, quando podem. O dono do restaurante de quilo ao lado da geladeira deixa algumas marmitinhas todos os dias em que está aberto. O ambulante da esquina que vende abacaxi e melancia em fatias no saquinho, deixa lá também. Tem um outro, dono da lotérica, que deixa copinhos de água e, vez e outra, refrigerante. Ela mesma sempre deixa alguma fruta embrulhada para consumo.

E quem abre e pega a comida de dentro? qualquer um, sem restrição. Desde o pedinte do bairro aos funcionários das lojas, gente que estaciona o carro abre a porta da geladeira e pega uma fruta ou água. Todos pegam e todos até o momento colaboram. Estava vazia porque era o horário do almoço. E mais: “se você voltar lá novamente vai ver que alguém já colocou uma comidinha dentro”.

Fico feliz. Vários estudos mostram que, se você é gentil com alguém, você se sente feliz.

Sinto-me realmente feliz com a iniciativa da loja e mais: como sou viciada nas pechinchas lá da Bresser, voltarei com a minha contribuição: faço pães e bolos para consumo próprio em casa e a família não dá conta de comer tudo. Continuarei distribuindo no farol, mas deixarei SEMPRE de agora em diante dentro da geladeirinha amarela aquilo que para mim é muito e, sobra. Como retorno ganho felicidade de volta!