Cidadãos, empresas e governos são corresponsáveis pelas mortes e danos materiais ocorridos no Rio Grande do Sul

Voto consciente é fundamental para a mudança: os cidadãos ajudam a criar uma cultura ambiental mais forte, influenciando políticas públicas e práticas empresariais em direção a um futuro mais sustentável

Se a agenda ambiental fosse prioridade, pergunto: por que estas sinalizações de segurança ainda existem? Divulgação/Prefeitura de Taubaté

Por Helena Degreas29/05/2024 11h01 – Atualizado em 29/05/2024 11h02 para a Jovem Pan News

Recentemente, o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, emitiu uma declaração que sobre a tragédia que ocorreu no Estado. “Estudos alertaram, mas o governo também vive outras agendas”, afirmou Leite sobre as previsões da “tragédia anunciada” no RS, ilustrando como os líderes políticos precisam equilibrar diferentes demandas e prioridades em sua gestão. Tem razão: uma agenda política não é apenas uma lista de compromissos assumidos em campanha eleitoral; é um roteiro que guia as decisões que moldam o funcionamento das cidades. Reflete as prioridades, planos e objetivos que governos e líderes políticos se comprometem a realizar durante seus mandatos para atender as necessidades daqueles que moram nas cidades, ou seja, nós, cidadãos. Portanto, ao elegê-los com nosso voto, somos corresponsáveis por escolher aqueles que definirão as políticas, prioridades locais e, portanto, as agendas municipais, estaduais e federais e a destinação de recursos orçamentários para as ações que podem, com os anos, evitar os impactos causados pelas mudanças do clima. Como bem lembrou o governador, estudos alertaram para o eventual impacto que as chuvas e ventos poderiam causar nas cidades atingidas incluindo os mapeamentos sobre as áreas de risco, mas, as agendas políticas traçadas por nossos representantes nas escalas federal, estadual e municipal, tratou como questão menor nas discussões políticas, refletindo nos orçamentos o descaso.

Opiniões divergentes sobre os mais diversos assuntos sempre existiram. Mas, quando a desinformação sobre pautas urbanas impera, especialmente sem base científica, as agendas urbanas e a destinação de orçamentos podem ser prejudicadas, levando à priorização de projetos ineficazes, ao desperdício de recursos públicos e à resistência a políticas essenciais, como aquelas que levam à descarbonização. E mais: pode incentivar políticas de curto prazo que não resolvem problemas estruturais, intensificar a polarização política, dificultando a cooperação entre partes interessadas, e erodir a confiança pública em instituições governamentais. Exemplos como evidenciado pela fala do vereador Sandro Fantinel, do PL de Caxias do Sul, que atribuiu a proteção do meio ambiente como a causa da tragédia no Rio Grande do Sul. Essa visão polarizada, ausente de lastro científico, ilustra a resistência de atores políticos, eleitos pelos cidadãos, em investir em infraestrutura resiliente aos extremos climáticos. A falta de conscientização e conhecimento sobre a importância da sustentabilidade e das práticas ecossistêmicas por atores políticos, empresas e cidadãos, contribui para a resistência em adotar políticas ambientais robustas e para a priorização inadequada de recursos e projetos que não levam em conta os impactos ambientais a longo prazo. Além disso, os eventos adversos, causados ou agravados por ações humanas que resultam em danos ao meio ambiente, podem ser considerados, de certa forma, como sinistros ambientais ao identificar o comprometimento das ações humanas nas questões que afetam a resiliência dos territórios frente aos extremos climáticos. Todos previstos por diversos profissionais qualificados, que “alertaram” para as consequências, perdas e danos, como ocorreu no Rio Grande do Sul.

Exigir a proatividade dos diversos atores políticos para a adoção da cultura ambiental em políticas urbanas, embora seja uma tarefa hercúlea, pode promover mudanças significativas nos processos de decisão de governos e empresas que levem à descarbonização. Escolhas de consumo conscientes, como optar por produtos e serviços de empresas sustentáveis, incentivam o mercado a valorizar a responsabilidade ambiental, levando à integração dos critérios ESG na tomada de decisões de investimento e na gestão empresarial. A participação em movimentos sociais, engajando-se em campanhas, petições e manifestações levam não apenas à conscientização das pessoas, mas também, aumentam a pressão pública levando políticos a priorizar as questões ambientais em sua agenda, resultando na criação de novas leis e políticas públicas que promovam a sustentabilidade e a proteção ambiental.
Portanto, o apelo aos governos, às empresas e aos cidadãos torna-se ainda mais urgente. Precisamos de uma mudança de paradigma que promova a colaboração, a inovação e o compromisso comum com um futuro sustentável incluindo uma reflexão profunda sobre nossos padrões de consumo, que muitas vezes estão intrinsecamente ligados à exploração excessiva dos recursos naturais e à geração de resíduos. A transição para modelos de consumo mais conscientes e sustentáveis é fundamental para reduzir nossa pegada ambiental e mitigar os impactos negativos sobre o meio ambiente. Somente assim poderemos enfrentar os desafios da crise climática e construir um mundo mais justo, equitativo e sustentável para todos. Por fim, o voto consciente é fundamental para a mudança. Ao tomar essas ações, os cidadãos ajudam a criar uma cultura ambiental mais forte, influenciando tanto as políticas públicas quanto as práticas empresariais em direção a um futuro mais sustentável.

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‘Cidades Esponja’ se tornam solução inovação inovadora para complexidade das chuvas intensas

Conceito proposto por pesquisador chinês visa transformar áreas urbanas em espaços capazes de absorver e gerenciar águas pluviais durante temporais

Por Helena Degreas

28/11/2023 11h00

Originalmente publicado Jovem Pan > Opinião Jovem Pan > Comentaristas > Helena Degreas > ‘Cidades Esponjas’ se tornam solução inovação inovadora para complexidade das chuvas intensas.

Vista aérea de Chongqing, na China, exemplo bem-sucedido de “Cidade Esponja”

Em meio ao aquecimento global, evidencia-se o aumento de chuvas mais intensas, especialmente em áreas urbanas com sistemas de drenagem pluvial desatualizados, inicialmente concebidos para lidar com padrões de distribuição temporal e espacial das chuvas em volumes distintos dos observados atualmente. No século passado, as infraestruturas foram planejadas e construídas para acelerar a coleta de água da chuva em direção a rios, lagos ou oceanos. Embora tenham sido eficientes na captação e encaminhamento das águas pluviais à época, o incremento das chuvas intensas resultou em inundações mais frequentes, desafiando as infraestruturas urbanas devido à sua concentração e volume. Nossas cidades, predominantemente impermeáveis e revestidas por asfalto e concreto, obstruem a infiltração da água no solo interrompendo o ciclo natural de escoamento e infiltração natural.

Neste cenário, o conceito recente conhecido por “Cidades Esponja”, proposto pelo pesquisador Kongjian Yu (Diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Pequim) ainda em 2012, surge como uma resposta à necessidade de repensar as abordagens convencionais. Em 2014, já com o apoio do governo central da China, foram criados metas e prazos para reduzir o efeito dos extremos climáticos sobre as áreas urbanas. Estabeleceu-se que até 2020, 20% das áreas urbanas seriam permeáveis e que 70% da água da chuva deveria ser reciclada. Até 2030, isso deveria ser 80%. Em cidades como Wuhan, Chongqing e Xiamen, “pilotos de Cidades Esponja” foram iniciados. Chongqing é um exemplo bem-sucedido: em 2020, 24,2% da área urbana da cidade havia sido transformada. Até 2025, eles esperam que mais de 45% da cidade atenda às metas previstas em planejamento.

As Cidades Esponja buscam transformar áreas urbanas em espaços capazes de absorver e gerenciar águas pluviais durante chuvas intensas, liberando-as gradualmente em períodos de seca. Essa abordagem visa equilibrar os desafios aparentemente contraditórios de inundações e escassez de água, proporcionando uma solução holística para as complexidades climáticas urbanas. Aparentemente simples, a implementação desse conceito implica em intervenções urbanas e institucionais significativas. Trata-se de uma mudança de cultura no âmbito do planejamento urbano e, principalmente, da maneira de atuar em construção civil quando voltada às infraestruturas destinadas ao cuidado das águas pluviais em cidades. É necessário repensar a infraestrutura urbana, substituindo parte das superfícies impermeáveis por áreas permeáveis, como jardins, parques e espaços verdes. Essas intervenções não apenas ajudam a absorver e reter a água da chuva, mas também contribuem para criar ambientes urbanos mais sustentáveis e resilientes. A criação de microbacias de retenção (espelhos d’água em praças, lagoas em parques são alguns exemplos), telhados verdes e pavimentos permeáveis são algumas das estratégias adotadas para transformar as cidades em verdadeiras esponjas urbanas.

Contudo, a eficácia da iniciativa das Cidades Esponja depende significativamente da capacidade de governança para implementar e gerenciar essas mudanças. Diante desse desafio, propõe-se a criação de um mecanismo institucional dedicado, responsável pela gestão operacional, planejamento, organização, coordenação, governança e avaliação diária da implementação. Essa agência, ou figura administrativa pública, seria encarregada de manter um inventário detalhado dos projetos, registrando informações essenciais desde o tipo de projeto até lições aprendidas. Além disso, atuaria como facilitadora da cooperação internacional, fornecendo orientações e aconselhamentos na elaboração de políticas de desenvolvimento urbano alinhadas ao propósito das Cidades Esponjas, promovendo a integração com outras iniciativas governamentais. Outra questão importante e que permeia os quadros técnicos públicos e institucionais, é a cultura orientada para a engenharia (dura), em que prevalece uma abordagem na qual a dominação do ambiente físico pelos humanos ocorre através de soluções tecnológicas e estruturais para desafios hídricos.

No Brasil, uma das soluções prioritariamente adotadas por governos é bem conhecida: os “piscinões”, estruturas projetadas para armazenar grandes volumes de água pluvial durante chuvas intensas. Embora fundamentais para o controle de águas pluviais, apresentam riscos à saúde pública, propiciando a proliferação de vetores de doenças como dengue. Além disso, causam impactos ambientais ao modificar habitats naturais, afetando a biodiversidade local, e podem comprometer a estética urbana, reduzindo o apelo visual. Sua proximidade também pode depreciar o valor imobiliário de áreas circundantes, enquanto a falta de manutenção pode transformá-los em locais de acumulação de resíduos, prejudicando a qualidade da água e do entorno.

Mesmo na implementação inicial da Iniciativa Cidades Esponjas na China (SCI), essa mentalidade tecnocrática persiste ainda, tratando a iniciativa como um projeto de engenharia convencional. Assim, é crucial que a China promova uma mudança na ideologia de gestão, favorecendo a transição para o pensamento sistêmico na governança e planejamento de desenvolvimento buscando a transformação cultural por meio de iniciativas educacionais e de treinamento para capacitação, juntamente com colaborações em pesquisa.

Em conclusão, a proposta das Cidades Esponjas representa uma mudança fundamental na abordagem de gestão urbana na China, visando lidar de maneira mais eficaz com as questões de inundações e gestão de águas pluviais e serve de referência para a gestão urbana de várias cidades brasileiras. No entanto, o sucesso dessa iniciativa está diretamente relacionado à capacidade do governo em adotar medidas técnicas, de governança, financeiras e organizacionais adequadas para superar os desafios de implementação. A gestão da iniciativa deve transcender a abordagem de projetos independentes para uma governança participativa e programática, incorporando planejamento adaptativo e reflexão contínua. O aprendizado entre cidades, compartilhando experiências e promovendo boas práticas e inovações, desempenha um papel crucial na construção de cidades resilientes à água.

Dessa forma, as Cidades Esponjas não apenas representam uma solução inovadora para as complexidades das chuvas intensas, mas também uma visão abrangente e diretrizes para que governos integrem ações voltadas à implantação de infraestrutura verde e práticas sustentáveis com o objetivo de criar ambientes urbanos mais resilientes e ecologicamente amigáveis.

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